PRORROGAMOS! Assine a partir de 1,50/semana

Idade Média – Dois erros

Por que a imagem popular da Idade Média é tão distante da realidade?

Por Fábio Marton
Atualizado em 7 Maio 2020, 17h53 - Publicado em 8 abr 2020, 12h40

Talvez você já tenha ouvido falar que a Idade Média teve sua reputação enlameada durante o Iluminismo. Que os pensadores que abririam caminho para o mundo científico atual, arrogantemente, fizeram pouco caso de uma época com muitos méritos esquecidos.

Mas enlamear a reputação da Idade Média data de bem antes do Iluminismo: é coisa da própria Idade Média. Em 1330, Petrarca afirmava que seus antecessores imediatos “eram cercados por trevas e tristeza profunda”. A “Idade das Trevas”, em sua opinião, era a que ele próprio estava vivendo, uma queda da glória dos antigos gregos e romanos. Falava principalmente da arte e da linguagem em si, o italiano vulgar em comparação com o nobre latim (em que ele escrevia). Ao mesmo tempo, acreditava estar na aurora de uma nova era.

A ideia de Petrarca invertia como a própria Idade Média, se é que é possível dizer isso, se via até então. As trevas eram os tempos do paganismo, antes da ascensão da Igreja. A queda de Roma era um infortúnio da Sexta Era, na classificação de Santo Agostinho, a era da revelação de Jesus, destinada a terminar com sua volta.

Petrarca é uma das figuras fundadoras do que viria a ser chamado de Renascença. O termo foi usado pela primeira vez em 1550, pelo historiador da arte Giorgio Vasari, e indica bem a atitude da época a respeito do que veio antes. A Renascença não foi de forma alguma um movimento antirreligioso: pelo contrário, a volta do antigo, visto como superior ao contemporâneo, foi patrocinada entusiasticamente pela Igreja, assim como ela patrocinara antes a volta da filosofia antiga.

Em países protestantes, essa visão se acirrou pelo fator religioso: toda a Idade Média era o período do domínio da Igreja Católica, que sucedera o cristianismo primitivo que inspirava os protestantes.

Continua após a publicidade

O Iluminismo, assim, herdou o anti-medievalismo renascentista e protestante e o amplificou, agora sim, com um viés religioso. O historiador Edward Gibbon, em seu clássico A História do Declínio e Queda do Império Romano, falou no “lixo da Idade das Trevas”. Kant, Voltaire, os grandes luminares da época, não mediam palavras para expressar seu desgosto com a “Era da Religião” em oposição à “Era da Razão” que com eles começava.

Mas foi ainda no Século das Luzes que surgiu a visão – também infiel à história – oposta. Em 1770, a 19 anos da Revolução Francesa, Johann Wolfgang Goethe narrava uma visita à Catedral de Estrasburgo e a grande injustiça que, acreditava, as pessoas de seu tempo faziam a uma obra tão impressionante. “Uma grande e completa impressão preencheu minha alma… Quantas vezes eu retornei para apreciar essa beleza terrena-celestial, para acolher o espírito de nossos irmãos mais velhos em seus trabalhos”, registrou em seu obscuro texto Von Deutscher Baukunst (“Sobre a Arquitetura Germânica”), em 1773.

SI_Idade_Media_Introducao_1
Caçada à Raposa (1387), do artista francês Miniard of Bearn (1331-1391). (Photo Josse/Leemage/Getty Images)
Continua após a publicidade

No ano seguinte, Goethe lançaria seu Sofrimentos do Jovem Werther, dando o pontapé inicial no que seria conhecido como Romantismo, o grande movimento artístico que dominaria o século 19. Seria o Romantismo a criar outra visão sobre a época, como um tempo de honra, glória e romance, sem os problemas vulgares do presente. Exaltava a Idade Média como mais nobre, autêntica, espontânea e intensa que o mundo racional e industrial moderno.

O Romantismo sairia de moda entre intelectuais no fim do século 19, entrando em seu lugar o realismo e, depois, o modernismo. Mas serviria de inspiração ao nacionalismo alemão, incluindo o nazismo e todas suas consequências. E acabaria resgatado outra vez, com um sentido completamente distinto, mas também pouco realista, pela contracultura: hippies, metaleiros e góticos. E, mais recentemente, de volta à visão nacionalista, a alt-right.

A visão popular, hollywoodiana, acaba sendo uma amálgama da ideia do Romantismo e do Iluminismo: tanto trevas, sujeira e superstição quanto um certo espírito nobre, honrado, aventureiro. E algo sem muito espaço para diversidade ou nuance.

A verdade não está no meio e historiadores contemporâneos buscam corrigir esses estereótipos, desfazendo interpretações baseadas em valores modernistas e antimodernistas. A Idade Média precisa ser entendida em seus próprios termos. Foi um período religioso e supersticioso, mas com um conceito firme de razão secular, e de imensas transformações, que entregaria algo que havia superado de muitas formas a Antiguidade: na arte, na tecnologia, no pensamento, na organização política. Um período com não poucas luzes e também de evolução, conflito de ideias e, principalmente, um dinamismo disruptivo, contrário ao retrato estático da imaginação romântica.

Publicidade


Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY
Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 10,99/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.