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Como era a rotina criativa de Einstein, Darwin e outros 6 gênios

Einstein dormia 10 horas por noite; Picasso virava a madrugada. Freud trabalhava 13 horas por dia; Darwin, só três. Conheça a rotina de algumas das mentes mais brilhantes da humanidade. E entenda por que não há receita para o sucesso.

Por Maria Clara Rossini
19 ago 2022, 08h39

Charles Darwin (1809 – 1882)

Cinco anos explorando o mundo,  a bordo do Beagle. Depois, mais cinco vivendo em uma cidade caótica: a Londres de meados do século 19. Quando chegou aos 33 anos, Charles Darwin só queria paz. Então mudou-se para uma casa na área rural da capital britânica, em 1842, com a esposa (e prima) Emma Wedgwood.

Ele ainda não tinha publicado A Origem das Espécies. Darwin só revelava sua teoria, a da Evolução, para poucos – segundo ele, era como se estivesse confessando um crime. Enquanto publicava artigos científicos sobre abelhas, o naturalista trabalhava secretamente no livro que revolucionaria a biologia.

Ilustração de Darwin ouvindo sua esposa ler um livro para ele.
(Taíssa Maia/Superinteressante)

Depois de caminhar e tomar café da manhã, o cientista começava o “home office” às 8h. 90 minutos de concentração total. Então, ia para a sala ouvir sua esposa ler as cartas da família em voz alta. Voltava ao escritório às 10h30, onde ficava por mais uma hora e meia. Ao meio dia, soltava um suspiro: “Hoje foi um bom dia de trabalho”. Pronto. Fim do expediente, depois de apenas três horas de trabalho para valer. Darwin, então, dava uma volta com seu fox terrier antes do almoço. Depois, “abria o e-mail”: fazia questão de responder absolutamente todas as cartas que recebia – quando deixava alguma de fora, o cientista se revirava na cama à noite com peso na consciência.

Além das cartas, Darwin e Emma costumavam ler livros juntos. Naquele mesmo esquema: ela lê e ele escuta. Péssimo negócio, já que o naturalista sempre caía no sono e perdia partes da história. No fim da tarde, poderia estudar por mais uma horinha, tentando juntar as pontas soltas que restaram do trabalho matutino. E nada melhor para finalizar esse dia bucólico do que uma partida de gamão.

Albert Einstein (1879 – 1955)

Hitler chegou ao poder na Alemanha em 1933. No mesmo ano, Einstein fugiu de seu país natal e passou a lecionar na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. O cientista judeu ficaria por lá até se aposentar, em 1945 – coincidentemente, ano de morte do ditador nazista.

Na época, ele já era famoso por sua Teoria da Relatividade, então se permitia uma rotina mais tranquila. Às 9h, levantava da cama enquanto seus pés já procuravam pelo sapato social. Não havia meias na gaveta – para Einstein, elas eram desnecessárias. Depois de tomar café e ler o jornal, às 10h30 ia caminhando até a faculdade.

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Ilustração de Albert Einstein descalço enquanto lê um livro.
(Taíssa Maia/Superinteressante)

Chegando lá, o cientista trabalhava durante incríveis… duas horas. Sim: às 13h Einstein batia o ponto e voltava para almoçar em casa às 13h30. Uma siesta era seguida de uma xícara de chá. Então passava o resto da tarde em casa, recebendo visitas, respondendo correspondências ou trabalhando em pesquisas teóricas.

Depois do jantar (macarrão era um de seus pratos favoritos), mais correspondências e estudos. Einstein se deitava às 23h para totalizar suas dez horas de sono por noite. Sua dica para quem quer ter uma rotina criativa: reservar períodos para não fazer nada. “Não esqueça que, além das oito horas de trabalho, cada dia tem oito horas para se divertir.”

Immanuel Kant (1724 – 1804)

Se a rotina fosse uma pessoa, provavelmente se chamaria Immanuel Kant. O filósofo prussiano cumpria suas obrigações com a regularidade de um relógio suíço. Reza a lenda que seus vizinhos acertavam o horário quando Kant saía de casa para caminhar – todos os dias precisamente às 15h30.

Mas essa rotina rígida só começou quando Kant completou 40 anos. Ele acreditava que o caráter se construía até essa idade. A partir daí, não desviou mais do roteiro: acordava às 5h para tomar um chá e fumar seu cachimbo (Kant prometeu que só fumaria um por dia, mas é fato que o tamanho do cachimbo aumentou com o passar dos anos). Começava a dar aulas na Universidade de Königsberg às 7h, e ficava por lá até as 11h. O almoço (sempre em um restaurante ou pub) podia se estender até as 15h, mas nunca o bastante para atrasar o religioso horário da caminhada. Também costumava visitar amigos, e às 19h estava de volta em casa. A hora de dormir era sempre às 22h.

