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Em defesa dos feios e horrorosos

Feio, solteiro e argentino, o escritor Gonzalo Otálora afirma que a minoria mais sofrida e discriminada são as pessoas desprovidas de beleza

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h21 - Publicado em 31 mar 2008, 22h00

Eduardo Szklarz

Quatro olhos, narigão, morcego, barriga, susto ambulante… feio. Feio! Feio! Era isso que o jornalista argentino Gonzalo Otálora mais escutava na infância. Alvo preferido das gozações na escola, rejeitado pelas gatinhas na adolescência e eliminado nas entrevistas de emprego, ele sentiu na cara o quanto a falta de estética pode triturar a auto-estima. “Nasci na ponta de estoque da sociedade. O aparelho de dentes, os óculos fundo de garrafa e as espinhas assustadoras cumpriam os requisitos básicos para que eu fosse considerado um desperdício, em uma vida real onde a fábula do cisne é apenas uma metáfora para crianças”, diz. Hoje, aos 31 anos, Gonzalo virou o porta-voz dos feios com a autobiografia ¡Feo!, na qual relata com humor as agruras que sofreu por causa do aspecto físico. Segundo ele, é muito mais fácil para os bonitos arranjar emprego, conseguir amigos e, principalmente, conquistar a simpatia da sogra. Mais polêmica ainda é a sua proposta de criar um imposto sobre a beleza – uma espécie de lei Robin Hood da feiúra. Num café de Buenos Aires, sem gente bonita por perto, Gonzalo contou à Super o que ele passou na infância, que lei é essa e como fez para dar a volta por cima.

Quer dizer que nos enganaram com a história da beleza interior?

A beleza interior é uma mentira. Uma das tantas frases-consolo que inventaram para que acreditássemos que a feiúra física era compensada de alguma forma. É uma falácia, pois internamente toda pessoa é feia e bonita ao mesmo tempo. Tem tanto um lado deplorável como virtudes. Dizer que você tem uma beleza interior incrível é dizer que seu exterior é espantoso.

Uma pessoa nasce feia ou se torna?

No meu caso, a feiúra nasceu no primário, quando meus colegas me zoavam. Antes deles, eu não me sentia diferente nem estranho, só uma pessoa com óculos fundo de garrafa – que nem todos usavam, mas que me permitiam ver melhor. No primário, com todos me gozando, percebi que meu aspecto era desonroso e o drama começou: “Puxa, por que nasci diferente? Por que essa diferença se transforma em algo pejorativo?” Comecei, então, uma luta interna, do tipo “sou diferente, sou uma merda, quero mudar, quero mudar”. Minha vida era um calvário. Tudo estava sujeito ao meu aspecto e eu vivia numa insegurança constante. Cada atividade que o feio realiza é a partir do lugar do perdedor.

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Você diz que vivemos numa ditadura da estética. Essa busca da beleza deixa as pessoas tristes?

Sim, é uma busca de tristeza contínua. Quando você tenta mudar a aparência, está dizendo a si mesmo que não serve para nada. Está se flagelando, buscando algo que será impossível de alcançar. Porque, afinal, a cada dia ficamos mais feios: vão aparecendo rugas, calvície, o corpo vai mudando, então você acaba sofrendo ainda mais.

Programas de computador que retocam as fotos, como o Photoshop, ajudam ou prejudicam os feios?

O Photoshop é uma tragédia. Aconteceu comigo e muitos outros: você conquista uma pessoa na internet mostrando uma figura que não corresponde ao que é. Ela fica cheia de expectativa e, quando se encontram, seu aspecto natural acaba sendo uma desgraça para ela. Na capa das revistas, colocam mulheres que parecem um estandarte de beleza e tiram a celulite delas. Não! Deixem a celulite lá!

Por outro lado, os muito bonitos também não sofrem? Veja o estigma da loura burra, por exemplo.

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Essa é uma diferença que nós, feios, inventamos para nos proteger. O feio é inteligente, o lindo é burro: é uma vingança. Mesmo assim, acho que os bonitos não precisam se dedicar ao estudo tanto quanto os feios. Não falo de inteligência, e sim de cultura. Os bonitos conseguem as coisas de forma relativamente fácil. Você quer trabalho? Ok, entre!

A família também sofre com o filho feio?

Se você tem um feio na família, prepare-se para os gastos. Eu tinha uma infinidade de problemas de saúde, todos fruto das descargas emocionais. Espinhas, sarnas, erupções na pele, fungos nos pés, herpes – porque não existe feio sem herpes.

A feiúra prejudicou você no trabalho?

Quando era mais novo, eu comparecia a todas as firmas que anunciavam emprego para boy, vendedor, qualquer cargo. E os que faziam a entrevista me eliminavam dizendo que não tinha o perfil que a empresa buscava. Eu esperava que me dissessem a verdade: “Veja, seus óculos e suas espinhas não são uma boa imagem para nós”. Isso nunca aconteceu, porque ninguém o menospreza na cara, mas depois de anos sentindo a pressão estética você sabe interpretar a linguagem corporal: eles baixavam as sobrancelhas em sinal de surpresa, franziam os lábios e me cumprimentavam com desprezo. Nem dava tempo para que eu mostrasse minha aptidão. Aos 5 minutos, já se despediam dizendo “qualquer coisa, te chamamos”.

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Algumas teorias dizem que os feios buscam outra identidade: o engraçado, o inteligente. De certo modo, a feiúra não os ajuda profissionalmente?

Eu certamente precisei construir a minha personalidade. Se não fosse feio, talvez não seria um cara divertido. Os grandes cientistas do mundo não são pessoas atrativas. Como não podiam transar com muitas mulheres, devem ter se dedicado mais a estudar. Se eu seguisse esse caminho, com certeza teria sido um Prêmio Nobel de Física. Porém, em vez de estudar, me dediquei a conquistar as moças. Essa era a minha grande preocupação. Até que finalmente descobri o segredo de conquistar uma menina sendo feio.

