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E Se… Jesus não tivesse nascido

Aquilo que conhecemos como "cultura ocidental" correria um sério de risco de não existir, com consequências trágicas para a liberdade de expressão.

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 dez 2019, 16h14 - Publicado em 26 dez 2019, 19h16
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“Alô, alô meu Ganesha, aquele abraço!” (dislentev / donnaphat trakulwaranont 500px / Getty Images/Montagem sobre reprodução)

Jesus, em sua época, não foi o único a ser chamado de Messias. Entre os judeus, o Messias era o líder profetizado que os libertaria da dominação estrangeira, dando início a uma nova era. Mas Jesus foi o único que transformou esse conceito do judaísmo em uma ideia de libertação espiritual, mais complexa.

Após a crucificação, seus discípulos passaram a pregar ativamente para não judeus, com um sucesso ímpar. Sem Jesus, obviamente, não existiria cristianismo, nem nada parecido. E sem cristianismo a Europa acabaria dividida em vários segmentos religiosos.

O Império Romano daria origem a dois deles. Os descendentes da parte ocidental do Império, a que tinha sede em Roma, são os países latinos, que foram conquistados por germânicos, mas mantiveram sua identidade na forma da língua. O português, o espanhol, o francês e o italiano nasceram de dialetos do latim puro.

Nesse pedaço do império, ali pelo século 2, havia uma religião em ascensão, que substituía o culto ao panteão greco-romano. O nome dela era mitraísmo – uma versão bastardizada do zoroastrismo, que celebrava o deus persa Mitra e o deus romano Sol (a personificação do Sol) como uma única figura. 25 de dezembro era o dia de Sol Invictus, uma comemoração do solstício de inverno no Hemisfério Norte.

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O solstício é a noite mais longa do ano. Dali em diante os dias ficam mais compridos. É o Sol vencendo a escuridão de novo. A data era comemorada com banquetes pelos mitraístas. Não só por eles: todas as culturas do Hemisfério Norte têm alguma celebração de solstício de inverno.

Bom, o mitraísmo não era popular na parte oriental do Império, aquela com sede em Constantinopla (atual Istambul) e a que sobreviveu à queda de Roma com o nome de Império Bizantino.

Essa foi a parte que mais se cristianizou, ainda que o cristianismo continuasse a ser bem minoritário quando o imperador Constantino 1o se converteu, no século 4, levando a uma explosão de conversões nas décadas seguintes. Sem cristianismo, os deuses do Olimpo perdurariam nas regiões onde hoje prevalece a Igreja Ortodoxa, filha dos bizantinos.

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As outras civilizações europeias seriam os germânicos que não se latinizaram, no centro e norte da Europa, os celtas, que se mantiveram nas ilhas britânicas e na Bretanha francesa, e os eslavos, a leste e sul, só para ficar nos maiores. Essas civilizações todas trocariam suas figurinhas, como foi no cristianismo. Mas a situação seria mais instável e hostil, e essas trocas, sem uma língua franca e o estudo institucional estabelecidos pela Igreja, seriam mais modestas.

No fim, dessas partes todas, a única realmente “ocidental”, capaz de preservar o conhecimento da Antiguidade, seria o oriental Império Bizantino.

Quanto ao resto do mundo, a influência maior de todas seria uma ausência: o Islã. Maomé fundou uma terceira religião abraâmica porque acreditava que tanto o judaísmo como o cristianismo teriam sido “corrompidos” em sua mensagem original. O Islã, então, surgiu no século 7 como uma espécie de amálgama, juntando a lei mais estrita do judaísmo com o poder de arrebanhar fiéis do cristianismo. Imbuídos de uma nova fé, os islâmicos rapidamente conquistaram territórios a leste e oeste, acabando com o Império Persa, chegando até a Península Ibérica em um século, e enfraquecendo imensamente o Império Bizantino. Sem Islã nem cristianismo, não haveria Cruzadas. Sem Cruzadas, não haveria o gosto adquirido por especiarias pelos cavaleiros que voltaram para casa, iniciando o comércio muito lucrativo que moveria a história. E o Império Bizantino teria sobrevivido.

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Na vida real, a queda de Constantinopla, em 1453, levou ao domínio monopolista otomano das rotas de especiarias, e os otomanos, que eram islâmicos, jogaram os preços nas alturas, motivando espanhóis e portugueses a buscar outras rotas. Sem Islã e sem queda de Constantinopla, não haveria motivo para as grandes navegações. Alguém chegaria à América uma hora, mas os europeus não são os mais prováveis candidatos.

Os escandinavos de fato descobriram a América por volta do ano 1000, mas foram expelidos facilmente pelos nativos. Com a Europa fora da corrida, a Pérsia, a Índia ou a China colonizariam a América. Talvez o Brasil abraçasse o hinduísmo – e o Natal daqui seria o Pancha Ganpati, um feriado do hinduísmo dedicado a Ganesha, o deus-elefante, e ao solstício de inverno.

Ainda seria má notícia para as populações nativas, mesmo sem o ímpeto da conversão: os asiáticos gostavam de ouro tanto quanto os europeus.  

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Em resumo, sem o cristianismo a Europa quase certamente não atingiria a dominância que atingiu. Deixados em paz, os iranianos – nome como os persas chamavam a si próprios – seriam outra civilização potente, assim como a Índia, que também enfrentou muitas guerras e conquistas dos islâmicos.

Os iranianos, inclusive, haviam preservado bastante do conhecimento dos gregos, o que permitiu a Era de Ouro do Islã quando foram conquistados. Mas não há garantia nenhuma que isso levasse a um Iluminismo ou a uma Revolução Industrial asiática ou bizantina. Eram todas civilizações avançadas, mas nenhuma desenvolveu espontaneamente a ascensão da burguesia industrial contra a nobreza proprietária de terras – e foi isso que moveu uma mudança radical, tanto na produção como no pensamento, sempre sob influência europeia.

Assim, não teríamos a liberdade econômica e de pensamento que temos hoje, garantida por instituições democráticas. Sem Jesus, então, não haveria Especial de Natal do Porta dos Fundos. A Netflix desse mundo hipotético não permitiria tamanha heresia contra Ganesha. S

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