O estupro da Alemanha
As agressões sexuais se tornaram rotina assim que os soldados soviéticos chegaram. Mas Aliados ocidentais também cometeram atrocidades contra as “inimigas”.
Em maio de 1945, Berlim estava em ruínas. Com ruas e edifícios no chão, o fornecimento de energia elétrica e de água era irregular e não havia comércio ativo. Para comer, era preciso recorrer ao mercado negro. A população tinha despencado de 4,3 milhões para 2,8 milhões. Havia pouquíssimos homens adultos na cidade – estavam presos pelos Aliados ou mortos, para sempre esquecidos numa vala ou em campo aberto.
As vivas pagaram pelos crimes dos mortos. As mulheres se tornaram alvo dos soldados soviéticos que tomaram a capital alemã. Os estupros em massa aconteciam principalmente à noite, e as vítimas podiam ser adolescentes, adultas ou idosas. Muitos dos soldados que agrediam sexualmente as moradoras da cidade diziam que já tinham visto soldados alemães fazerem o mesmo em suas terras. Nem sempre era por meio de violência: aceitar ser abusada por um único soldado, que garantisse proteção e fornecesse comida, aumentava as chances de sobrevivência e reduzia os riscos de sofrer estupros coletivos.
Esse foi o cenário retratado pela jornalista alemã Marta Hillers em suas memórias. Batizado Uma Mulher em Berlim, o livro provocou escândalo ao ser publicado, anonimamente, nos Estados Unidos em 1954 e na Alemanha em 1959. O nome da autora só foi apontado por uma editora que trabalhou na republicação em 2003, dois anos depois da morte de Marta.
A situação que ela descreveu é coerente com outros relatos, que vieram à tona, devagar, com o passar dos anos – a jornalista conta em seu livro que, num primeiro momento, na medida em que os homens voltaram a Berlim, suas esposas, filhas e mães optaram por manter silêncio sobre os estupros. Gabriele Köpp, por exemplo, foi atacada por 14 dias consecutivos, quando tinha 15 anos, e só ao completar 80 anos lançou um livro (Warum war ich bloss ein Mädchen?, alemão para “Por Que eu Tinha que Ser uma Garota?”).
Os registros do oficial soviético Vladimir Gelfand, que manteve um diário desde 1941, corroboram a versão das mulheres alemãs, ainda que o governo russo negue ainda hoje que os ataques tenham se tornado rotina na região ocupada.
Prática disseminada
Os ataques foram constantes nos três anos que se seguiram à ocupação, até que a situação se estabilizou e os militares dos Aliados passaram a agir a partir de postos isolados. A situação na capital alemã foi especialmente dramática, mas o fato é que militares do Eixo e dos Aliados estupraram mulheres por onde passaram.
Ao longo de todo o caminho da França até a Alemanha e a Áustria, grupos de militares americanos, britânicos, australianos, canadenses e franceses (esses em particular, por raiva da ocupação alemã) se reuniam para invadir casas e realizar estupros coletivos, a ponto de o comando do Exército dos Estados Unidos divulgar um lema eufemístico, que dava a entender que o sexo com as estrangeiras não estava sendo voluntário: “copular sem conversar não é fraternizar”.
E há os brasileiros. Dez casos foram relatados na campanha da FEB. O mais horrendo e notório envolvendo os soldados gaúchos Adão Damasceno Paz e Luiz Bernardo de Morais. Em 9 de janeiro de 1945, eles perseguiram pela rua Giovanna Margelli, de 15 anos. Beberam vinho na cidade e, segundo disseram, foram convidados a entrar na casa à noite. À mesa com a família, Adão sugeriu “pegar a mulher no escuro” e atirou na lamparina. Giovanna foi agarrada e o resto da famíla fugiu. Luiz Bernardo se postou à porta armado enquanto Adão cometia o estupro. Quando um tio da adolescente se aproximou, Luiz o matou a tiros. Então se revezaram. Num tribunal militar, Paz e Morais foram condenados à morte – pelo assassinato do tio, não pelo estupro. O clima na volta da FEB, porém, era de celebração e eles seriam o único caso de execução no Brasil desde o Império. Vargas decidiu dar indulto a eles.