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Médicos e monstros nazistas

Por que tantos doutores toparam virar assassinos e ajudaram o regime de Hitler a produzir morte em escala industrial?

Por Eduardo Szklarz
Atualizado em 31 out 2016, 19h01 - Publicado em 15 set 2016, 19h30

Médicos costumam ser vistos como heróis pela maioria das pessoas. Afinal, eles salvam vidas – independentemente da cor, do credo ou da posição social de quem precisa dos seus serviços. Na Alemanha nazista, porém, muitos acabaram se transformando em monstros e ajudaram o regime de Adolf Hitler a produzir morte em escala industrial. A participação de médicos alemães foi decisiva nas 3 etapas do projeto de purificação racial levado a cabo pelo Führer: a esterilização forçada de cidadãos “problemáticos”, a eutanásia igualmente compulsória para “vidas indignas de vida” e, finalmente, o extermínio de “raças inferiores” nos campos de concentração.

Como profissionais que deveriam ser pautados pela conduta ética e moral toparam virar assassinos? Hitler os seduziu de diferentes maneiras. Começou oferecendo belos cargos e salários a jovens doutores. Parte deles passou a ocupar as vagas deixadas por médicos judeus banidos pela Lei para Restauração do Serviço Público Profissional, editada em abril de 1933. Num país que sentia os efeitos da Grande Depressão, com taxa de desemprego na casa dos 30%, muitos não pensaram duas vezes antes de assumir esses postos.

Um desses jovens médicos foi o pediatra Erich Hässler, que aos 34 anos virou chefe do Hospital Infantil da cidade de Leipzig no lugar de Siegfried Rosenbaum – enxotado da clínica por causa de sua origem judaica. Hässler morreu bem velhinho, aos 106 anos, sem admitir um pingo de remorso. “Quase todos os pediatras de Leipzig eram judeus. Não digo que fossem ruins, mas eles tiravam os nossos empregos”, declarou o pediatra em seus últimos anos de vida, num depoimento concedido aos produtores do documentário A Ciência e a Suástica.

Missão redentora

Outra maneira encontrada pelo regime nazista para cooptar médicos foi a concessão de generosos financiamentos para suas pesquisas, sobretudo aquelas ligadas à eugenia – uma pseudociência que buscava o aperfeiçoamento da raça humana por meio da genética. A Fundação de Pesquisa Alemã, por exemplo, aumentou em 10 vezes os recursos financeiros destinados a estudos biológicos entre 1933 e 1938. “Muitos médicos que acreditavam na eugenia tiveram de se adaptar ao antissemitismo feroz dos nazistas”, diz Susan Bachrach, curadora do Museu Memorial do Holocausto, em Washington, nos EUA. “Ao apoiar a perseguição, receberam em troca dinheiro para custear seus projetos e belas oportunidades de carreira.”

Bons empregos e financiamentos generosos, contudo, não são as únicas explicações para a participação de médicos nas atrocidades praticadas pelo regime nazista. A verdade é que muitos profissionais de saúde – e a maior parte da classe média alemã – compraram a ideia de superioridade racial vendida por Hitler. “O Führer alegava que a pureza da raça ariana estava ameaçada por judeus e outros seres inferiores. Era preciso, portanto, eliminar esses perigos a fim de fortalecer a sociedade alemã”, diz o psiquiatra americano Robert Jay Lifton, autor do livro The Nazi Doctors (“Os Doutores Nazistas”, inédito no Brasil). “Hitler ofereceu aos médicos a chance de integrar a elite dessa que, no seu entender, seria uma missão redentora. Dizia, inclusive, que a profissão médica era mais importante para o Reich que praticamente todas as demais.”

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À medida que o nazismo foi se convertendo num regime mais e mais totalitário, a eugenia se consolidou como currículo básico na formação dos profissionais de saúde. Ao mesmo tempo, um número cada vez maior de doutores ingressava nas instituições nazistas – alguns por convicção, outros por conveniência. “Houve um momento em que 45% dos médicos eram integrantes do Partido Nazista”, diz Lifton. “Uma das médias mais altas entre todas as categorias profissionais da Alemanha.”

 

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Às favas com a ética

Passagens do Juramento de Hipócrates que os médicos a serviço do regime nazista ignoraram:

(…) Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém (…)

(…) A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda (…)

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(…) Em toda casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário (…)

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