Qual era o segredo?

Em vez de pensar como um perdedor, eu pensava como um sedutor. Chegava com uma carga de testosterona infernal para ir para a cama com as mulheres – e algumas topavam. Elas eram verdadeiros sensores de testosterona que faziam tic, tic, tic, e eu sacava isso. Quando consegui encontrar esse segredo, me transformei num dom-juan.

Um dom-juan feio!

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Sim. Tinha 23 anos na época e acabara de terminar um namoro. Eu encarava todas as meninas da boate e fazia sucesso com aquelas que tinham certa vontade de fazer sexo. Ficou fácil para mim conquistá-las e ir para a cama com elas. Depois já não queria saber de mais nada. O que eu buscava era uma revanche. Uma vingança por minha condição vituperada, pois durante anos as mulheres tinham me deixado plantado esperando em todas as esquinas de Buenos Aires. No entanto, em vez de ser uma solução, essa fase de dom-juan terminou sendo angustiante. E eu continuava inseguro no trabalho. Até que, ao escrever o livro, percebi que essa insegurança vinha da infância e se reproduzia na minha vida de forma inconsciente.

Seu livro não faz dos feios vítimas demais? Você diz que os feios têm menos sucesso profissional, mas é bem-sucedido, não?

O livro não é a história do patinho feio. O patinho feio é um ser que se sente discriminado e que, ao se olhar num lago, percebe que é diferente – e isso supostamente o torna lindo. Essa metáfora só serve para as crianças, porque na verdade somos todos diferentes. Quando tentei me transformar em patinho bonito, não deu certo. Ao me reconstruir internamente, eu pude seguir adiante. O livro mostra isso: você pode ter um trauma na infância, mas ele não é um obstáculo a que seja feliz.

Essa é a receita para os feios parar de sofrer?

Sim. As pessoas que se sentem feias podem superar o problema. Não precisam apagar o trauma, apenas deixá-lo como recordação e utilizá-lo como experiência para seguir em frente. Elas podem entender que o que aconteceu na infância foi uma série de desacertos tanto dos pais como dos professores e dos meninos – que não faziam as brincadeiras por maldade. É coisa de meninos. Além disso, se tenho uma personalidade forte, posso fazer da minha feiúra uma fortaleza para poder enfrentar a realidade. No meu caso, consegui, com humor, enfrentar o preconceito e tornar a feiúra um acerto, uma virtude.

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Até que ponto é séria a sua proposta de criar um imposto para beneficiar os feios?

Bom, na verdade a idéia era chamar a atenção, utilizar o humor para falar de coisas sérias. Por exemplo, o desfile de moda. Acho degradante expor um setor minoritário da população como símbolo da beleza. O argumento que os estilistas usam é pusilânime: dizem que a roupa precisa estar num corpo esbelto para que possa ser vista melhor, o que significa que ela vai ficar horrível em mim. Façamos desfiles com todos os tamanhos, para todo mundo. Também me reuni com o Ministério da Educação. Em princípio, vou dar conferências a professores contando o que me aconteceu quando era aluno e qual deveria ser o papel deles. Não em tom de repreensão, apenas contar a experiência por que passei.

Como o governo definiria quem é feio ou bonito?

No livro eu coloquei a foto de quando era adolescente (essa aí acima). Ela seria o parâmetro. As pessoas a comparariam com a foto dos documentos. Quem for mais feio, ok. Quem não for, paga.

Pesquisas comprovam: os feios ganham menos

“Para nós, feios, tudo é duas vezes mais difícil. E ainda ganhamos a metade do que ganham os bonitos”, diz Gonzalo. Você pode achar que nosso amigo está exagerando – e tomara que esteja mesmo. Porém, muitos estudos indicam que realmente existe uma relação entre a beleza e o sucesso econômico.

O maior deles foi realizado nos anos 90 pelo economista Daniel Hamermesh, da Universidade do Texas, a partir de 3 censos sobre emprego nos EUA e no Canadá. Em todos os 3, os entrevistadores visitavam as pessoas em casa e tinham que categorizá-las de acordo com a aparência – de lindos a feiosos. Surpresa: os feios recebiam menores salários do que a média, enquanto os bonitos ganhavam mais. Com todas as outras variáveis mantidas constantes (idade, experiência etc.), o “castigo da feiúra” para os homens foi de -9%, ao passo que o “prêmio pela beleza” foi de +5%. As mulheres feias foram castigadas com -6% no salário e as bonitas agraciadas com +4%. O pesquisador mediu a discrepância em outros países e descobriu que, na China, as feias ganham 31% menos.

Hamermesh acompanhou também advogados formados nos anos 70, membros da Associação Americana de Economia e os executivos de empresas de publicidade da Holanda. Os bonitos sempre ganhavam mais. Mas por que existe a diferença? Segundo o pesquisador, porque muitos chefes preferem trabalhar com uma equipe bonita. Outra é que a beleza dos executivos aumenta as vendas da empresa – já que os clientes também discriminam os feios.

Gonzalo Otálora

• É jornalista e produtor de TV. Escreve para a revista masculina Hombre e produz o programa El Patito Feo, sucesso na TV argentina.

• Em 2007, saiu de megafone em frente à Casa Rosada para fazer campanha para o imposto de beleza.

• Sua autobiografia ¡Feo! já vai para a 3ª edição e deve ser lançada no Brasil em breve. Uma prévia pode ser vista em https://www.feosexual.com.

• Adora bailar salsa e torce para o Boca Juniors. E atenção, mulheres: ele está sem namorada.

Imagem: Getty

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