Justiça – O homem que perdoou seu algoz
Rais Bhuiyan foi a 3a vítima de Mark Ströman, um extremista de direita que executava muçulmanos para vingar o atentado às Torres Gêmeas. Mas, ao se recuperar do tiro no rosto, Bhuiyan começou a luta para livrar Ströman da pena de morte
Na tarde do dia 21 de setembro de 2001, o bengali Rais Bhuiyan, então com 27 anos, trabalhava em um posto de gasolina, em Dallas, Texas, quando um homem armado o abordou.
Bhuiyan, que já estava acostumado com os procedimentos em caso de assalto, ofereceu o dinheiro do caixa. Mas não era isso o que o homem parecia buscar. “De que país você é?”, perguntou o rapaz ruivo. E, antes que Bhuiyan pudesse responder “de Bangladesh”, o homem atirou contra seu rosto. Para matá-lo.
Bhuiyan conseguiu ajuda numa barbearia próxima e, nos meses seguintes, passou por várias cirurgias. Viveu, mas perdeu a visão de um olho.
O atirador, que já tinha matado um paquistanês, foi preso após executar um indiano no dia 4 de outubro. Era Mark Ströman. E se dizia um “patriota” e “vingador” do que “os árabes” tinham feito naquele fatídico 11 de setembro, quando sua irmã morreu no ataque às Torres Gêmeas. Não fazia diferença que nenhuma de suas vítimas fosse árabe e que um deles fosse hindu.
Ströman acreditava na supremacia da raça branca. Tinha sofrido abusos quando criança, da mãe e do padrasto alcoólatras. Isso foi apresentado por seus defensores públicos em corte, mas não evitou que fosse condenado à pena de morte.
E as chances de se livrar dessa pena eram ínfimas. Nos últimos 10 anos, o estado do Texas – que responde por 40% das execuções nos EUA – havia matado 231 condenados. Apenas uma pessoa, durante o mesmo período, conseguiu a revisão da pena. Ströman já não tinha esperanças de se livrar da prisão de Huntsville, a câmara de execução mais ativa do país.
“O lugar é envolto pelo cheiro da morte dia após dia, quase mais do que posso tolerar”, descreveu Ströman, que disse ter visto passar diante de si 208 pessoas a caminho da morte.
Mas, meses antes de sua execução, marcada para 20 de julho de 2011, o mesmo homem que ele tentou matar iniciou uma campanha para salvar sua vida. E não foi apenas Rais Bhuiyan. As famílias das duas vítimas fatais de Ströman também passaram a pleitear que a sentença do assassino confesso fosse convertida à prisão perpétua.
Iniciaram uma campanha ao redor do mundo, que colheu 12 mil assinaturas pedindo a revisão da pena de morte para prisão perpétua. Batizaram o movimento de World Without Hate (“Mundo Sem Ódio”), nome da atual ONG de Bhuiyan, que atua com a Anistia Internacional.
Bhuiyan fez apelações nas cortes do Texas e até na Suprema Corte dos EUA. Chegou a processar o Estado por não permitir que ele se encontrasse com Ströman pessoalmente.
Muçulmano praticante, ele diz que sua fé lhe ensinou que salvar uma vida é o mesmo que salvar toda a humanidade. Isso comoveu Ströman, que certa vez escreveu sobre Bhuiyan: “Ele realmente tocou meu coração e o de muitos outros ao redor do mundo… Especialmente porque nos últimos 10 anos tudo o que nos dizem é o quanto o islamismo é cruel. Suas profundas crenças islâmicas deram a ele a força para perdoar o que era imperdoável… Isso é realmente inspirador para mim e deveria ser um exemplo a todos nós”.
O esforço de Bhuiyan, apesar de ter causado profundas mudanças em Ströman, não foi suficiente para convencer a Justiça a rever sua pena. Ströman foi executado, com injeção letal, em 20 de julho, horas depois de o último recurso de Bhuiyan, na Suprema Corte, ter sido negado. Tinha 41 anos e deixou 4 filhos.
Três horas antes de morrer, os dois se falaram por telefone, pela primeira vez em 10 anos. E, já preparado para a execução, Ströman enunciou suas últimas palavras: “O ódio está neste mundo, ele há de parar. Ele causa dor para o resto da vida. Eu amo vocês. Todos vocês. Boa noite”.
“Jamais odiei Mark. Ele fez o que fez por ignorância. Demorou anos para distinguir o certo do errado, mas hoje ele sabe fazê-lo.”
Rais Bhuiyan