O cirurgião que amputava pernas em 30 segundos
A rapidez de Robert Liston era uma necessidade humanitária em uma época sem anestesias eficazes. Entenda o agonizante mundo das cirurgias no século 19.
Dois minutos e meio. Esse era o tempo que Robert Liston demorava para amputar a perna de um paciente. Se o corte fosse apenas do joelho para baixo, o cirurgião encerrava o procedimento em 30 segundos.
Nascido em 1794, na Escócia, Liston era um prodígio. Começou a estudar medicina aos 14 anos e, aos 22, já dava aulas de anatomia. Suas cirurgias express, por vezes feitas em anfiteatros, costumavam reunir dezenas de pessoas, entre estudantes, outros professores e curiosos. “Marquem o tempo, senhores”, era o que costumava dizer antes de passar a faca em alguém.
Liston não era um cara exibido. Na verdade, sua rapidez para cortar tecidos e serrar ossos era uma necessidade humanitária. Afinal, não havia anestesias eficazes nem meios de minimizar o sangramento. A cirurgia era o último recurso para tratar alguém – e muitos preferiam aguentar tumores e membros gangrenados a encarar a agonia da mesa de operação.
Por séculos, medicina e cirurgia foram carreiras distintas. Os médicos iam à universidade e estudavam química, fisiologia e anatomia. Atendiam pacientes e receitavam fármacos, mas não colocavam a mão na massa. Essa era a função dos cirurgiões: trabalhadores braçais, cujo conhecimento era transmitido de mestre para aprendiz. Eram pobres e, não raro, analfabetos. Manejar um bisturi estava longe de ser algo cobiçado.
Na época de Liston, esse arranjo começou a mudar. Em 1800, na Inglaterra, nasceu a Real Academia de Cirurgiões, que ajudou a regulamentar a profissão. O instituto exigia seis anos de estudo para obter o diploma. Isso desencadeou o surgimento de vários hospitais-escola, como o University College Hospital, em Londres, do qual Liston foi um dos primeiros professores.
Robert tinha 1,90 m de altura, era forte e guardava os bisturis sob a manga, para mantê-los aquecidos. Ele construiu a própria faca de amputação, composta por uma lâmina mais comprida que a média e um cabo de madeira com pequenos entalhes (um para cada cirurgia feita). Liston não gostava de usar muitos equipamentos de uma vez – preferia pegar em artérias e nacos de pele com as mãos. A faca? Ele a segurava com a boca.
A velocidade de Liston, por vezes, causava acidentes. Certa vez, ao amputar uma perna, ele acabou cortando também um dos testículos do paciente.
Em outra amputação, o médico arrancou sem querer dois dedos do aluno que segurava a perna do enfermo. Nessa mesma cirurgia, Liston, ao trocar rapidamente de instrumentos, rasgou o paletó de um espectador que acompanhava o procedimento de perto. O coitado achou que havia sido esfaqueado e morreu com o choque. O paciente e o estudante também bateram as botas dias depois, por infecções. Liston matou três pessoas de uma só vez, na melhor das intenções.
Essa é a história mais famosa sobre o gênio açougueiro – mas faltam registros para cravar se ela aconteceu de fato. Liston colecionou desafetos ao longo da carreira: ele costumava gritar com alunos e discutir com outros professores. É provável que o incidente tenha sido aumentado ou inventado para manchar sua imagem.
Mas apesar do temperamento difícil, Liston era atencioso com seus pacientes. Aceitava casos considerados intratáveis e remarcava cirurgias se a pessoa estivesse com muito medo. O suposto caso das três mortes não reflete os êxitos de sua carreira: apenas um em cada dez procedimentos de Robert terminavam em morte. Com outros cirurgiões, essa média era de um em cada quatro.
Liston inventou ferramentas usadas até hoje, como a pinça bulldog (que serve sobretudo para segurar veias e artérias e controlar o fluxo sanguíneo) e uma tala de perna para fraturas no fêmur. Em 1846, foi escolhido para realizar a primeira cirurgia com anestésicos modernos na Inglaterra. Só não viveu o suficiente para acompanhar essa revolução: morreu um ano depois, em 1847, vítima de um aneurisma.