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Por dentro da Cientologia

Viagens espaciais, aliens, poderes paranormais, brigas na Justiça e muito dinheiro. Como a religião criada por um escritor de ficção científica conquistou estrelas de Hollywood e deu origem a um império de R$ 800 milhões

Por Rafael Tonon
Atualizado em 9 Maio 2019, 14h12 - Publicado em 30 jun 2008, 22h00

75 milhões de anos atrás, o Universo estava superlotado. Para resolver o problema, o imperador galático Xenu decidiu apelar para o genocídio. Fez trilhões de prisioneiros, trouxe-os até a Terra em naves espaciais e jogou bombas atômicas para acabar com todo mundo. Só que as almas desses seres, chamados thetans, ficaram vagando por aqui até encarnar nos primeiros Homo sapiens. E esse é o motivo de todos os conflitos e angústias da humanidade. Parece um roteiro de filme B, mas é o fundamento de uma religião: a cientologia, que ficou famosa nos EUA como “seita das celebridades”. Com o astro Tom Cruise na função de vice-líder, a seita tem ou já teve como adeptos, entre outros, as atrizes Juliette Lewis, Nicole Kidman e Nancy Cartwright (que faz a voz do personagem Bart Simpson), os atores Will Smith, John Travolta e Christopher Reeve, o cantor Beck e até o comediante Jerry Seinfeld – que, mesmo ironizando a cientologia em sua série de TV, admitiu ter feito cursos ministrados pela seita. Por trás de todo esse glamour, existe um lado sombrio. Acusações de corrupção, lavagem cerebral, conspirações contra dissidentes e uma briga feroz contra a internet (os ensinamentos da cientologia são secretos, e a seita faz de tudo para evitar que caiam na web). Mas como uma religião tão estranha conseguiu construir um império de R$ 800 milhões, que diz ter adeptos em 156 países? O que realmente acontece nos cultos da cientologia? E por que ela faz tanto sucesso em Hollywood?

A seita começou a tomar forma em 1950, quando Lafayette Ron Hubbard publicou o livro Dianética – A Ciência Moderna da Saúde Mental. A obra inaugurou o ramo editorial da auto-ajuda, foi um grande sucesso de vendas e fez a fama de Hubbard. O livro diz que o homem é um ser imortal e que o caminho para a felicidade está em apagar da memória as experiências negativas (chamadas de “engramas”) que encontra durante a vida. “A mente armazena todas as coisas ruins que aconteceram a uma pessoa para, mais tarde, lançá-las novamente sobre ela, gerando as neuroses, psicoses e excentricidades de personalidade”, escreveu Hubbard. No livro, o autor anuncia a descoberta do que ele chama de mente reativa, uma parte do cérebro que age abaixo do nível da consciência, influenciando nossos medos, inseguranças e comportamentos irracionais. Nosso sofrimento é causado por essa mente reativa, e eliminando a dor dessa área podemos ficar mais inteligentes e viver melhor.

Hubbard ganhou um bom dinheiro com o livro, mas não estava satisfeito. Ele queria ficar muito rico. Num encontro de escritores de ficção científica, soltou a seguinte frase: “Se você deseja se tornar milionário, a maneira mais rápida de isso acontecer é fundar sua própria religião”. Elementar. Em 1954 foi inaugurada a primeira igreja da cientologia, na Califórnia, com o dinheiro já ocupando um papel central: era preciso pagar para entrar na seita, e quem trouxesse novos adeptos ganhava uma comissão de 10% sobre tudo o que eles gastassem com a cientologia. Logo em seguida, começou a busca de gente famosa. Hubbard acreditava, com razão, que o envolvimento delas poderia trazer credibilidade e novos fiéis. Em 1955, ele instituiu o Projeto Celebridade, que orientava seus seguidores a recrutar estrelas do showbiz e dos esportes.

