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O caçador de tesouros

A costa brasileira tem alguns dos mais valiosos naufrágios do mundo. Só em um navio estariam 4 toneladas de ouro. Denis Albanese comanda a expedição que quer resgatar fortunas como essa.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h22 - Publicado em 31 jul 2006, 22h00

Marcelo Bortoloti

Há 30 anos, Denis Albanese fez fama entre os caçadores de tesouros submarinos ao encontrar o Vacama, um navio naufragado no litoral de Búzios que era alvo de expedições inglesas e alemãs. Para localizar o barco, contou com a ajuda de um único assistente – um pescador da região. Hoje ele trabalha com um pouco mais de tecnologia. Sua empresa, a Salvanav, gasta até 3 milhões de reais num único projeto e conta com o apoio logístico dos maiores especialistas na área, como os americanos da Odyssey Marine Exploration. Mas o custo compensa. A Salvanav detém os dois principais projetos de resgate de naufrágios na costa brasileira atualmente em curso: os galeões Rainha dos Anjos e Santa Rosa – este último, possivelmente dono da maior carga mundial de ouro perdida no mar.

Em uma bela cobertura de frente para o mar no Leblon, no Rio, Albanese leva uma vida tranqüila, mas garante que nunca conseguiu ficar rico com essa caça a tesouros submersos. Para ele, a imprensa é que “colore demais” sua atividade. “Não precisa fazer sensacionalismo: é sensacional”, diz.

P. A costa brasileira é rica em navios naufragados?

R. É rica porque o Brasil estava em uma rota colonial importante. Fosse em viagens da Europa para cá ou da Europa para a Índia, todas as embarcações passavam por aqui nos séculos 17 e 18. Como na época não havia muitas cartas de navegação, muitos navios afundavam. Os que naufragaram aqui eram, em sua maioria, navios comerciais.

E como encontrá-los?

A pesquisa histórica representa 80% do trabalho. Catalogamos informações sobre cerca de 650 navios naufragados na costa brasileira. Sobre alguns temos apenas notícias de jornais da época informando que a embarcação não chegou ao destino – e não sabemos mais nada, onde afundou ou o que tinha a bordo. Outra dificuldade é que a maioria dos arquivos portugueses foi perdida no incêndio de Lisboa, em 1755. Mas nos arquivos espanhóis, franceses e ingleses dá para encontrar todas as informações náuticas desde o século 16.

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Alguns estudiosos dizem que a carga dos navios deveria permanecer submersa, para preservar o patrimônio histórico. Você concorda?

Isso é uma besteira. O mar está ficando cada vez mais ácido com as saídas de esgoto e assim as cargas submersas se deterioram rapidamente. Daqui a 50 ou 100 anos, tudo pode sumir. Então acho que o melhor é retirar e colocar em museus, para todo mundo ver, como se faz no mundo inteiro.

Como é feito o trabalho de resgate?

Pesquisamos na superfície com um magnetômetro, aparelho que mostra grandes massas metálicas assentadas no fundo do mar. Âncoras, balas de canhão e aglomerações atípicas provocam uma pequena deformação do campo magnético. Depois, é preciso saber como conservar os achados antes de retirá-los. Eles devem ficar dentro d’água por algum tempo. Um objeto submerso há 300 anos que é colocado diretamente em contato com o ar resseca e some em poucos meses. Canhões de ferro e porcelanas desaparecem. Para evitar problemas assim, fazemos um processo de dessalinização em que mantemos o material recuperado num recipiente com água salgada. Durante semanas injetamos água doce cuidadosamente até que os sais impregnados sejam removidos.

A escolha do navio a ser resgatado depende do valor da carga?

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Empresas como a nossa encontram um patrocinador e trabalham ao lado da Marinha e de arqueólogos para fazer algo decente pelo patrimônio histórico e, evidentemente, encontrar riquezas para pagar os investimentos. Temos um projeto de resgate do navio Santa Rosa, por exemplo, que está há 4 mil metros de profundidade no Nordeste. É mais fundo do que o Titanic e não sabemos o ponto exato do naufrágio – são mais de 5 mil quilômetros quadrados que precisam ser varridos metro a metro. É necessário trabalhar com robôs, navios e gastar milhões. É um capital de risco que as pessoas não vão aplicar para perder.

Dizem que o Santa Rosa guarda um dos tesouros mais cobiçados do mundo.

Ele é realmente um dos poucos grandes tesouros do mar que existem até hoje. A grande diferença para outros navios encontrados na região é que o carregamento das outras embarcações era somente de prata. O Santa Rosa só tem ouro.

Quanto?

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Entre 1700 e 1760 foram enviadas cerca de 1 000 toneladas de ouro do Brasil para Portugal. Dessa época, o Santa Rosa é o único navio luso afundado. Há quem insista que pode haver 1 bilhão de dólares lá. Não é verdade. Acho que encontraremos apenas o equivalente em ouro a 100 milhões ou 120 milhões de dólares. Isso se conseguirmos encontrá-lo, se der para retirar tudo, se conseguirmos vender bem.

Qual foi seu primeiro resgate?

