Como vai acabar o mundo
O temor da morte e as dúvidas sobre o futuro fizeram surgir ao longo da história os mais variados mitos sobre o fim do Universo
Márcio Sampaio de Castro
O Universo é uma criação divina. Ao não se comportar de acordo com os preceitos dos deuses, a humanidade expõe-se aos terremotos, tempestades de fogo e toda sorte de cataclismos que podem contribuir para limpar a superfície do planeta de suas imperfeições. Pelo menos, essa é a idéia principal dos mitos escatológicos que acompanham o homem desde o início de sua aventura na Terra. Neles, o fim do mundo é uma possibilidade tão concreta quanto a morte.
“Os mitos do fim do mundo estão ligados ao medo da morte e daquilo que pode suceder no pós-vida. Isso sempre fez o homem se preocupar com temas como a salvação”, diz o mitólogo brasileiro Cid Marcus Vasques. No antigo Egito, o Livro dos Mortos era um verdadeiro manual de como proceder no além para evitar problemas. Os egípcios tinham uma verdadeira obsessão com os cuidados que deveriam tomar em relação à alma do morto, principalmente se ele fosse um faraó. Um erro no rito funerário poderia aborrecer os deuses e repercutir em toda ordem planetária, ocasionando a fusão entre o céu e a terra e, claro, o fim de tudo.
Na Índia, há milênios as pessoas convivem com a imagem do deus Shiva, o dançarino que tem a função de periodicamente purificar o mundo, destruindo-o. Para os hindus, a destruição do planeta e do Universo não é apenas uma questão de bom ou mau comportamento da humanidade – é uma questão de tempo. A diferença em relação a outras visões é que criação e aniquilação fazem parte de um processo cíclico incessante. O fim e o começo do mundo sucedem-se num eterno girar da roda universal.
Dilúvio universal
Curiosamente, o principal mito planetário que envolve a idéia de cataclismos não está relacionado a um porvir, e sim a um passado remoto. Informações sobre um grande dilúvio universal estão presentes nos relatos sobre o Noé bíblico, na tradição mesopotâmica, conforme narrado pelo épico Gilgamesh, em quase toda a costa ocidental africana e na maioria dos povos pré-colombianos das Américas. Entre os incas, havia a tradicional história do lavrador que, ao perguntar para sua lhama por que ela estava tão triste, foi aconselhado por ela a buscar com sua família os picos das montanhas mais elevadas, pois um grande dilúvio aproximava-se. Em todas essas histórias sempre surge um líder puro e sábio que tem o papel de recomeçar a obra divina após as inundações.
A Bíblia judaico-cristã fala sobre o fim dos tempos em seus dois blocos principais, o Velho e o Novo Testamento. No primeiro, temos a figura do profeta Daniel, que marca até hoje o imaginário ocidental com seus sonhos e visões sobre o final dos tempos. Ao lado dele, o Apocalipse de João, incluído no Novo Testamento, é um dos livros mais estudados por aqueles que se preocupam com o tema. Nos dois casos, temos uma descrição da destruição do mundo que será causada pelo comportamento inadequado da humanidade.
A batalha final
Mas os cataclismos podem surgir não só por conta do comportamento dos homens. A mitologia nórdica narra a história do Ragnarok, a última batalha entre os deuses e seus inimigos. Segundo essa versão, o futuro reserva para a humanidade uma terrível era em que armas serão empunhadas e destruídas, pais lutarão contra filhos, irmãos praticarão incestos e mães abandonarão maridos para seduzir os próprios filhos. Na superfície do planeta, o mar sairá de seu leito, a terra tremerá e homens morrerão em grande número. A boa notícia é que, depois de toda essa confusão, haverá um novo começo e uma nova oportunidade para deuses e homens. Para nossa sorte, as certezas de cataclismos sinalizadas por diferentes mitologias trazem também a promessa de um mundo novo sem impurezas. O único problema é que esse novo mundo é somente para os mais afortunados. A esperança que faz parte do imaginário de muita gente ao redor do globo, há milênios, é a de figurar entre os eleitos que escaparão dos destinos trágicos reservados à humanidade. Uma esperança que se confunde com o desejo de escapar da própria morte.
Para saber mais
LIVROS
O Poder do Mito, Joseph Campbell, Editora Palas Athena, 1990
As relações entre a humanidade e seus símbolos.
História Ilustrada da Mitologia, Verônica Ions, Editora Manole, 1999
Texto ricamente ilustrado que faz uma comparação entre diversas mitologias.
A última era
Gregos e hindus chegaram à mesma conclusão: o fim está próximo
Separados por milhares de quilômetros de distância, gregos e hindus produziram, na aurora de suas civilizações, o mito das eras da humanidade. No século 8º a.C., poetas gregos falavam de uma idade de ouro, uma época em que os homens viviam em harmonia. De forma similar, a Índia produziu a noção do Krita Yuga, uma idade áurea em que a sabedoria e a virtude eram dons naturais do homem. O segundo período, a idade da prata para os gregos ou Treta Yuga para os hindus, foi marcada pelo surgimento da violência, mas ainda assim homens gozavam de pureza. Já a idade de bronze, ou Dwapara Yuga, assinalou um distanciamento entre as duas visões. Para os hindus, virtude e mal se achavam em equilíbrio. Para os gregos, as rixas entre os homens levaram a exageros e muitos foram condenados a definhar no Hades, o reino dos mortos. A idade de ferro, ou Kali Yuga, seria o momento atual. Na visão oriental, é uma era marcada pela fome e pela guerra. Para os gregos, uma época sem justiça ou virtude. Em ambas as visões, nosso destino será a autodestruição. Quem viver verá. Ou talvez não.