A cientologia começou a dar cursos gratuitos aos famosos e construiu os Celebrity Centers, centros de estudo que só os vips poderiam freqüentar. A seita pegou entre os famosos porque, além de assediá-los, também apela para a vaidade. Ela não tem uma divindade superior e acredita que cada indivíduo pode se tornar seu próprio deus. “A cientologia diz que, quanto mais os thetans são exorcizados do corpo, mais você se torna você mesmo. É um credo egocêntrico, e por isso os atores gostam dele”, diz Peter Alexander, ex-diretor da Universal Studios e ex-integrante da seita.

Os cientologistas fazem encontros e congressos, mas não rezam. A principal atividade da seita está nas chamadas auditorias. Elas são sessões de terapia em que o fiel conta episódios dolorosos de sua vida a um auditor, que é um cientólogo mais graduado. A seita acredita que falar sobre acontecimentos desagradáveis ajuda a pessoa a limpar sua mente, aliviando a angústia. Até aí, nada muito diferente de uma sessão de psicanálise ou de confissão católica.

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Só que a cientologia promete, como seu próprio nome sugere, um fundamento científico. Para acelerar o processo de limpeza, ela criou e utiliza um aparelho conhecido como eletropsicômetro (ou E-meter, em inglês). O fiel segura duas barras de ferro, que conduzem uma corrente elétrica imperceptível. Enquanto ele responde a perguntas sobre sua vida (do tipo “você já prejudicou alguém intencionalmente?”), o aparelho mede a chamada resposta galvânica, ou seja, a resistência que a pele impõe à passagem da corrente elétrica. Essa resistência muda em situações de estresse, o que supostamente permite inferir se a pessoa está mentindo. É o mesmo princípio empregado no polígrafo. O auditor usa essas informações para identificar quais assuntos merecem ser aprofundados durante as sessões.

Tudo isso, é claro, custa dinheiro. Ao todo, acredita-se que seja preciso gastar mais de US$ 500 mil para chegar aos níveis mais avançados da seita – em que o fiel supostamente adquire poderes paranormais, como a capacidade de mover objetos com a força da mente e se comunicar de forma telepática. Quando chega a hora de conhecer os ensinamentos mais secretos da cientologia, os adeptos passam por um verdadeiro ritual. Recebem um dossiê e uma chave para entrar numa sala secreta onde podem ler, em um papel escrito pelo próprio Hubbard, a suposta verdade sobre a origem do homem (a história sobre Xenu e os thetans). Mas, antes de ler esse texto, são avisados: estão sujeitos a multas e processos caso revelem as informações. Afinal, se a cientologia cobra caro para revelar seus ensinamentos, é fundamental mantê-los em segredo.

Teoria da conspiração

No final dos anos 60, Hubbard criou uma força-tarefa para combater o vazamento de informações e intimidar os críticos da cientologia. Sua doutrina de defesa ficou conhecida como fair game (“jogo justo”, em inglês), mas de justa não tem nada. Vale tudo para proteger a seita: fazer ameaças de morte, forjar documentos, caluniar seus inimigos (principalmente acusando-os de crimes sexuais). Para Hubbard, era aceitável mentir para defender a seita. O próprio filho de Hubbard, Ronald DeWolf, declarou certa vez: “Ele é um dos maiores trapaceiros do século”. A escritora Paulette Cooper foi a primeira a sentir a ira dos cientólogos. Depois de lançar o livro The Scandal of Scientology, que acusa a seita de enganar os fiéis, ela sofreu 19 processos por calúnia, foi vítima de uma tentativa de assassinato e acabou indo para a cadeia por causa dos cientologistas, que forjaram ameaças de bomba atribuídas a Cooper. A escritora ficou 6 anos atrás das grades e só foi solta quando, em 1977, o FBI fez uma batida nos escritórios da cientologia e encontrou documentos provando que tudo havia sido uma conspiração. No início da década de 1980, 11 cientologistas do alto escalão, incluindo a esposa do guru Hubbard, foram presos e acusados de ter instalado escutas clandestinas em mais de 100 empresas e escritórios do governo.

