Francisco Botelho
William Holden está boiando, morto, numa piscina. Em off, sua voz começa a narrar as circunstâncias que causaram seu próprio assassinato num tom vagamente entediado. Assim começa Crepúsculo dos Deuses, a obra-prima do diretor Billy Wilder, e, com certeza, um dos maiores filmes de todos os tempos. O personagem de Holden é um roteirista cínico, desocupado e perseguido por credores; para arranjar dinheiro ele se envolve com Norma Desmond, uma antiga estrela do cinema mudo, que arrasta sua compenetrada decadência pelos corredores de uma mansão. Trata-se da mais aguda crítica já dirigida a Hollywood, mostrando a hipocrisia e a decadência que se escondem sob o esmalte da fama. Como era de esperar, muita gente se sentiu ultrajada – fato que deve ter deixado o diretor para lá de satisfeito.
Quando Crepúsculo dos Deuses foi lançado, em 1950, Wilder já tinha ganho o Oscar de 1945 por Farrapo Humano. Sua história, no entanto, começou muito longe de Hollywood. Nascido na Áustria, em 1906, Wilder passou por várias ocupações antes de chegar ao cinema: estudou Direito, trabalhou como repórter e dançarino. Certa vez, um jornal encomendou-lhe uma entrevista com Sigmund Freud. O pai da psicanálise bateu-lhe a porta na cara. No entanto, Wilder chegou a ver, de passagem, o mitológico divã. “Era minúsculo. Freud baseou suas teorias em pessoas muito baixinhas”, disse, anos depois.
Quando Hitler subiu ao poder, Wilder foi tentar a sorte na América. Mal falava inglês e seu primeiro roteiro por lá foi terminado com a ajuda de um tradutor. No entanto, em 1938 já estava trabalhando com seu maior ídolo, o genial diretor Ernst Lubitsch. Mas Wilder não se contentava em ser só roteirista. “Fazer roteiros” dizia, “é como levar uma mulher para a cama e ser interrompido por uma pessoa que se mete entre os lençóis e lhe obriga a pular fora.” A partir de 1942, passou a dirigir seus filmes. Neles, o humor corrosivo pontua enredos elegantes e, às vezes, condescende num romantismo debochado. Com sua petulância, Wilder fazia questão de distribuir alfinetadas – numa época em que Hollywood primava pelo bom-mocismo. Não é de espantar que muita gente o detestasse. Certa vez, o todo-poderoso Louis B. Mayer, fundador da produtora MGM, ameaçou expulsá-lo da cidade – ao que Wilder respondeu com um singelo palavrão.
Adepto do “estilo transparente”, Wilder era avesso a virtuosismos. O que importa em seus filmes não são as acrobacias da câmera, mas a precisão dos diálogos e a inteligência narrativa. Sua cumplicidade com atores e atrizes era outro fator essencial – Audrey Hepburn e Marilyn Monroe ganharam pelas mãos do cineasta seus momentos mais inesquecíveis. A respeito de Marilyn, com quem gravou O Pecado Mora ao Lado e Quanto mais Quente Melhor, Wilder costumava dizer: “Ela era o inferno, mas valia a pena”.
O diretor viveu o bastante para testemunhar seu próprio endeusamento – o qual tratava com a mesma irreverência de sempre. Assistindo ao Oscar de 1994 pela TV, ouviu o espanhol Fernando Trueba dizer o seguinte ao ganhar o prêmio de melhor filme estrangeiro: “Se acreditasse em Deus, agradeceria a Ele. Como não acredito, agradeço a Billy Wilder”. Dois dias depois, telefonou para Trueba e anunciou-se: “Aqui é Deus”.
Billy Wilder está entre os expoentes máximos do melhor cinema hollywoodiano – aquele em que entretenimento e arte não se antagonizam, mas se complementam. Ao morrer, em março, levou consigo uma era. A nós, que aqui ficamos, resta lembrar e sorrir.
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