As controvérsias da Copa do Catar
Em 2010, ficou decidido que a Copa do Mundo de 2022 seria realizada no misterioso Catar, no Oriente Médio. Mas, desde então, o país sofreu várias acusações que ainda podem levar à perda do posto de país-sede. Entenda as controvérsias que rondam o país
Escolha do país como sede
A corrupção na FIFA, que está sendo investigada pelo FBI e por autoridades suíças, resultou na renúncia do presidente Joseph Blatter, após 17 anos de ocupação do cargo. Agora, o órgão americano investiga também o processo de escolha dos locais da Copa do Mundo, como a Rússia e o Catar. Os dois países afirmam que as acusações não passam de preconceito: o Catar, um pequeno país árabe de maioria muçulmana, e a Rússia de Vladimir Putin, que enfrenta o Ocidente em uma crise.
No Catar, as acusações de corrupção e de compra de votos surgiram logo após o anúncio da escolha do país como sede da copa. O ex-presidente da Confederação Asiática de Futebol e executivo da Fifa, o catari Mohamed bin Hammam, foi acusado de subornar federações do mundo com mais de R$ 11 milhões para que os votos dessem a vitória ao seu país de origem. A Fifa investigou o caso e no fim do ano passado publicou um relatório que isentava o Catar das acusações. Mas não foi só isso: o responsável pela investigação que gerou o relatório, Michael Garcia, pediu demissão após considerar as informações divulgadas equivocadas e incompletas. Hammam foi afastado dos cargos por corrupção, mas por casos que não envolviam a Copa do Catar.
As novas descobertas de corrupção no futebol reacenderam as controvérsias: o chefe da auditoria da Fifa afirmou que, caso encontrem evidências de algum processo ilegal na escolha do país, ele não sediará o mundial. Recentemente, o FBI identificou uma quantia em dinheiro na conta de Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF e também acusado de corrupção, que veio de empresas do Golfo Pérsico. A suspeita é que o dinheiro corresponda ao que foi pago para que Teixeira votasse no Catar para o mundial de 2022.
Condições de trabalho
Preparar um evento de grande porte como a Copa do Mundo exige um número considerável de trabalhadores, é claro. Mas, no pacote de exigências da Fifa para que o projeto deslanche, está a garantia de que todas essas pessoas tenham seus direitos assegurados. Acontece que, no caso da Copa no Catar, as autoridades ainda não puseram em prática as medidas para barrar os abusos aos trabalhadores – nem para os que foram ao país para colaborar com as obras do evento, nem para qualquer outro posto.
E basta espiar as leis que serviriam para orientar direitos e deveres dos trabalhadores para entender como são as condições por lá. Para começo de conversa, desde o início, o documento separa o tratamento dado aos cataris e aos não-cataris – afinal, os cidadãos que têm origem catari são apenas 12% da população total do país e a eles são garantidos privilégios. Em qualquer ramo, é essa pequena parcela que se dá bem – eles têm mais vagas à disposição, ganham mais e ficam nos melhores postos de trabalho.
O ponto mais controverso da legislação está na kafala (cuja tradução mais aproximada é “fiança” ou “patrocínio”), que coloca o trabalhador como uma espécie de dependente do empregador. Pra ficar mais claro: ao pé da letra, quem contrata o gringo seria um “fiador”, de quem ele depende para coisas essenciais. Essenciais mesmo. Quer trocar de emprego? Peça a ele a autorização, antes de tudo. Sofreu abusos? Não pode abandonar o posto sem pedir para ele antes, a não ser em “condições especiais” e com a checagem do Ministro do Interior. Quer sair do Catar e voltar ao seu país de origem? Primeiramente, peça a ele uma autorização de saída (que, é claro, pode ser negada). Apesar de, segundo as fontes oficiais, haver fiscalização sobre o trabalho na região, organismos internacionais já destacaram a ineficiência deles. Segundo a Humans Rights Watch, são apenas 150 funcionários que cuidam das inspeções.
Como a maioria dos caras que trabalham por lá, cerca de 1,2 milhão de pessoas, vêm de lugares como Nepal, Índia e Bangladesh, muitos ficam vulneráveis aos absurdos cometidos pelos empregadores. E, pra piorar, muitos deles chegaram ali depois de serem aliciados ainda em sua terra natal, já que não falta quem lucre “encaminhando” as pessoas para lá. Para ter uma ideia, alguns deles pagam mais de 3 mil dólares para serem recrutados para o trabalho no Catar, e já chegam endividados. Com os baixíssimos salários, fica difícil se livrar desse obstáculo e se sustentar por lá – isso sem contar o dinheiro que muitos deles precisam enviar à família. Mesmo com as recomendações da FIFA, que identificaram a necessidade de leis mais eficazes, a Humans Rights Watch também relatou não ter constatado avanços.
Clima e mudança de data
A umidade e as altas temperaturas do verão catari, que chegam a 55ºC, alarmaram a Fifa. O presidente-executivo da copa no Catar já havia prometido que eles seriam capazes de resfriar os estádios com tecnologia zero emissão de carbono, que converte raios solares em energia elétrica. Mas mesmo assim os dirigentes preferiram não arriscar. Pela primeira vez, o mundial vai acontecer no inverno do hemisfério Norte. A data escolhida vai do dia 21 de novembro até 18 de dezembro, dia em que o país comemora a sua unificação e independência. É claro que essa decisão desagradou muita gente. A emissora americana FOX Sports que comprou o direito de transmissão dos jogos por US$ 425 milhões vai ter que se reorganizar, pois também transmite outras competições como a Liga dos Campeões. Na Europa, a Copa vai ocorrer no meio da temporada de jogos, o que implica um replanejamento por parte dos jogadores, que será decidido posteriormente, e uma possível queda no faturamento.
A mudança de data foi mais um fator que contribuiu para reforçar a ideia de que a copa no Catar foi comprada. Os críticos alegam que o país não possui nenhum tipo de tradição futebolística e nem condições climáticas ou infra-estrutura necessárias para sediar um evento tão grande.
A Copa de 2022 está cercada de controvérsias e dúvidas. Ao contrário da Copa na Rússia, em 2018, que por conta da proximidade muito provavelmente não seria cancelada, a do país árabe ainda conta com esse risco. As investigações apontam para uma fraude e cada vez mais os noticiários mostram o lado obscuro da construção do mundial. Resta esperar para saber se vai ou não vai ter Copa.