Inimigo íntimo
Bill Gates era o oposto de Steve Jobs. Os dois construíram uma história de parcerias, rompimentos e reconciliações. Somados, definiram a computação do século 20
Álvaro Oppermann
Foi em novembro de 1983 que a relação entre Steve Jobs e William Henry Gates III sofreu um abalo sísmico. Naquele mês, em Las Vegas, durante a COMDEX, a maior feira de informática do mundo na época, Bill Gates sacudiu a todos com o anúncio de um novo sistema operacional com interface gráfica, que funcionava com mouse. A Microsoft o batizara de Windows. Parecia uma cópia do layout do Macintosh.
Furioso com a notícia, Jobs intimou Gates para uma reunião na sede da Apple em Palo Alto. “Você passou a perna na gente!”, disse Jobs aos berros assim que Gates entrou na sala. “Eu confiei em você, e você nos roubou!” Bill fitou Steve placidamente. Cercado por 10 funcionários da Apple, coçou a cabeça e sussurrou: “Olha, Steve, há mais de um ângulo nessa questão”.
Depois, subindo o tom, continuou seu discurso: “Nós dois éramos dois pobretões que morávamos ao lado da mansão dum ricaço, a Xerox. Eu arrombei a mansão para roubar a TV, mas descobri que você já a tinha levado”.
“Eu tinha avisado o Steve que suspeitava da Microsoft”, escreveu no site https://www.folklore.org, mantido por funcionários da Apple, Andy Hertzfeld, projetista do Macintosh e testemunha desse que foi o maior bate-boca entre os dois homens fortes da informática. Na época, Jobs respondeu que não imaginava que a Microsoft fosse capaz de fazer uma boa implementação.
Amizade provisória
Por que a Apple subestimou Gates? Para entender, é preciso voltar um ano antes, a 1982. Jobs já era uma celebridade nos EUA Por outro lado, ninguém, fora do Vale do Silício, ainda conhecia Gates ou a Microsoft. Jobs, porém, gostava de Bill. Em San Francisco, no fim dos anos 70, os dois saíam juntos, com as respectivas namoradas, para jantar ou ir à discoteca.
Mas jeito de gostar de Jobs era condescendente. Por sua vez, Gates respeitava o amigo. “Para estabelecer um novo padrão, é preciso criar uma coisa completamente nova. O Macintosh é a única capaz disso”, ele afirmou, em outubro de 1983. O bom relacionamento fez da Microsoft a primeira empresa recrutada para desenvolver softwares para o Mac.
Só que Gates vinha se tornando reservado. Em junho de 1981, transferiu a Microsoft para o estado de Washington – bem longe do radar de Jobs. O motivo de tamanho mistério ficaria claro durante a COMDEX, de 1983. Logo depois da feira e do bate-boca, a Apple processou a Microsoft, que teria copiado o “visual e o jeito” do sistema operacional do Lisa, o primeiro computador comercial a utilizar uma interface gráfica de usuário (GUI, sigla em inglês). Mas o GUI não era exatamente uma inovação da Apple. Jobs tinha se inspirado no trabalho do vizinho ricaço, a Xerox (leia mais na página 15), e era a esse episódio a que Gates se referia durante a discussão.
A primeira versão do Windows chegou às prateleiras só em 1985. Como Steve tinha previsto, ainda não funcionava direito. As janelas eram fixas e ficavam dispostas lado a lado, como azulejos numa parede. Irritado com os problemas, Bill Gates deu carta branca a um programador de Seattle (e fã da Apple), Neil Lonzen. Quando o Windows 2.0 veio a público, em 1987, era outro produto, muito mais bem acabado.
Jobs podia reclamar, mas o contrato da Microsoft com a Apple dava à Microsoft direitos perpétuos à interface gráfica do Macintosh a partir de 1985. Gates ganhou a causa em 1994, quando Jobs já estava fora da Apple fazia tempo.
