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Como a impressão em papéis alavancou a caça às bruxas na Europa

A prensa garantiu a impressão de manuais que ensinavam os leitores como questionar, caçar e até executar as supostas bruxas, espalhando o movimento na Europa.

Por Manuela Mourão
26 out 2024, 12h00

Em clima de Halloween, é preciso lembrar uma das grandes barbáries humanitárias da história: a caça às bruxas. Na Europa, o movimento intolerante ganhou força muito rápido, resultando em um hecatombe em quase todo o território. Um novo estudo revela que o combustível para o alvoroço foi um dos maiores desenvolvimentos intelectuais da humanidade, a invenção da impressão com prensa, nos anos 1450.   

Aqui vale uma introdução sobre o que foi a caça às bruxas. O movimento da caça às bruxas na Europa, que ocorreu principalmente entre os séculos 15 e 18, surgiu em um contexto repleto de transformações sociais, políticas e religiosas. 

Durante esse período, a Europa enfrentava crises econômicas, fome e surtos de peste, que criavam um cenário de medo e insegurança entre a população. Muitas pessoas buscavam explicações para seu sofrimento e, frequentemente, recorriam à ideia de que o diabo, e consequentemente suas adoradoras, as bruxas, eram responsáveis por suas desgraças.

O que gerou uma série de perseguições e julgamentos, que ocorreram principalmente em países como Alemanha, Suíça, França e Escócia, em que muitas pessoas, em sua maioria mulheres, foram acusadas de praticar bruxaria e de fazer pactos com o diabo.

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Essas acusações estavam enraizadas em crenças religiosas e culturais intolerantes, que viam a bruxaria como uma ameaça à ordem social e à fé cristã. As acusações de bruxaria eram, muitas vezes, motivadas por fatores como desconfiança local, rivalidades pessoais, deficiências físicas e intelectuais, ou temor diante de desastres naturais, doenças e crises econômicas.

As caças às bruxas foram particularmente intensas durante a Reforma Protestante e a Contrarreforma, períodos em que havia uma intensa polarização de religião. Milhares de pessoas foram executadas, muitas vezes de forma brutal, com julgamentos ocorrendo em tribunais religiosos ou civis.

As principais formas de execução incluíam enforcamento, afogamento e, em alguns casos, queima na fogueira. O “Malleus Maleficarum” (1487), um manual de caça às bruxas escrito por inquisidores, teve uma grande influência nas perseguições. 

As caças às bruxas também se expandiram para a América do Norte, como nos já mencionados julgamentos de Salem em 1692. Em geral, o fenômeno refletiu uma mistura de medo, controle social e o desejo de culpar o “sobrenatural” por problemas que as sociedades da época não conseguiam explicar.

Agora o novo artigo, publicado no jornal Theory and Society, revelou que a impressão dos manuais em livros e livretos, foi essencial para que as perseguições se alavancassem no território europeu. Além disso, mostra como a reação era extremamente social, e que o boca-a-boca entre cidades, influenciava na adoção dos julgamentos.  

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“As cidades não tomavam essas decisões sozinhas”, escreve Kerice Doten-Snitker, do Instituto Santa Fé e principal autora do estudo. “Elas observavam o que os vizinhos faziam e aprendiam com esses exemplos. A combinação de novas ideias vindas dos livros e a influência dos julgamentos próximos criaram as condições perfeitas para que estas perseguições se espalhassem”.

E daí para frente, foi só para trás. A caça chegou ao seu apogeu no final do século 15, e resultou no processo de 90 mil pessoas, dessas, quase 45 mil inocentes foram executadas. 

A crença em bruxas e feitiçaria permeou a cultura europeia por séculos, mas a perseguição sistemática e generalizada que ocorreu por 300 anos foi sem precedentes. A chegada da imprensa, segundo a pesquisadora, desempenhou um papel crucial nesse fenômeno, permitindo a disseminação rápida de ideias sobre bruxaria que antes estavam restritas a pequenos círculos intelectuais, como estudiosos religiosos e inquisidores locais.

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O Malleus Maleficarum, serviu como um guia teórico e prático para identificar, interrogar e processar bruxas. “Uma vez que esses manuais entraram em circulação, eles forneceram um framework para que os locais pudessem gerenciar a suspeita de feitiçaria em suas comunidades”, conta Doten-Snitker, em comunicado.

No estudo, os pesquisadores envolvidos analisaram dados de 553 cidades da Europa Central, entre 1400 e 1679, e descobriram que após a publicação de cada nova edição do Malleus Maleficarum, havia um aumento nas ações judiciais contra bruxas.

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Conforme uma cidade adotava as práticas delineadas no “guia”, cidades próximas frequentemente seguiam o exemplo, aprendendo umas com as outras. Os pesquisadores chamaram esse processo de “difusão ideacional”, que muitas vezes levava anos, à medida que as populações precisavam de tempo para assimilar novas ideias sobre bruxaria e traduzi-las em comportamento. 

Uma vez enraizadas, essas ideias criavam um efeito dominó lento, mas poderoso, que se espalhava pelo continente.

Embora o foco da pesquisa esteja na história dos julgamentos, Kerice Doten-Snitker vê paralelos com as mudanças sociais contemporâneas. “O processo de adoção de julgamentos de bruxas não é muito diferente de como os governos modernos adotam novas políticas hoje”, diz em comunicado. “Frequentemente, começa com uma mudança de ideias, que são reforçadas através de redes sociais. Com o tempo, essas ideias se solidificam e alteram o comportamento de sociedades inteiras.”

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