Foi o Vacama, um navio alemão que supostamente trazia bens de nazistas em fuga quando tentou furar um bloqueio marítimo inglês. O barco foi perseguido e acabou afundado por um destróier na região de Búzios. Quando comecei a me interessar por esse naufrágio muita gente já estava de olho nele. Mas nunca conseguiram achar nada. Foi quando um amigo me contou sobre um pescador que ia uma vez por mês à região do naufrágio porque lá havia muito peixe. Eu decidi levar esse pescador como assistente. Achamos o navio no primeiro dia, em 1h15 de pesquisa. Um sucesso. Mas quando a embaixada alemã ficou sabendo da descoberta, exigiu a posse do navio alegando que havia um tesouro secreto da 2ª Guerra escondido nele. Houve até uma pequena crise diplomática, mas conseguimos da Marinha a liberação para explorar o barco. Dois dias depois, o presidente da maior companhia de salvamento do mundo me ligou para vir ajudar. Eles vieram com um navio, mas não conseguimos tirar nada.

Você já encontrou grandes tesouros?

Quando cheguei à baía de Todos os Santos, na Bahia, na década de 1980, tinha autorização para explorar quase toda a área. Cerca de 5 navios já haviam sido descobertos pelos mergulhadores locais, que retiraram todos os canhões de bronze e venderam. Mas eles não sabiam que as cargas continuavam lá, enterradas. Encontramos muita coisa ali. Há casos de resgates milionários, mas eu mesmo não ganhei muito dinheiro. Do Central América, por exemplo, naufragado nos EUA, foram retirados 150 milhões de dólares. Recentemente, parceiros nossos retiraram 60 milhões de dólares do Republic, também nos EUA.

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O navio Rainha dos Anjos, naufragado na baía de Guanabara, será resgatado?

O Rainha é um navio do século 18 que vinha da China com presentes do imperador para o papa e o rei de Portugal, e que explodiu aqui no Porto do Rio. Sabemos que o naufrágio está numa região bem pequena, de 1 milha quadrada (o equivalente a 2,5 km2). Mesmo assim, é bastante difícil encontrá-lo, porque são 300 anos numa área portuária. São centenas de milhares de navios que passaram por ali e jogaram coisas no fundo do mar. Aconteceram batalhas naquela região e outros navios afundaram. Além disso, o fundo está cheio de esgoto que sai da Praça 15. A água é nojenta, a visibilidade pequena e temos de trabalhar com roupas especiais para não pegar doenças. Tem até uma locomotiva afundada nessa região – ela estava sendo transportada por um navio que virou – além de carros, âncoras, sujeira e metros de lama e de lodo.

Como achar um navio nessas condições?

Sabemos que o navio explodiu e que tinha 55 canhões de 2 ou 3 toneladas. Eu já trabalhei com dois navios explodidos, e aprendi que os canhões se espalham a uma certa distância. Então, uma das maneiras é encontrar a posição dos canhões. Além disso, o Rainha vinha com 150 mil peças de porcelana. Com a explosão, uma parte foi quebrada e produziu milhares de cacos. Então, se nós encontrarmos uma quantidade grande de cacos saberemos que estamos perto. Temos 4 meses para realizar uma pesquisa com instrumentos, utilizando sonares de baixa freqüência para varrer o fundo e retirar algumas amostras. Se descobrirmos o navio, a retirada das peças leva mais uns 9 meses. No entanto, se depois de 4 meses não encontrarmos nada, o projeto morre. Pretendemos começar essa exploração ainda no 2º semestre deste ano.

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Os náufragos no Brasil

Santa Clara

Levava ouro e prata de Portugal para a Índia, em 1573. Naufragou ao fazer escala no Brasil.

Onde está: Próximo a Arembepe, na Bahia.

Quanto tem: Não existe valor estimado. Segundo relatos da época, tripulantes morreram afogados tentando nadar até a praia com os bolsos cheios de ouro.

Rainha dos Anjos

Naufragou em 1722, vindo de Macau. Trazia presentes da corte chinesa para o papa e o rei de Portugal.

Onde está: Na baía de Guanabara, no Rio.

Quanto tem: Cerca de 450 mil dólares em peças. São 128 vasos de porcelana e 136 raríssimos vasos de vidro de Pequim.

Santa Rosa

Explodiu em 1726 levando um quarto da produção anual de ouro do Brasil. É um dos mais ricos naufrágios do mundo ainda não localizados.

Onde está: Em algum lugar no litoral pernambucano.

Quanto tem: Estima-se que a carga teria cerca de 4 toneladas de ouro.

Prince

Navio francês, viajava com destino à Índia. Afundou em 1752.

Onde está: Entre Pernambuco e Rio Grande do Norte. Uma segunda versão dá conta de que estaria próximo da ilha da Ascensão, no meio do Atlântico.

Quanto tem: A carga em ouro é avaliada em 5 milhões de libras.

Madagascar

Navio inglês, afundou em 1853 quando voltava da Austrália.

Onde está: Próximo a Bragança, no Pará. Mas alguns estudiosos acreditam que ele possa estar no lado oposto do Brasil, na costa gaúcha.

Quanto tem: Acredita-se que o navio transportava 1020 toneladas de ouro.

Denis Albanese

• Sua empresa é detentora dos dois principais projetos de resgate de navios naufragados na costa brasileira.

• Completou 74 anos, mas não aparenta ter mais do que 60.

• É francês e veio ao Brasil pela primeira vez de carona num veleiro. A viagem durou quase um ano.

• Trabalhou 20 anos como fotógrafo. Foi o único a registrar imagens de Brigitte Bardot (de quem ficou amigo), quando ela veio ao Brasil nos anos 60.

• Começou a carreira de mergulhador procurando ânforas no Mediterrâneo.

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