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Nazistas davam medalhas às mulheres que tivessem muitos filhos

A partir do quarto filho, mães eram condecoradas e a família recebia prêmios em dinheiro; medida foi estratégia de Hitler para aumentar a população

Por Eduardo Szklarz
12 jan 2018, 15h45

Magda era uma mulher perfeita segundo os padrões nazistas. Loira, alta, de olhos azuis, dona de casa exemplar e mãe de uma filharada. Aos 38 anos, ela já tinha dado à luz 7 crianças: 6 de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda do Terceiro Reich, e outra de seu marido anterior. Em 1939, tornou-se a primeira a ganhar a Mutterkreuz, ou Cruz das Mães, concedida às “arianas” que tivessem pelo menos 4 rebentos. Quanto mais filhos, mais elevada era a condecoração – algo semelhante à premiação de vacas ou éguas que se destacam como boas reprodutoras da raça.

Quem instituiu a Mutterkreuz como instrumento para estimular a procriação entre casais “puro-sangue” na Alemanha foi o médico Gerhard Wagner, chefe da Seção de Saúde Pública do Partido Nazista. A intenção de Wagner era garantir que as futuras gerações arianas fossem numerosas, para fazer do país a potência mundial que Adolf Hitler almejava. Ao mesmo tempo, tratava-se de um subterfúgio para valorizar o papel das mulheres na sociedade sem que fosse preciso tirá-las da condição de senhoras do lar. “A prolífica mãe alemã merece o mesmo lugar de honra no Volk [povo] que o soldado do Exército”, escreveu o médico num artigo para o jornal Völkischer Beobachter em 1938. “A mãe arrisca tanto seu corpo quanto sua vida pela pátria, do mesmo jeito que o soldado faz numa batalha.”

Segundo a historiadora americana Michelle Mouton, pesquisadora do departamento de História da Universidade de Wisconsin, nos EUA, cerca de 3 milhões de mulheres receberam a cruz logo na primeira cerimônia de condecoração. A data não podia ser mais apropriada: o Dia das Mães de 1939. “A Mutterkreuz fundia as ideias associadas ao Dia das Mães com a política racial nazista”, escreve Mouton no livro From Nurturing the Nation to Purifying the Volk (“Da Educação da Nação à Purificação do Volk”, inédito no Brasil). A honraria era concedida de acordo com o número de filhos tidos pela homenageada: 4 ou 5 crianças valiam uma medalha de bronze; 6 ou 7 correspondiam à medalha de prata; e 8 ou mais rebentos significavam uma cruz de ouro. A política era retroativa – quem já tivesse batalhões de filhos também era condecorado.

A Mutterkreuz pode até ser classificada como a mais extravagante medida de Hitler para incentivar o nascimento de arianos, mas não foi a única. O regime nazista promulgou diversas leis para reverter a queda na taxa de natalidade herdada do regime anterior, conhecido como República de Weimar (1919-1933). Afinal, o encolhimento das famílias alemãs significava um desastre para o projeto expansionista do Führer.

A tendência de queda do índice de crescimento da população era um efeito indireto da 1a Guerra Mundial (1914-1918), que havia provocado uma revolução nos núcleos familiares alemães. Esposas que tinham perdido seus maridos no conflito enfrentaram sérios problemas financeiros e precisaram ingressar no mercado de trabalho. Esse foi o primeiro passo na direção de um processo liberalizante que parecia irreversível. Logo após o fim da guerra, em 1919, as mulheres ganharam direito ao voto. Em seguida, vieram outras iniciativas de cunho liberal – entre elas, o controle da natalidade. Resultado: o número de recém-nascidos despencou.

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“A taxa de natalidade alemã caiu de 36 nascimentos por 1 000 habitantes em 1901 para 14,7 em 1933”, escreve a historiadora britânica Lisa Pine, da South Bank University, de Londres, no livro Nazi Family Policy (“Política Familiar Nazista”, sem tradução para o português). Mas nem todo mundo considerava bem-vinda essa escalada modernizante. A Igreja Católica e os setores políticos mais tradicionais da Alemanha enxergavam a crescente presença feminina no mercado de trabalho como sinal inequívoco de degeneração da sociedade alemã, assim como o aumento do número de divórcios e abortos. “Para os conservadores”, diz Pine, “tudo isso representava uma tragédia nacional”.

Assim que chegou ao poder, em 1933, Hitler tratou de extirpar as “modernices” do regime anterior. O ideário nazista concebia o Estado como um organismo vivo, cujo tecido fundamental eram as famílias formadas por legítimos representantes da raça ariana. Mães solteiras e casais sem filhos, ainda que loiros e de olhos azuis, passaram a ser entendidos como sintomas de deterioração social. “A família é a célula primordial do Volk”, declarou naquele mesmo ano o ministro do Interior alemão, Wilhelm Frick. “Por isso, o nacional-socialismo coloca a família no centro de suas políticas.”

Multiplicação

Logo em seus primeiros dias, o regime nazista aprovou um pacote de leis para estimular o casamento e a reprodução dos alemães. A primeira delas foi a Lei para a Redução do Desemprego, que previa concessão de empréstimos generosos a quem queria se casar. Cada casal “racialmente puro” recebia 1 milhão de marcos (cerca de 20% do salário anual médio da Alemanha na época), sem impostos e sem juros, para montar o novo lar. Só havia uma condição: que a mulher deixasse o trabalho – ou seja, entregasse seu posto a um homem desempregado – e ficasse em casa para procriar.

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A tática funcionou. Cerca de 700 mil casais contraíram o empréstimo entre 1933 e 1937. Para o governo, foi o mesmo que acertar dois alvos com apenas um tiro. Além de promover a multiplicação de arianos, a lei ajudou a maquiar indicadores sociais. “A solução para o desemprego durante o regime nazista não se baseou só na criação de postos de trabalho, mas, sobretudo, na retirada de pessoas do mercado sem colocá-las no registro de desempregados”, explica o historiador britânico Dick Geary no livro Hitler e o Nazismo.

Não adiantava, porém, apenas manter as mulheres em casa. Era preciso que elas tivessem o maior número possível de filhos. Sendo assim, o governo aprovou a Lei de Incentivo ao Casamento, que também concedia empréstimo de 1 milhão de marcos a casais de “raça pura” recém-formados. Para cada filho gerado, o governo abatia 250 mil. Em outras palavras: com 4 rebentos, a família zerava sua dívida. Mais uma vez, a iniciativa deu certo, e a taxa de natalidade voltou a subir. “Casar e ter filhos deixou de ser uma decisão pessoal para se tornar uma obrigação racial”, diz Lisa Pine.

Nos anos seguintes, o regime criaria muitas outras leis fundamentadas no conceito de higiene racial – usadas, inclusive, para legitimar programas de esterilização e assassinato em massa. Os decretos viriam sempre acompanhados de intensas campanhas de propaganda, das quais faziam parte as condecorações com a Cruz de Honra das Mães Alemãs. Quando os soldados de Hitler amargaram as primeiras derrotas no front soviético, em 1941, quase 5 milhões de cruzes já haviam sido distribuídas.

Este texto é parte da revista Nazismo – Série Grandes Mistérios, publicada pela SUPER em abril de 2013.  

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