Há mil anos, povo no Peru pintava os crânios de seus ancestrais
Esse ritual fúnebre da civilização Chincha poderia ser uma resposta à destruição de túmulos causada pelos colonizadores espanhóis. Entenda.
Há mil anos, pessoas da costa sul do Peru decoravam os restos mortais de seus ancestrais com tinta vermelha – às vezes pintando os crânios dos falecidos com os próprios dedos. A descoberta é de um estudo publicado este mês no Journal of Anthropological Archaeology, por Jacob Bongers, arqueólogo da Boston University (Estados Unidos), e outros pesquisadores.
Muitos ossos encontrados no Vale do Chincha – antigo centro político da civilização Chincha, no Peru – são decorados com um pigmento vermelho. Os arqueólogos queriam investigar como e por que a tinta foi aplicada, então analisaram os ossos que estavam em mais de 100 túmulos do local (chamados chullpas), que datam de 1000 a 1825.
Eles encontraram 38 amostras de tinta diferentes, das quais 25 estavam em crânios humanos. A maioria dos ossos eram de homens adultos, mas também havia restos mortais de mulheres e crianças. Tecidos e folhas serviam de pincel para o ritual fúnebre do povo chincha, mas não só.
Os pesquisadores acreditam que as pessoas também usavam os próprios dedos para aplicação do pigmento nos crânios de seus antepassados. Os dedos imprimiam linhas grossas de tinta, verticais ou horizontais, e essa forma de pintura formaria relações ainda mais estreitas entre os vivos e os mortos nos rituais fúnebres.
A aplicação do pigmento em restos humanos, afinal, seria parte de um “processo prolongado de morte social”, como escrevem os pesquisadores. “A morte não era o fim. Era um momento crucial de transformação em outro tipo de existência e uma transição crítica de um estado para outro”, que prepararia os falecidos para uma vida futura.
Mas não está claro quando o pigmento vermelho foi parar nos esqueletos do povo Chincha. Uma hipótese mencionada pelos pesquisadores é que a pintura feita nos antepassados fosse uma resposta à colonização. O Vale do Chincha virou parte do Império Inca por volta do ano 1480 e sofreu com invasões, fome e doenças depois que os espanhóis chegaram por lá, na década de 1530.
O rastro de destruição deixado pelos europeus incluía a invasão e saque de cemitérios em busca de artefatos de prata e ouro nas chullpas. Acredita-se que, na cultura Chincha, tais transgressões contra os falecidos exigiam que os vivos tomassem uma atitude: entrar nos túmulos para pintar os restos mortais que foram profanados pelos colonizadores, por exemplo.
Essa hipótese, da resposta à destruição dos espanhóis, também aparece em outros contextos. Um estudo publicado em fevereiro de 2022, por exemplo, afirmou que o povo Chincha encaixava vértebras humanas em gravetos – e que essa seria uma forma simbólica de restaurar a integridade dos restos mortais dos antepassados. (Saiba mais sobre esses artefatos nesta matéria da Super.)