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Corpo – Quando a justiça não é cega

Vinte anos depois de ter sido barrado no concurso para juiz, Ricardo Tadeu da Fonseca foi nomeado o primeiro desembargador do Brasil com deficiência visual

Por Maria Miranda
Atualizado em 31 out 2016, 18h17 - Publicado em 9 Maio 2012, 22h00

“Não pode haver juiz cego. Ponto.” Foi com essa frase que o “sonho de moleque” do espectador assíduo de filmes de tribunais americanos parecia condenado à fantasia. Com esse parecer, a junta do Tribunal Regional do Trabalho interrompia o processo antes do fim do concurso para juiz.

Mas Ricardo Tadeu da Fonseca, aos 31 anos na época, já estava acostumado a ultrapassar obstáculos. Por ter nascido prematuro, os vasos sanguíneos da retina se desenvolveram anormalmente. Aos 23, no 3o ano de Direito na USP, perdeu o que restava da visão em 6 angustiantes meses. Depois, quando tentava vagas de estágio e sempre tinha os currículos selecionados, acabava preterido por puro preconceito. E, em todos os casos, ele “esgrimou”, como diz.

Sua primeira reação ao saber que ficaria totalmente cego foi dizer à namorada: “Se manda, você não tem que segurar essa barra!” Mas, no fundo, queria que ela ficasse ao seu lado. E ela ficou – hoje é sua mulher, mãe das duas filhas. Foi com o apoio dela, da família e dos colegas de faculdade que seguiu em frente, gravando as aulas e estudando com a ajuda de ledores.

Quando percebeu que não conseguiria estágios, foi trabalhar no Centro Acadêmico da faculdade dando assistência jurídica a pessoas carentes – sem remuneração. Assim aprendeu a advogar e absorveu valores que o guiariam pela vida.

Por fim, quando aquela junta do TRT frustrou seus planos de tentar ser juiz, superou o baque com a ajuda de seu chefe na época, o desembargador Oswaldo Preuss – que tinha certeza que ele nascera para ser juiz -, e de seu professor Eros Grau, hoje aposentado do Supremo Tribunal Federal, que lhe ajudaram no recurso. A luta o instigou, mesmo sendo causa perdida. “Sabia que o Judiciário não estava preparado ainda para aceitar nossas teses de defesa, mas sabíamos que eram boas!”, relembra, voz ainda entusiasmada.

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Enquanto isso, seu currículo deu vários saltos. Um ano depois de perder o recurso, comemorava a aprovação em 6o lugar contra 4 500 candidatos no concurso do Ministério Público do Trabalho. Depois, começou a dar aulas de pós-graduação e passou em primeiro lugar no doutorado da UFPR, com 60 concorrentes. Em 2008, o Brasil ratificou em tempo recorde o tratado da Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, das Nações Unidas. Fonseca foi um dos 7 representantes da delegação brasileira que ajudaram a redigi-lo.

Em 2009, quase 20 anos depois de ter perdido a oportunidade de tornar-se juiz, o TRT do Paraná enviou ao então presidente Lula uma lista tríplice para o cargo de desembargador. Fonseca foi o escolhido. Seria o primeiro desembargador cego do país.

Apesar de a lei defender os direitos de candidatos com deficiência, é comum serem barrados em concursos públicos ou em processos seletivos de empresas privadas. “Na Antiguidade, as pessoas eram mortas quando tinham deficiência. Na Idade Média, eram vistas como fruto de um pecado e havia a morte civil da pessoa. Até hoje perdura essa visão existencialista, de ver a pessoa com deficiência como alguém incapaz que precisa de ajuda”, resume.

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Mas, para Fonseca, ser cego é diferente de ser deficiente. Falta de visão, de audição ou de mobilidade são um atributo da pessoa, assim como são a cor da pele e o peso. Já deficiente a pessoa se torna apenas se a sociedade criar as barreiras que impeçam sua participação social.

Apesar de não faltarem barreiras, Fonseca, aos 52 anos, mantém o otimismo de quando tinha 31 (aliás, mantém também o gosto pela literatura e por cantar e tocar MBP e rock no violão). “Ter 300 mil pessoas com deficiência no mercado de trabalho brasileiro é um grande avanço.”
 

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“A pessoa só se torna deficiente se a sociedade criar as barreiras que impeçam sua participação social.”

Ricardo Tadeu da Fonseca

 

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