O amarelo usado por Van Gogh era feito com urina de vacas desnutridas
Conheça a história do amarelo indiano, que tinha um forte cheiro de amônia e era vendido por uma fortuna na Europa até o começo do século 20.
Este é o quarto texto da série “Azul, amarelo e veneno também”, que conta a história dos pigmentos antes da invenção de cores sintéticas. Leia o terceiro texto, sobre o marrom-múmia, aqui.
Amarelo não era uma cor difícil de se conseguir na Europa do século 18 – pelo menos dois pigmentos ocre de origem mineral eram usados por artistas da época. Mas nenhum tinha o brilho intenso do amarelo indiano sob o Sol.
Ele era utilizado em pinturas do crepúsculo, naturezas-mortas e, principalmente, para representar tons de pele mais escuros. Quando misturado com pigmentos marrons, essa tinta retratava adequadamente a tez dos nativos das colônias britânicas no sul da Ásia.
E era de lá mesmo que ela vinha. Embora fosse fabricado na zona rural de Bihar, no nordeste da Índia, esse pigmento mostarda com cheiro de amônia era quase todo exportado para a Europa, onde custava uma fortuna em relação aos preços módicos praticados no entreposto comercial de Calcutá.
O amarelo brilhante era feito com o xixi de vacas que só se alimentavam de folhas do pé de manga. Embora haja controvérsia em torno do método exato de produção do pigmento, há evidências científicas razoáveis de que a urina era coletada em potes de barro, fervida, filtrada e transformada em bolas, secadas à luz do Sol e depois no fogo. Um conhecido relato do funcionário público Trailokya Nath Mukharji, que subiu o rio Ganges atrás da origem do produto e encontrou os fabricantes, reforça essa versão.
Essa trabalheira é só o começo do problema. Acontece que vaca é um animal sagrado para o hinduísmo. E você pode imaginar que a dieta exclusiva de folhas de manga não era muito saudável para essas divindades: os animais ficavam desnutridos e viviam cerca de dois anos. Assim, os produtores passaram a ser desprezados pela vizinhança.
Embora a origem do pigmento seja controversa, tudo indica que ele surgiu na Pérsia e foi introduzido na Índia por volta de 1400. Naquela época, ele era utilizado principalmente por trabalhadores de ofício para tingir roupas e paredes. O pessoal das belas-artes não costumava empregar o pigmento por considerá-lo fedido.
A produção em escala na Índia só começou após a colonização. O país exportava 6,8 toneladas de bolotas amarelas por ano durante o século 18. Os produtores recebiam cem ou duzentas vezes menos do que a grana obtida com a exportação.
O governo britânico foi banindo o amarelo indiano informalmente no começo do século 20 (não há evidências de um suposto decreto de proibição assinado em 1908, ainda que essa história circule). Em 1921, não era mais possível comprá-lo na Europa. As razões são nebulosas até hoje, mas passaram pela necessidade dos britânicos de demonstrar alguma preocupação com bem-estar animal e respeito às tradições locais: na época, a agitação contra os colonizadores era crescente.