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Cristianismo – Pai, Filho e Espírito Santo

Os cristãos aceitam como verdade inquestionável o conceito de um Deus que é 3 entidades ao mesmo tempo. Para eles, a Santíssima Trindade simplesmente não precisa de explicação - trata-se de um mistério da fé

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 18 fev 2011, 22h00

Texto Michelle Veronese

Era um dia como outro qualquer nas margens do rio Jordão. Homens lançavam suas redes de pesca enquanto um profeta convocava o povo para um ritual de purificação chamado batismo. Para lavar a alma dos pecados, bastava mergulhar naquelas águas. Um estranho, recém-chegado à região, se aproximou e pediu para ser batizado. Assim foi feito. Logo em seguida, os presentes testemunharam algo inesquecível. O céu se abriu, uma pomba desceu sobre o homem e todos ouviram uma voz ecoar alto nas nuvens: “Este é o meu filho amado”. Seu nome era Jesus e era Deus quem falava do céu.

O batismo no rio Jordão é considerado o ponto inicial da vida pública de Jesus (ou Yeshua, como era chamado em aramaico), um judeu pobre e contestador que viveu na Palestina do século 1. A Bíblia conta que, durante 3 anos, ele percorreu as principais cidades daquela região, então dominada pelo Império Romano, pregando mensagens de fé, amor e igualdade entre os homens. Foi crucificado por isso, mas seus ensinamentos se espalharam pelo mundo e deram origem à maior religião monoteísta do planeta: o cristianismo. Foi por meio de Jesus que o Deus cristão se revelou ao mundo e mostrou sua face mais amorosa.

Misericordioso

O conceito cristão de Deus está intimamente ligado à figura de Jesus. Para entender o primeiro, é preciso seguir os passos do segundo. A vida de Yeshua é narrada nos evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João, que começaram a ser escritos cerca de 3 décadas após sua morte. Esses livros fazem parte do Novo Testamento da Bíblia e quase nada dizem sobre a infância de Cristo, mas revelam muitos detalhes sobre seu “ministério público” – período de 3 anos (dos 30 aos 33 de idade) em que ele pregou na Palestina antes de ser crucificado.

Em suas pregações, Jesus falava sobre Deus usando um tom afetuoso. Chamava-o de Pai, Senhor ou simplesmente Aba, palavra em hebraico que significa “papaizinho”. Várias vezes ele se dirigia diretamente ao Todo-Poderoso, como se estivesse desabafando, pedindo conselhos ou conversando. “Pai, Aba, todas as coisas Te são possíveis”, disse certa vez. Essa relação de proximidade foi vista com surpresa por seus discípulos. Afinal, naquela época, a lembrança do Deus guerreiro, temerário e castigador do Antigo Testamento ainda estava viva entre as comunidade judaicas.

“O Deus de Jesus Cristo era mais pessoal, íntimo e familiar”, explica Valmor da Silva, teólogo e professor de ciências da religião da Universidade Católica de Goiás. Dono de uma bondade infinita, está sempre disposto a perdoar suas criaturas. “Ele não pune, trata o pecador como um enfermo a ser curado”, completa o frei Luiz Carlos Susin, professor de teologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul. Trata-se de um Deus que acolhe a todos, afirma Susin, mas tem seus prediletos: “São os pobres e marginalizados, aqueles que estão na periferia da sociedade”.

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Mesmo assim, há muito em comum entre o Deus cristão e o Deus judaico. Afinal, ambas as tradições compartilham os livros do Antigo Testamento (chamado pelos judeus de Torá ou Bíblia Hebraica). A narrativa do Gênesis, por exemplo, conta que Ele criou o mundo em apenas 7 dias. Primeiro, fez a luz, a água e o firmamento. Em seguida, as estrelas, as florestas, os animais. Por último, criou o homem a Sua imagem e semelhança. Deus, no entanto, não foi criado. Ele sempre existiu e sempre existirá. É onipresente (está em toda parte) e onisciente (sabe tudo o que se passa). Não tem gênero, forma nem uma morada específica. Ou seja: é um ser espiritual.

Face humana

Após a morte e a ressurreição de Jesus, os apóstolos partiram pelo mundo para espalhar os ensinamentos de seu mestre. O cristianismo estava nascendo como uma religião organizada, mas os fiéis ainda tinham muitas dúvidas a respeito de Deus. A que mais rendeu discussões envolvia a natureza de Cristo e sua relação com o Todo-Poderoso. Alguns líderes cristãos defendiam que Jesus era simplesmente um filho do Criador e não tinha essência divina. Outros entendiam que ele era Deus e homem ao mesmo tempo. Para resolver o impasse, foi convocado o primeiro concílio ecumênico – reunião mundial – da história do cristianismo, na cidade de Nicéia (atual Turquia), em 325 d.C. Os debates foram intensos, com mútuas acusações de heresia, mas os participantes conseguiram chegar a um veredicto: Jesus tinha uma natureza divina e outra humana. Era, portanto, Pai e Filho ao mesmo tempo.

