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Isolados na Antártica, esses médicos tiveram que operar a si mesmos

O russo Leonid Rogozov e a americana Jerri Nielsen entraram para a seleta lista de pessoas na história que fizeram auto-cirurgias.

Por Bruno Carbinatto
31 mar 2024, 19h00

Parece um roteiro de filme de terror : você é o único médico numa equipe de exploração científica no meio da Antártica, com poucos recursos, sem acesso ao mundo exterior e condições climáticas extremas, quando fica doente e precisa de uma cirurgia ou tratamento. Mas não é ficção: não só isso já aconteceu como há dois episódios emblemáticos.

O médico que retirou o próprio apêndice

Leonid Rogozov era o único médico de uma equipe de 13 pesquisadores da sexta expedição soviética na Antártica – ao todo, o bloco socialista realizou 36 missões no continente gelado, entre 1955 e 1991. Ele foi vizinho dos pinguins na base de Novolazarevskaya por dois anos: entre setembro de 1960 e outubro de 1962.

Em abril de 1961, o médico de 27 anos começou a sentir sintomas como cansaço, náuseas e febres. Pouco depois, uma dor forte no lado direito do abdômen. Rogozov não demorou para chegar a um diagnóstico: apendicite aguda – ou seja, inflamação no apêndice, um pequeno órgão no abdômen sem muita importância para os humanos. 

O tratamento para apendicite é justamente a retirada cirúrgica do órgão, já que dá para viver sem ele tranquilamente – e, caso ele rompa por conta da inflamação, pode causar infecção generalizada no corpo e morte. A apendicectomia, o nome que se dá a esse procedimento cirúrgico, é considerado relativamente simples e uma cirurgia de rotina nos hospitais mundo afora. A diferença é que nenhum deles fica isolado no meio da Antártica.

Não havia muito tempo para se pensar: o apêndice poderia se romper a qualquer momento. Sem a chance de procurar ajuda em outra base russa no continente gelado – a distância era grande demais e as condições climáticas eram péssimas –, Rogozov decidiu retirar, ele mesmo, o seu próprio apêndice.

“Eu não dormi nada ontem à noite. Dói como o diabo!”, escreveu ele em seu diário no dia 30 de abril. “É isso… eu tenho que pensar na única saída possível: operar a mim mesmo. Isso é quase impossível… mas não posso simplesmente cruzar os braços e desistir.”

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A operação contou com a ajuda de dois colegas, que passavam equipamentos e seguravam espelhos para o médico, que estava deitado e curvado, enxergar a si mesmo. Uma anestesia local foi usada no abdômen – mas, uma vez com a barriga aberta, o médico teria que seguir a cirurgia mesmo com dor. Todo o procedimento foi fotografado por colegas da equipe, como você vê abaixo.

Autooperação de Leonid Rogozov durante expedição na Antártica.
(Wikimedia Commons/Reprodução)

Rogozov conseguiu retirar o apêndice e aplicar antibióticos diretamente no abdômen. A cirurgia durou cerca de duas horas – isso porque o médico começou a sentir náuseas e fraqueza e precisou parar várias vezes para descansar durante o procedimento. Num contexto hospitalar normal, uma apendicectomia dura meia hora.

Foi um sucesso: a febre passou poucos dias depois e, duas semanas após a cirurgia, Rogozov já estava de volta a ativa. Ele permaneceu na Antártica até 1962, quando voltou a Rússia e seguiu a vida sendo médico pelas próximas décadas. Morreu em 2000, vítima de um câncer de pulmão.

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A médica que tratou o próprio câncer sozinha

Em junho de 1999, a médica americana Jerri Nielsen era a única profissional da saúde na Estação Polo Sul Amundsen-Scott, localizada no Polo Sul geográfico da Terra. Era inverno, o que significava que a temperatura chegava aos 50º C negativos e os dias passavam quase todos no escuro.

Foi nesse cenário que Nielsen descobriu um caroço no seu seio esquerdo, em maio de 1999. Pelo menos ela tinha tinha um trunfo: a internet. Por meio de e-mails e chamadas com médicos no continente, a médica chegou à conclusão que poderia ter câncer. Para provar, precisaria fazer uma biópsia.

Biópsias são procedimentos cirúrgicos simples, em que uma amostra do tecido – neste caso, do tumor – é retirada pelo médico para ser avaliada. Vale para dizer se um tumor é maligno (ou seja, câncer) ou não. Fazer uma biópsia em si mesmo, porém, não é nada simples, como você deve imaginar. 

Com ajuda de membros da equipe, a médica conseguiu realizar o procedimento e enviar os resultados pela internet aos médicos nos EUA. O exame não foi muito assertivo porque os equipamentos disponíveis eram precários, mas a conclusão da equipe era de que ela provavelmente estava com câncer, e precisava de tratamento imediato. O problema: as condições climáticas não permitiam que nenhum avião pousasse no Polo Sul por meses.

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O governo americano, então, decidiu enviar um avião militar para sobrevoar a região e fazer um lançamento aéreo de suprimentos médicos – a nave não poderia pousar, mas pelo menos lançar medicamentos e equipamentos para um outro exame.

Com os suprimentos enviados, Nielsen fez uma nova biópsia em si mesmo – dessa vez definitiva, mostrando o câncer – e começou a tratar a si mesmo com quimioterapia, sendo orientada pelos médicos via internet.

Jerri Nielsen fotografada no Polo Sul.
Jerri Nielsen fotografada no Polo Sul. (Wikimedia Commons/Reprodução)

O auto-tratamento durou três meses, mas os efeitos colaterais da quimioterapia deixaram a expedicionária fraca demais para seguir sendo a própria médica. Em 15 de outubro, a Guarda Nacional dos Estados Unidos decidiu fazer uma missão arriscada e resgatar Nielsen do Polo Sul, mesmo com as condições climáticas não estando perfeitas. O voo foi um sucesso e ela foi levada primeiramente para a Nova Zelândia e, depois, de volta aos EUA, onde seguiu seu tratamento.

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O câncer da médica entrou em remissão. Sua história ficou famosa após ela escrever um livro, em 2001, narrando sua aventura. Em 2005, porém, o câncer voltou. Quatro anos depois, em 2009, ela morreu vítima de um tumor cerebral. 

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