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Guerras Santas

O Velho Testamento cita dezenas de batalhas porque conta a história da conquista de Canaã, a terra que Deus prometeu aos israelitas

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h16 - Publicado em 11 fev 2013, 22h00

Eduardo Szklarz

“Todos esses reis juntaram-se e vieram acampar juntos, perto das água de Merom, para combater Israel. O Senhor disse a Josué: Não os temas, porque amanhã, a esta mesma hora, eu os lançarei, ofegantes, diante de Israel. Cortarás os jarretes dos seus cavalos e queimarás os seus carros. Josué atacou-os repentinamente, com todos os seus guerreiros (…). O Senhor entregou-os nas mãos de Israel, que os bateu e os perseguiu até Sidon, até as águas de Meserefot e até o vale de Masfa, para o oriente. E feriu-os até que não ficou um só.”

O parágrafo que você acaba de ler poderia muito bem ter saído do roteiro de um filme de guerra. Mas não: foi extraído de um dos livros da Bíblia (Josué, capítulo 11, versículos 5 a 9). Ao contrário do que muita gente imagina, os textos considerados sagrados por judeus e cristãos não narram apenas histórias de amor e compaixão ou os ensinamentos de Jesus Cristo. Eles estão repletos de batalhas e massacres hediondos. É assim, principalmente, no Velho Testamento, também conhecido como Escrituras Hebraicas. E por um motivo simples: essa primeira parte da Bíblia, que corresponde à Torá dos judeus, conta a saga desse povo na conquista de Canaã – a terra que lhes fora prometida por Deus.

De acordo com os relatos bíblicos, os israelitas tiveram de abrir caminho à força porque o lugar já estava ocupado por cananeus, filisteus e jebuseus, entre outros povos. Sem contar as tribos nômades, como a dos midianitas, e as potências militares que, ao longo de séculos, foram marchando sobre Canaã e anexando-a aos seus domínios, como os impérios Assírio, Babilônio, Selêucida e Romano. A cada confronto, rios de sangue eram derramados. E tudo isso está registrado nas páginas do Velho Testamento.

A localização estratégica explica porque tantos povos aparecem na Bíblia disputando Canaã. Aquela faixa estreita entre o mar Mediterrâneo e o rio Jordão, que hoje corresponde a Israel, sempre funcionou como ponte natural entre a Europa, a África e a Ásia. “É uma região indispensável para o fluxo do comércio em tempo de paz e o movimento de exércitos em tempo de guerra”, escrevem os israelenses Chaim Herzog e Mordechai Gichon, especialistas em história militar, no livro Batalhas da Bíblia.

Quando avançaram sobre a Terra Prometida, possivelmente no século 15 a.C., os israelitas estavam dispostos a aniquilar qualquer um que se colocasse em seu caminho. Não tinham armas sofisticadas nem experiência de combate. Em compensação, sentiam-se altamente motivados pela fé. Estavam convencidos de que tinham direito àquela terra por decreto divino. E revelaram plena obediência a seus líderes – especialmente Javé, Abraão e Moisés, personagens centrais dessa história.

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Para entender as carnificinas descritas no Velho Testamento, é preciso lembrar que os israelitas ocuparam Canaã seguindo o chamado de Javé, um Deus nacional. “A primeira característica de qualquer deus nacional é ser guerreiro e protetor”, diz Jacyntho Lins Brandão, professor de Língua e Literatura Grega da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Sua meta é vencer os deuses primitivos.”

Javé era guerreiro por excelência: nada menos que 262 versículos bíblicos se referem a Ele como “Senhor dos Exércitos”. Bom exemplo de seu caráter belicoso é o livro de Samuel. Diz uma de suas passagens: “O Senhor te havia dado uma ordem, e te havia dito que votasses ao interdito esses pecadores, os amalequitas(1), combatendo-os até o completo extermínio” (1 Samuel 15:18).

Uma leitura atenta do Velho Testamento em hebraico, contudo, revela que o “Deus único” dos israelitas guardava vestígios de politeísmo na época em que o texto foi compilado. Algumas passagens se referem a Javé (YHWH); outras, a Adonai (“Nosso Senhor”), El (Deus) ou Elohim (“Deuses”). Muitas traduções substituem todos esses termos por “Senhor”, o que induz o leitor a pensar que se trata de um deus só. Se um extraterrestre lesse a Bíblia, no entanto, concluiria – com razão – que ela fala de várias divindades da Antiguidade.

Foi com o profeta abraão que Javé decidiu fazer um pacto. “Quero fazer aliança contigo e multiplicarei ao infinito a tua descendência”, teria dito o Senhor (Gênesis 17:2). Convencido da existência de um único Deus desde muito cedo, Abraão seria guiado por Ele numa incrível viagem entre a Mesopotâmia e Canaã. Criaria raízes na Terra Prometida. E se transformaria no patriarca dos judeus.