Decididos a encontrar bases para essa afirmação, os bispos cristãos recorreram à “biografia” de Cristo – os 4 evangelhos. Ali estariam as provas de que o Messias realmente era divino. De fato, esses livros citam vários mistérios e milagres envolvendo a figura de Jesus. Eles relatam, por exemplo, que sua mãe, Maria, era virgem e deu à luz depois de receber a visita do espírito de Deus. Registram também que, com apenas 12 anos, o menino já demonstrava um conhecimento impressionante e chegou a debater, de igual para igual, com os sábios do Templo de Jerusalém. Adulto, dizem as Escrituras, Jesus percorreu várias cidades da Palestina, realizando feitos espetaculares. Curou leprosos, fez exorcismos e chegou a ressuscitar um homem. Elas só não explicam como o Criador se tornou humano. “É um mistério”, afirma Valmor. “A ideia de um Deus que se faz homem, além de misteriosa, é também um fato único entre todas as religiões.”

Inexplicável

Cerca de 60 anos depois do Concílio de Nicéia, os líderes cristãos se reuniram de novo, dessa vez para responder à seguinte pergunta: qual é a natureza do Espírito Santo? Recorreram às Escrituras, e enxergaram sua presença nos mais importantes eventos narrados ali. No Livro do Gênesis, era a ruah (“vento”, em hebraico), uma brisa que soprava no abismo antes da Criação. No Novo Testamento, a pomba que se aproxima de Jesus quando ele é batizado no rio Jordão. Era ainda o fogo simbólico que desceu sobre os apóstolos, após a morte de Cristo, inspirando-os a falar em diversas línguas e espalhar o cristianismo pelo mundo. Restava saber se ele também era Deus.

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O Concílio de Constantinopla, em 381, pôs fim à questão: sim, a natureza do espírito era divina. Dali em diante, os fiéis passaram a ter 3 informações essenciais sobre Deus: ele era Pai, Filho e Espírito Santo. Com base nessa afirmação, foi formulado o dogma mais importante do cristianismo – a Santíssima Trindade. “O pai é Deus, o filho é Deus e o Espírito Santo é Deus. Um Deus único, ainda que formado por 3 pessoas.” Muitos outros concílios foram realizados depois para sistematizar a teologia cristã. Mas as principais dúvidas sobre o Criador já estavam esclarecidas.

Dois mil anos depois do batismo nas margens do Jordão, os cristãos têm consciência de que é um desafio descrever o Todo-Poderoso. A ideia de um Deus que é 3 entidades ao mesmo tempo desafia a lógica. Mas é aceita como verdade inquestionável pelos fiéis. Para eles, a Santíssima Trindade não precisa de explicação, é simplesmente um mistério da fé. “Deus não pode ser definido, mas pode ser descrito, narrado, tornado objeto de hinos e poesia”, diz o teólogo Paulo Nogueira, professor da Universidade Metodista de São Paulo. O caminho para alcançá-Lo, segundo o teólogo, é o amor. “Amor que se traduza em misericórdia, solidariedade, dedicação às pessoas mais humildes.” Para Nogueira, essa talvez seja a mensagem mais importante enviada pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo à humanidade.

 

Sinal-da-Cruz
Ele é o reconhecimento do sacrifício, da crucificação e da ressurreição de Cristo

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Quando rezam ou vão à igreja, muitos cristãos fazem o chamado sinal-da-cruz, desenhando-a com a mão direita no ar ou sobre o corpo. Esse é um ritual quase tão antigo quanto a própria fé em Jesus Cristo, repetido pelos fiéis quase que automaticamente. Mas nem todos sabem qual é o seu real significado. O sinal é um reconhecimento do sacrifício de Jesus, da crucificação e da ressurreição. Também indica a aceitação incondicional de um Deus que é 1 e 3 ao mesmo tempo. Por isso, o sinal-da-cruz é sempre executado em nome de todos os integrantes da Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo.

 

O paraíso cristão
É lá que os fiéis passarão a eternidade – mas só se escaparem do inferno

O cristianismo prega que Jesus Cristo livrou os seres humanos de seus pecados e redimiu toda a humanidade quando morreu crucificado. A partir daquele dia, a salvação estava garantida para todos aqueles que nele acreditassem e que seguissem seus ensinamentos. O Novo Testamento revela que, um dia (não se sabe exatamente quando), Deus dará fim a este mundo. Os mortos irão ressuscitar e todos serão julgados. Aqueles que forem absolvidos no julgamento irão para o céu, para viver ao lado de Deus, dos anjos e dos santos. Os pecadores, por outro lado, serão mandados para o inferno e sofrerão por toda a eternidade.

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Para saber mais

• Uma História de Deus
Karen Armstrong, Companhia das Letras, 2008.

 

 

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