Reencontro
Em agosto de 1997, num anfiteatro de Boston, Steve Jobs, de volta à Apple, anunciou que a Microsoft injetaria salvadores US$ 150 milhões na empresa. A plateia vaiou e tomou uma bronca. “Muita gente ainda quer se aferrar às suas velhas identidades. Por outro lado, está todo mundo morrendo de vontade de ter o Microsoft Office em seu Mac”, disse. O que ninguém sabia é que o acordo era resultado de uma negociação difícil. Agora, era Gates quem dava as cartas.
O tempo passou e, aparentemente, as mágoas também. Em 2007, Steve Jobs e Bill Gates dividiram o palco, sorridentes, na conferência All Things Digital, organizada pelo blog homônimo em Carlsbad, no sul da Califórnia. “Eu acho que o mundo é agora um lugar melhor, depois que o Bill deu-se conta que o objetivo na vida não é ser o cara mais rico do cemitério”, disse Jobs. “As coisas que Steve faz são mágicas”, ouviu em resposta.
E tudo acabou bem? Mais ou menos. Em 2009, o jornal britânico Daily Mail noticiou que os filhos de Bill Gates, Jennifer, Rory e Phoebe, tinham sido proibidos pelo pai de comprar produtos da Apple. A garotada queria iPods, e papai disse não. Sobrou até para a esposa, Melinda, que não conseguiu comprar um iPhone. A relação de amor e ódio entre os dois maiores homens da computação continuou a mesma até o fim.
O pária
Jon Rubinstein usou o iPhone para criar o Palm Pre
Se a relação entre Steve Jobs e Bill Gates é cheia de altos e baixos, algumas pessoas se tornaram persona non grata para o resto da vida. Foi o caso do engenheiro de hardware Jon Rubinstein. A parceria entre Jobs e Rubinstein começou ainda na NeXT, em 1990. Já na Apple, Rubinstein ajudou a criar o Mac G3 e o iMac. Em 2006, ele se mudou para a Palm e levou detalhes do projeto do iPhone. Em 2009, lançou o Palm Pre, que foi um fracasso. Resultado óbvio, em suas palavras de 2010: “Estou fora da lista de Natal de Steve”.
Para saber mais
• Piratas do Vale do Silício, dir. Martyn Burke, 1999.
• Barbarians Led by Bill Gates, Jennifer Edstrom e Marlin Eller, Henry Holt and Co., 1998.
Duelo de titãs
Compare os perfis dos dois homens fortes da tecnologia
Steven Paul Jobs
Nascimento – 24 de fevereiro de 1955
Família – Filho adotivo de um casal de classe média.
Educação – Abandonou a faculdade (Reed College).
Casa – Mansão em estilo colonial espanhol de 1 600 m2 em Woodside, Califórnia.
Religião – Budista.
Fortuna em 2011 – US$ 8,3 bilhões.
Carros – Mercedes SL55, ano 2006.
Hobby – Música.
Mulheres – Na juventude, era bom de lábia. Sossegou depois de casar.
Cadeia – Parado pela polícia nos anos 1970.
Drogas – LSD, mescalina e maconha.
Filantropia – Publicamente, não dava um tostão.
Estilo – “Não dou a mínima”.
Opinião um do outro – “Bill é um cara legal. Mas o nosso sistema de valores não é o mesmo”.
William Henry Gates III
Nascimento – 28 de outubro de 1955
Família – Filho de um casal aristocrático de Seattle.
Educação – Abandonou a faculdade (Harvard).
Casa – Mansão de design ecológico de 6 000 m2 no estado de Washington.
Religião – Congregacionalista.
Fortuna em 2011 – US$ 59 bilhões.
Carros – Tem uma coleção de Porsches.
Hobby – Bridge, pôquer e tênis.
Mulheres – Tímido com as mulheres, casou-se com Melinda, funcionária da Microsoft
Cadeia – Em 1977, preso por dirigir em alta velocidade.
Drogas – Diz que fumou maconha em Harvard.
Filantropia – Até 2007, doou US$ 28 bilhões.
Estilo – Casual de negócios.
Opinião um do outro – “O mundo raramente vê uma pessoa que provoque tanto impacto.”