Duguay-Trouin: o corsário que sequestrou o Rio de Janeiro
Em 1711, o francês René Duguay-Trouin fez a capital do Brasil de refém. Literalmente. E os portugueses pagaram o resgate.
Dia 21 de setembro de 1711. Uma expedição francesa comandada pelo corsário René Duguay-Trouin toma o Rio de Janeiro depois de nove dias de sítio à cidade. O navegante impõe condições para sair de lá: receber o equivalente a 2 milhões de libras francesas. As negociações duram semanas. Os governantes portugueses regateiam. Não dispunham de toda aquela imensa quantia à mão.
Duguay-Trouin ameaça queimar a vila inteira, então com 12 mil habitantes. Por fim, em 28 de outubro, os portugueses cedem, embora não paguem tudo que os sequestradores haviam pedido. Mas, quando duas semanas depois, eles partem para a França, o total apurado – produto em sua maior parte do saque da cidade – constituía uma fortuna: 600 quilos de ouro, 610 mil cruzados, cem caixas de açúcar, 200 bois, escravos e dezenas de outros itens. A expedição, em parte financiada com dinheiro oficial francês, havia rendido quase 100% de lucro. Assim terminou o sequestro do Rio.
Não pense que Duguay-Trouin era um pirata. Era um corsário, o que é diferente. Quer dizer: saqueava como um pirata, mas com todo o apoio de um monarca. O rei Luís XIV lhe concedeu uma carta de corso, documento que lhe dava a atribuição de roubar os navios inimigos. A Europa vivia uma de suas periódicas guerras dinásticas, verdadeiros conflitos mundiais que envolviam combates em todos os mares onde houvesse presença européia. Portugal era aliado da Inglaterra, portanto inimigo da França. O Brasil, colônia portuguesa, se tornou, por decorrência, alvo da cobiça de corsários franceses.
Duguay-Trouin era um verdadeiro expert do saque quando chegou às portas do Rio, em setembro de 1711. Até 1709, já tinha capturado mais de 300 navios mercantes e vinte de guerra. A sua frota de dezessete barcos zarpou rumo ao Brasil em junho, fez escala no arquipélago de Cabo Verde e prosseguiu viagem o mais rápido possível – o que naquela época significava uns 10 ou 15 nós (18,5 ou 27,7 quilômetros por hora). O navio Le Lys, comandado pessoalmente por Duguay-Trouin, teve mais de cem vítimas de escorbuto.
Curiosamente, um barco britânico conseguiu fazer a travessia do Atlântico com mais rapidez e chegou a tempo de avisar os portugueses no Rio. Quando a frota passa por Cabo Frio é avistada e o Rio recebe novo aviso. Os portugueses deveriam estar prontos para o ataque. Mas não estavam. Em uma campanha fulminante, Duguay-Trouin consegue entrar na Baía de Guanabara e sequestrar a cidade. Inteira.
A chave para tomar o Rio era evitar o fogo das fortalezas cariocas, desembarcar tropas e avançar rápido. Em setembro de 1710, um ano antes, o corsário francês Jean-François Duclerc tentara isso. Seus cinco navios foram impedidos de entrar na Baía de Guanabara pelos fortes. Duclerc desembarcou sua pequena tropa longe e fez uma marcha extenuante até o Rio. Cansados e sem o apoio da artilharia naval, os corsários foram fustigados pelos cariocas e se renderam. Mas o ataque revelou uma quantidade impressionante de inépcia entre os defensores. Foi a população, e não a tropa regular, quem atuou.
Fortes são feitos de pedra e não pegam fogo se atacados com balas esféricas de ferro, disparadas de canhões com alcance máximo de 2 quilos. Já navios de madeira, com velas de lona, e carregando pólvora, são muito inflamáveis. E o defensor pode lançar mão de uma arma poderosa: as balas podem ser aquecidas em fornalhas e disparadas ainda incandescentes. O maior inimigo do atacante é o fogo, por isso a frota deve evitar ficar trocando tiros com os fortes. Se escapam ao fogo, os navios a vela são extremamente resistentes às balas de ferro maciço. Segundo John Keegan, especialista em história militar da época, as batalhas navais eram decididas mais pela morte dos marinheiros, em uma carnificina concentrada, do que pelo afundamento de navios.
