Assine SUPER por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Mito: “durante a Ditadura, só existiu guerrilha de esquerda”

A verdade: grupos de extrema-direita realizaram atentados, sobretudo contra artistas e intelectuais.

Por Maurício Horta
Atualizado em 9 jan 2023, 10h47 - Publicado em 5 out 2018, 17h24

Em 1968, a ditadura estava no vai ou racha. O presidente Costa e Silva vacilava entre tolerar o retorno das manifestações de rua – que voltaram após quatro anos de quase silêncio – ou ameaçar o estado de sítio. Conforme aumentaram os ataques da esquerda armada, a linha dura militar decidiu agir por conta própria. Oficiais de baixa patente reuniam-se no Centro de Informações do Exército (CIE) e traçaram sua estratégia. “Definimos qual era o campo mais fraco e decidimos que era o setor de teatro”, disse o coronel Luiz Helvécio Silveira Leite, num depoimento de 1985. “A gente invadia, queimava, batia, mas nunca matava ninguém.”

Em junho, a Maison de France recebia uma montagem de O Burguês Fidalgo, comédia de Molière que satiriza o alpinismo social na França de Luís 14. Embora Molière tenha nascido dois séculos antes de Karl Marx, a extrema-direita julgou o nome comunista e plantou uma bomba no teatro carioca.

Depois, seguiram explosões nos teatros Gláucio Gil e Opinião, também no Rio, nas faculdades de Belas Artes e de Direito da URFJ, na Faculdade de Ciências Médicas da UERJ, na Associação Brasileira de Imprensa, na Livraria Civilização Brasileira – uma editora de obras de esquerda –, no depósito do Jornal do Brasil e no Correio da Manhã. Também foram alvos a representação comercial da URSS e a embaixada polonesa.

A orientação do CIE era de se limitar ao “terrorismo branco”, sem mortos. Mas o brigadeiro João Paulo Moreira Brunier queria mais. Em junho de 1968, planejou instalar bombas na embaixada dos EUA e em empresas americanas, destruir a represa que abastecia o Rio e explodir o gasômetro da cidade. Tudo para culpar a esquerda. O capitão Sérgio de Miranda Carvalho denunciou o plano do brigadeiro, mas tudo acabou abafado pelo ministro da Aeronáutica – que, além do mais, demitiu o delator.

Continua após a publicidade

“Mais do que indiferença, há, no comportamento do governo, estímulo à violência”, afirmou um editorial do Correio da Manhã. A conivência do regime permitiu a consolidação de um grupo delinquente e impune, que continuaria a agir na comunidade de segurança da ditadura.

Já no primeiro dia de ditadura, a extrema-direita incendiou a sede da UNE, no Rio. Em 1968, os ataques se generalizaram, com a conivência de Costa e Silva. (Agência O Globo/Montagem sobre reprodução)

Os atentados não vinham apenas da anarquia militar. Paralelamente, ganhava notoriedade o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) – um grupo paramilitar de extrema-direita formado em São Paulo, ainda em 1963, por estudantes conservadores. A estratégia era a mesma do baixo oficialato do CIE: atacar artistas e intelectuais. E, na época, poucos alvos eram tão evidentes quanto o teatro Ruth Escobar, que encenava Roda Viva, de Chico Buarque.

Na peça, o diretor José Celso Martinez Corrêa montava cenas eróticas entre a Virgem Maria e Jesus, transformava capacete militar em penico e jogava na plateia um fígado de boi dilacerado. Um cardápio de provocações a conservadores. Em 17 de julho, dezenas de membros do CCC invadiram o teatro, depredaram suas instalações e espancaram o elenco, com cassetetes e socos-ingleses. Fizeram um corredor polonês até a rua, onde os atores continuaram apanhando diante da plateia e de policiais indiferentes.

Continua após a publicidade

Em outubro, a trupe seguiu para Porto Alegre. Às vésperas da estreia, o CCC distribuiu panfletos contra a peça. No dia 2, o grupo agrediu novamente o elenco e sequestrou dois artistas por algumas horas.

Enquanto isso, em São Paulo, os dois extremos políticos conviviam em calçadas opostas na rua Maria Antônia. De um lado, a Faculdade de Filosofia da USP concentrava lideranças do movimento estudantil. Do outro, a Universidade Presbiteriana Mackenzie abrigava membros do CCC, e seu curso de Direito atraía aspirantes a delegado de polícia.

No dia 2 de outubro, secundaristas faziam um pedágio na Maria Antônia para financiar o 30º Congresso da UNE. Alguns estudantes do Mackenzie inconformaram-se. De insultos, o desentendimento escalou para o lançamento de um ovo, que virou pedra, que virou tijolo, que virou ameaças de invasão, que viraram dois dias de luta, com o incêndio do prédio da Filosofia e a morte do secundarista José Carlos Guimarães por bala perdida.

Continua após a publicidade

Com o AI-5, os atentados de direita reduziram-se – mas não por terem sido reprimidos. Pelo contrário. Esse setor anárquico e delinquente das Forças Armadas tornou-se parte da comunidade de segurança da ditadura, que fez da tortura e do extermínio políticas de Estado. O terrorismo clandestino da extrema-direita pode ter sido “branco”. O terrorismo de Estado, não.

Este post é parte do dossiê “21 mitos sobre a Ditadura Militar”, que pode lido na íntegra aqui.
Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 12,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.