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Não foi a primeira nem a última vez que isso aconteceu. Não é raro ler, na imprensa dos EUA, histórias sobre a infiltração de membros da cientologia em agências governamentais, jornais, associações psiquiátricas e todo tipo de organização considerada inimiga dos cientólogos. “É provavelmente a seita mais inescrupulosa, terrorista, litigiosa e lucrativa que já existiu”, criticou, em uma reportagem da revista Time, Cynthia Kisser, representante da Cult Awareness Network, entidade que ajuda vítimas de seitas religiosas nos EUA. Por falar na Time, a revista também foi processada pelos cientólogos, que pediram uma indenização de US$ 415 milhões. O caso foi anulado pela Justiça, que defendeu a liberdade de expressão da revista.

Pelos poderes de Xenu

Os materiais sagrados da cientologia foram parar onde ela mais temia: a internet. No começo deste ano, ex-adeptos da seita publicaram na rede centenas de páginas de documentos e um vídeo de treinamento cientológico estrelado pelo ator Tom Cruise (adepto da cientologia desde 1986). Os cientólogos contrataram um batalhão de advogados e gastaram mais de US$ 1,5 milhão para tentar tirar da web as informações secretas. A princípio, deu certo: o vídeo sumiu do YouTube. Mas isso despertou a fúria de alguns hackers, que recolocaram o vídeo na rede e formaram um grupo que promete revelar os segredos da cientologia: o Anonymous (“Anônimos”, em inglês). “Nós queremos provar que eles não podem mandar na internet”, diz um suposto integrante do grupo. Os cientólogos ameaçaram processar os hackers por intolerância religiosa. Mas como combater pessoas que você não sabe quem são? Nem com a ajuda do lorde Xenu. A cientologia perdeu a batalha.

A seita, que chegou a ser banida da Alemanha, da Inglaterra, da Espanha, da França e da Austrália, chegou ao Brasil em 1994. Ela possui dois centros em São Paulo e um em Jundiaí, no interior do estado. Segundo os cientólogos, já foram vendidos no Brasil cerca de 15 mil exemplares dos livros de Hubbard. “Esse número vem aumentando todos os anos”, afirma Simone Rocha Volpe, da Associação Brasileira de Dianética, espécie de sucursal brasileira da cientologia. Ela nega todas as acusações contra a seita e insinua que os inimigos da cientologia são malucos. “Há certas características mentais, presentes em 20% da população, que fazem as pessoas se opor violentamente a qualquer atividade de melhoramento [espiritual]”, afirma Volpe.

Mas a religião das celebridades ainda é bem pequena por aqui, com poucas centenas de adeptos. Por isso, há quem acredite que a cientologia é superestimada pela mídia. “Ela não tem impacto no Brasil, nem nos EUA, como religião. É uma doutrina sem qualquer inserção cultural ou histórica”, diz Eliane Moura da Silva, professora de história da religião da Unicamp. Seja como for, a cientologia certamente mexe com a cabeça de seus adeptos. Como o próprio Tom Cruise, que tem agido de forma estranha – durante uma entrevista, chegou a pular no sofá da apresentadora Oprah Winfrey e fez declarações comparando a psiquiatria ao nazismo. Isso deu margem a especulações sobre a sanidade mental do ator, mas dentro da seita a repercussão não poderia ter sido melhor: os cientólogos ficaram tão empolgados que alguns chegaram a aventar uma hipótese inacreditável – a filha que o ator teve com sua atual mulher, a atriz Katie Holmes, poderia ser um instrumento para que L. Ron Hubbard, morto em 1986, reencarnasse depois duma jornada de 20 anos pela galáxia. Os cientologistas que acreditam nisso dizem que a reencarnação de Hubbard seria a maior viagem de todos os tempos. Não há como discordar.

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