Os preparativos para receber os franceses, no entanto, foram feitos sem urgência. As fortalezas do Rio estavam quase desguarnecidas quando a frota entrou rapidamente no dia 12 de setembro. Os soldados e marinheiros estavam cavando trincheiras. Para completar, graças a uma providencial ventania, os navios de Duguay-Trouin passaram sem dar tempo de os canhões dos fortes praticarem pontaria neles.
Os franceses tomam a cidade depois de intensos bombardeios. Libertam prisioneiros da expedição Duclerc (menos o próprio, que tinha sido assassinado) e quase cem judeus presos pela Inquisição (dois foram para a França, com os corsários). O governador, o bispo, o almirante, todos os notáveis fugiram mais cedo. A população pobre foi quem mais sofreu. Um temporal tornou a fuga pela noite um pesadelo. Pessoas eram pisoteadas, morriam afogadas na lama, mães perdiam seus filhos, ao mesmo tempo que os canhões e trovões tornavam difícil ouvir os gritos.
Duguay-Trouin, o corsário sequestrador, disse que a expedição rendeu 92% de lucro aos acionistas. Entre outros valores, os invasores levaram à França 602 quilos de ouro. E foi pouco, porque aí tiveram certo azar: a maior parte do metal ainda não tinha vindo das minas para o Rio de Janeiro, de onde seria mandado a Portugal. Segundo o historiador Virgílio Noya Pinto — que estudou a influência do ouro brasileiro na expansão do capitalismo inglês — nessa época, a média enviada a Portugal nas frotas que saíam do Brasil era de 5 a 8 toneladas anuais, ou seja, cerca de dez vezes mais do que os franceses levaram.
Mesmo assim, a venda total do butim passou de 20 milhões de libras. Para se ter uma ideia do que isso significava, o salário mensal de um marinheiro francês variava de 10 a 18 libras, segundo Jean Merrian, historiador especializado na arte naval do século XVIII. Um capitão da Marinha ganhava 300 libras por mês.
Para juntar o capital necessário à expedição foi criada uma empresa comercial, cujos acionistas eram tanto a “iniciativa privada” — principalmente tradicionais armadores de navios corsários de Saint-Malo, a cidade de Duguay-Trouin — quanto o governo. A Marinha Real da França emprestou navios e homens. Um dos filhos de Luís XIV, o almirante de França, Conde de Toulouse, era um dos acionistas. O butim foi repartido entre capital e trabalho — cada um dos 6 000 homens da expedição — de acordo com um sistema de “partes”. Um capitão recebia pelo menos doze partes; um tenente recebia seis ou nove partes; um soldado ou artilheiro recebia uma ou meia parte; e um marinheiro levava de uma a duas partes.
A cronologia
12/9, 9h30 Franceses avistam as ilhas na entrada da baía da Guanabara. A manhã é gasta em preparativos para o ataque.
12/9, 13h00 A frota iça mais velas e transpõe a barra, com a nau Le Magnanime à frente, pois seu capitão já tinha vindo ao Rio antes. Duguay-Trouin está na Le Lys, a quarta a entrar.
12/9, 14h30 Todos já passaram a barra. Explode o forte de Villegaignon. Portugueses encalham suas quatro naus.
12/9, 16h00 A frota está fundeada fora do alcance de artilharia. A entrada custou oitenta mortos, 220 feridos.
13/9 Ao nascer do sol, o francês Le Goyon, com 500 homens, toma a Ilha das Cobras. Duguay-Trouin visita a ilha e manda armá-la com canhões e morteiros para bombardear a cidade.
14/9 Franceses desembarcam tropas na região do Saco do Alferes e Praia Formosa, sem resistência.
15/9 Escaramuças e mais canhões são desembarcados para bombardear a cidade.
16/9 Franceses montam bateria de dez canhões no Morro do Pina, hoje Morro da Saúde. Até o dia 20, o bombardeio e as escaramuças continuam. A população começa a fugir do Rio.
21/9 Duguay-Trouin ordena ataque. Prisioneiro francês escapa e avisa que portugueses já tinham abandonado a cidade. À tarde, a cidade já estava tomada. No dia seguinte, o comandante português da Fortaleza de Santa Cruz se rende. De 23/9 a 9/10, escaramuças e negociações. Cidade é saqueada. Em 28/10 o governador, sob ameaça de ataque a suas tropas, decide pagar o resgate. Franceses deixam o Rio em 13/11, às 16h00.