Alguns estudiosos dos textos bíblicos garantem que o profeta, além de líder espiritual, também foi um exímio chefe militar. Um dos episódios que alimentam essa especulação está descrito no capítulo 14 do Gênesis, quando Abraão reúne 318 servos para combater o exército invasor de Quedorlaomer, rei de Elão (atual Irã). Apesar da inferioridade numérica, o profeta vence. Como? Com a ajuda de Deus, é lógico – mas também com uma boa estratégia de ataque (leia mais no mapa das págs. 12 e 13).

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Cerca de 600 anos depois, outro profeta se dividiria nos papéis de guia espiritual e senhor da guerra: Moisés. Foi ele, segundo a tradição judaica, quem liderou os hebreus numa fuga em massa do Egito, após um longo período de escravidão. O episódio, que ficaria gravado na história dos israelitas como “O Êxodo”, na verdade foi uma grande campanha militar. Entre uma e outra conversa com o Criador, Moisés formava milícias e criava o embrião do exército que, um pouco mais tarde, derrotaria amalequitas, amonitas, midianitas e vários outros povos estabelecidos em Canaã (leia mais no mapa à esquerda).

 

A saga de Abraão
Ele fez um pacto com Deus e conduziu seu povo numa incrível jornada da Mesopotâmia até a Terra Prometida

GÊNESIS 12:1-3

O Senhor disse a Abraão(2): Deixa tua terra, tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que eu te mostrar. Farei de ti uma grande nação; eu te abençoarei e exaltarei o teu nome, e tu serás uma fonte de bênçãos. Abençoarei aqueles que te abençoarem, e amaldiçoarei aqueles que te amaldiçoarem (…).

GÊNESIS 17:1-2

Abraão(2) tinha 99 anos. O Senhor apareceu-lhe e disse-lhe: Eu sou o Deus Todo-Poderoso. Anda em minha presença e sê íntegro; quero fazer aliança contigo e multiplicarei ao infinito a tua descendência.

GUERREIROS SEMINÔMADES

Tabletes de argila do século 14 a.C. citam um povo guerreiro e seminômade que perambulava entre o Egito e Canaã: os habirus. Para alguns pesquisadores, trata-se, na verdade, de uma referência aos hebreus liderados por Abraão.

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BOLA DE FOGO
Em 2008, pesquisadores britânicos conseguiram decifraram a escrita cuneiforme de um disco de argila provavelmente gravado por um astrônomo sumério no início do século 7 a.C. O artefato arqueológico registra eventos ocorridos na Suméria a partir de 3123 a.C. entre eles, uma ¿bola de fogo¿ caída do céu. Tudo leva a crer que isso seja uma referência à queda de um asteroide no Oriente Médio. Seu impacto teria provocado a chuva de fogo e enxofre sobre Sodoma e Gomorra descrita na Bíblia.

GÊNESIS 11:31-32
Taré tomou seu filho Abraão(2), seu neto Lot, filho de Arão, e Sara(3), sua nora, mulher de Abraão(3), seu filho, e partiu com eles de Ur da Caldeia, indo para a terra de Canaã. Chegados a Harã, estabeleceram-se ali.”

1. 2100 a.C.*
Abraão e sua família deixam a Mesopotâmia, onde viviam, em direção a Harã (Turquia). O motivo da viagem é um mistério. Sabe-se que o patriarca dos israelitas questionava a idolatria dos mesopotâmicos a várias divindades. Ele acreditava na existência de um único Deus.

2. 2095 a.C.
Segundo o Velho Testamento, Abraão já vivia em Harã quando recebeu uma promessa divina: se deixasse aquela terra, Deus faria dele o líder de uma grande nação. Guiado pela voz que só ele ouvia, Abraão segue para Canaã ¿ na época, ocupada pelos cananeus.

3. 2090 A.C.
Abraão e seus seguidores batem em retirada para o Egito, fugindo da fome que assolava Canaã.

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4. 2085 a.C.
Expulsos do Egito, eles voltam para Canaã e se estabelecem em Betel ¿ onde passam, segundo a Bíblia, a viver na riqueza, com muito ouro, prata e gado. Mas logo começam as desavenças entre Abraão e Ló, seu sobrinho, que decide ir viver em Gomorra.

5. 2084 a.C.
Canaã vira palco de uma guerra entre duas coalizões canaanitas. Uma delas era liderada por Quedorlaomer, rei de Elão; a outra, por Bera, governante de Sodoma, e Birsa, líder de Gomorra. No tumulto, Ló é feito prisioneiro. Abraão arma 318 homens, parte para cima dos inimigos e, apesar da inferioridade numérica, consegue resgatar seu sobrinho.