Ilustração de Kant saindo para caminhar pontualmente às 15h30.
(Taíssa Maia/Superinteressante)

Foi sob essa rotina que Kant escreveu suas três “Críticas”: da Razão Pura, da Razão Prática e da Faculdade de Julgar. Apesar de morar a apenas algumas horas do litoral, o filósofo nunca viu o mar. Raramente saía de Königsberg, cidade prussiana onde nasceu e morreu. Você pode culpar o estilo de vida pouco aventureiro a sua condição de saúde: Kant tinha uma caixa torácica pequena, que comprimia os pulmões e coração. Ele acreditava que seguir uma rotina rígida era uma maneira de prolongar sua expectativa de vida. Não dá para dizer que deu errado: ele viveu até os 79 anos – bastante para uma época em que a expectativa de vida ao nascer mal chegava aos 40.

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Stephen King (1947 – )

King pode entrar para a lista de escritores mais disciplinados que já existiram. Para ele, o autor não deve esperar pela inspiração. Deve sentar e escrever – o que ele faz todos os dias, incluindo feriados e aniversários. Mais: ele não sai da escrivaninha até completar, no mínimo, duas mil palavras (o tamanho desta reportagem). O resultado desse hábito são os 64 romances que ele publicou nos últimos 50 anos.

O fluxo criativo começa entre 8h e 8h30, após uma caminhada matinal. Em alguns dias, ele atinge a meta antes do meio-dia, mas geralmente fica até as 13h30 trabalhando. A tarde e noite são todas dedicadas ao lazer: tirar cochilos, escrever cartas, passar tempo com a família e assistir a jogos de beisebol – especialmente do time Red Sox.

Ilustração de Stephen King escrevendo durante a ceia de natal.
(Taíssa Maia/Superinteressante)

O autor costuma comparar a escrita com o sono: “Como o seu quarto, sua sala de escrita deve ser privada, um lugar onde você vai para sonhar”. King defende que o ritual de começar a escrever é justamente o que traz a inspiração, não o contrário.

O escritor também já descreveu esse processo como uma espécie de auto-hipnose. “20 horas por dia, eu vivo na mesma realidade que todo mundo. Mas durante quatro horas, as coisas mudam. Se você me perguntar como isso acontece, eu te respondo que é um mistério tão grande para mim quanto para qualquer outra pessoa.”

Agatha Christie (1890 – 1976)

Se King trata seu local de escrita como um santuário meditativo, Christie não poderia ser mais herege. A Rainha do Crime simplesmente não tinha um local fixo de trabalho. Em sua autobiografia, ela conta que escrevia em boosts de inspiração, sem uma rotina estabelecida. E nem por isso ela ficou atrás de King: escreveu mais de cem histórias ao longo da vida.

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O desprendimento da autora era o terror dos fotógrafos: muitos pediam para fotografá-la na escrivaninha em que surge sua inspiração. Mas esse poderia ser literalmente qualquer lugar. “Tudo que eu precisava era de uma mesa firme e uma máquina de escrever. Uma pia de mármore era um bom local. A mesa de jantar entre refeições também era adequada.”

Ilustração de Agatha Christie escrevendo em um papel higiênico dentro do banheiro.
(Taíssa Maia/Superinteressante)

E a inspiração geralmente vinha nos momentos mais inesperados. Mesmo quando estava em uma roda de amigos, Christie dava um jeito de desaparecer por uma meia hora, botar todas as ideias no papel e depois voltar como se nada tivesse acontecido.

Para algumas pessoas, não ter uma rotina rígida pode ser o segredo para a criatividade. Foi isso que permitiu que a autora viajasse o mundo com o segundo marido, o arqueólogo Max Mallowan – o que foi grande fonte de inspiração para suas histórias. Seu neto conta que, quando já estava mais velha, Christie passou a ler seus manuscritos na mesa de jantar para ver a reação da família aos mistérios – e, consequentemente, dos futuros leitores.

Pablo Picasso (1881 – 1973)

Picasso já viveu uma vida de universitário. No início dos anos 1900, morou com o amigo e escritor Max Jacob em Paris. Só tinha uma cama: Max dormia durante a noite (enquanto Picasso pintava) e o artista, durante o dia. Você pode imaginar sua euforia quando, anos depois, se mudou para um apartamento só seu. A casa era forrada por pincéis, telas e tintas. Por cima disso tudo passavam três gatos siameses, um cachorro e um macaco chamado Monina.

Picasso costumava acordar às 11h. Seu “expediente” só começava às 14h, quando ele se trancava no ateliê e não saía até o pôr do sol. Só dava a cara de novo no jantar – mas ela não era das melhores. O malaguenho raramente conversava enquanto comia uma refeição composta apenas por vegetais, peixe, uvas e arroz doce, que ele engolia com água ou leite.