6. 2067 a.C.
O Criador avisa a Abraão que vai destruir Sodoma e Gomorra, cidades que viviam em pecado, e lança uma chuva de fogo e enxofre sobre elas. Todos os habitantes são mortos.

7. 2066 a.C.
Diz a Bíblia que Sara, esposa de Abraão, era estéril. Mas um milagre permite que ela dê à luz Isaac. Com seu nascimento, nasce também a primeira geração de israelitas.

8. 1991 a.C.
Abraão morre, segundo o relato bíblico, aos 175 anos de idade. A saga dos israelitas na ocupação da Terra Prometida, entretanto, estava apenas começando.

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* Datas aproximadas (fontes: Bible Timeline e Konig). (2) (3) Nesses pontos do Gênesis, a Bíblia adota as grafias Abrão e Sarai.

 

Moisés e o êxodo
O profeta libertou os hebreus da escravidão no Egito e chefiou campanhas militares em sua marcha para Canaã

1. 1889 a.C.*
Segundo a tradição judaica, José, que era bisneto de Abraão, foi vendido por seus irmãos como escravo e levado para o Egito. Lá, ele chegou a ser vice-rei e viveu com sua família em Goshen, a leste do delta do Nilo. Seus descendentes se tornaram numerosos, o que o preocupava os egípcios. Resultado: foram todos escravizados.

2. 1446 a.C. (A)
O profeta Moisés é escolhido pelo Criador para libertar os israelitas do cativeiro. O faraó se nega a libertá-los e 10 pragas mandadas por Deus recaem sobre os egípcios. Moisés aproveita para fugir do Egito com os hebreus.

3. 1446 a.C. (B)
Começa o Êxodo. Moisés conduz os hebreus (25 mil divididos em 12 tribos) rumo à Terra Prometida. Segundo a Bíblia, um milagre faz o mar Vermelho se abrir, permitindo que eles escapem da perseguição dos egípcios.

4. 1446 a.C. (C)
Os hebreus se estabelecem em Refidim, no deserto do Sinai, onde são atacados pelo povo amalequita. Moisés escolhe um jovem guerreiro para comandar o contra-ataque: Josué. Os israelitas vencem.

5. 1446 a.C. (D)
Moisés sobe sozinho ao topo do monte Sinai e, lá no alto, recebe de Deus os 10 Mandamentos. Gravados em duas tábuas de pedra, eles sintetizam a lei promulgada pelo Criador ao povo de Israel. Esse é o momento que marca o início da nação judaica.

6. 1446 a.C. (E)
Impacientes com a demora de Moisés em descer do monte Sinai, os hebreus moldam um bezerro de ouro e passam a adorá-lo. O profeta fica revoltado ao ver seu povo idolatrando um falso deus. Ele quebra as tábuas da lei e ordena que os pecadores sejam punidos. Cerca de 3 mil são mortos.

7. 1446 a.C. (F)
Moisés segue para a conquista de Canaã com 5 mil soldados. Antes, porém, eles vagam no deserto por quase 40 anos, até que a geração de adoradores do bezerro fosse substituída por outra ¿ livre de pecados.

8. 1407 a.C.
Moisés e seu exército lutam contra os midianitas, que haviam comprado José como escravo e o tinham vendido ao Egito. O profeta convoca mil soldados de cada tribo israelita ¿ 12 mil no total ¿ e trucida seus inimigos.

9. 1406 a.C.
O profeta morre antes de chegar com seu exército a Canaã e é sucedido no comando dos israelitas por Josué. Caberá a ele, agora, a conquista da Terra Prometida (leia mais a partir da pág. 36).

 

ÊXODO 6:7-8
Por isso, dize aos israelitas: eu sou o Senhor; vou libertar-vos do jugo dos egípcios e livrar-vos de sua servidão. Estenderei o braço para essa libertação e manifestarei uma terrível justiça. Tomar-vos-ei para meu povo e serei o vosso Deus, e sabereis que eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos tirei libertado do jugo dos egípcios.

DEUTERONÔMIO 2:14-15
Durou 38 anos essa nossa viagem de Cades-Barneia(3) (…). Entretanto, extinguiu-se do acampamento toda a geração dos homens de guerra, assim como o Senhor tinha jurado. A mão do Senhor pesou sobre eles, e foram cortados do acampamento até a sua completa extinção.

NÚMEROS 31:7
Atacaram os midianitas(4), como o Senhor tinha ordenado Moisés, e mataram todos os varões.

 

 

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