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Ilustração de Picasso de babador pronto para comer leite, peixe e uvas.
(Taíssa Maia/Superinteressante)

Depois do jantar, ele estava pronto para outra sessão de pintura no ateliê, que só terminava às 3h da manhã. Picasso é a prova de que dá para ter os hábitos noturnos de um adolescente e ainda ser um dos artistas mais produtivos da história: foram mais de 140 mil trabalhos ao longo da vida. Ele pintou até as 3h da manhã do seu último dia de vida, aos 91 anos. “É por isso que os artistas vivem por tanto tempo”, dizia. “Quando eu trabalho, deixo meu corpo do lado de fora da porta, da mesma forma que os muçulmanos tiram os sapatos antes de entrar na mesquita.”

Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)

Sessenta grãos de café por xícara. Para Beethoven, essa era a medida perfeita para começar o dia. Ele fazia questão de contá-los um por um, logo depois de acordar, às 6h da manhã. Ele não perdia muito tempo antes de sentar numa escrivaninha e começar a compor. Algumas caminhadas no meio do expediente aumentavam sua criatividade – não à toa, ele era mais produtivo nos meses de verão.

Ilustração de Beethoven contando grãos de café.
(Taíssa Maia/Superinteressante)

Ele compunha até 14h ou 15h, com um almoço no meio. Depois, Beethoven saía para mais uma caminhada. Nos bolsos, levava partituras em branco e uma caneta. Ele jamais deixava a inspiração fugir do papel. À noite, o compositor de Für Elise gostava de apreciar outros artistas de Viena. Caso não estivesse rolando nada de interessante no teatro, tomava uma sopa com vinho em casa – além da habitual cerveja e cachimbo antes de dormir, às 22h.

A parte mais incomum da rotina de Beethoven acontecia no banho. O músico simplesmente não conseguia parar quieto. Enquanto se lavava, Beethoven andava de um lado para o outro do quarto murmurando (ou, às vezes, berrando) notas musicais. Detalhe: tudo isso enquanto estava molhado e nu. O hábito gerava infiltrações pela casa – o que rendeu a Beethoven a fama de péssimo inquilino.

Sigmund Freud (1856 – 1939)

O pai da psicanálise podia se dar ao luxo de dedicar quase o dia inteiro ao trabalho. Sua esposa, Martha, cuidava de todas as tarefas domésticas. Todas mesmo: escolhia as roupas que Freud iria vestir e espremia a pasta em sua escova de dentes. Nem com o rosto ele precisava se preocupar. Um barbeiro batia na porta de casa todos os dias para aparar milimetricamente sua barba.

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Tudo isso fazia parte do seu ritual matinal: acordava às 7h, tomava café e tirava os pelos do rosto. Atendia os pacientes das 8h ao meio-dia. O almoço devia estar na mesa às 13h em ponto – de preferência, rosbife. Logo depois ele saía para uma caminhada pela Ringstrasse, a rua de 5,3 km que circunda o centro histórico de Viena. Às 15h ele retornava para mais sessões de psicanálise até as 21h. Então preenchia o resto da noite estudando, lendo ou escrevendo artigos para periódicos científicos. Freud só ia se deitar à 1h da manhã.

Ilustração de mãozinhas fazendo a barba de Freud.
(Taíssa Maia/Superinteressante)

Sigmund é provavelmente o maior workaholic desta lista. Seguindo essa rotina, ele chegava a dedicar 13 horas do dia ao trabalho intelectual. Em 1910, ele escreveu que não conseguia imaginar uma vida sem trabalho como sendo realmente confortável. Em compensação, o psicanalista abusava das férias: tirava três meses por ano para ir a um spa ou hotel nas montanhas com a família.

Em resumo: acordar cedo ou virar a noite, trabalhar três ou treze horas por dia, adotar um cronograma rígido ou mais livre não vão transformar ninguém em gênio. Genial mesmo é conseguir adaptar a rotina ao seu ritmo pessoal.

Gráfico mostrando o que cada um dos gênios fazia durante as 24h do dia, separado em 6 categorias: sono, refeições e atividades pessoais, emprego e organização, trabalho criativo, exercício físico e indefinido.
(Natalia Sayuri Lara/Maria Clara Rossini/Superinteressante)

Fontes Livro Daily Rituals: How Artists Work, de Mason Currey; Livro Sobre a Escrita, de Stephen King; Livro Uma Autobiografia, de Agatha Christie; Livro Beethoven As I Knew Him, de Anton Schindler; Entrevista Stephen King Is Sorry You Feel Like You’re Stuck In A Stephen King Novel, à NPR; The Home of Agatha Christie.

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