O herói com raízes
Não é. Com beleza e rigor, Tolstói oferece um quadro cinematográfico na história do líder de um clã na Chechênia que, audaz como um diabo, desafiou o poder russo.
Leandro Sarmatz
Nove entre dez jornalistas que comentaram os conflitos russos na Chechênia, em 2000, não tinham a menor referência histórica sobre as origens da contenda. Se tivessem lido a novela (120 páginas que descem macio) Khadji-Murát (Cultrix), de Leon Tolstói, saberiam que aquele ponto no Cáucaso é objeto da cupidez russa há um bom tempo. E que por ali resiste, há centenas de anos, um povo cioso de suas origens e cumpridor do Alcorão.
Resumindo assim, Khadji-Murát parece mais uma dessas histórias de “terra e sangue” comuns na literatura do Leste Europeu, e que vêm alimentando a imaginação e a indignação de escritores há séculos. Não é. Com beleza e rigor, Tolstói oferece um quadro cinematográfico na história do líder de um clã na Chechênia que, audaz como um diabo, desafiou o poder russo.
Mais do que um guia informativo sobre uma região que costuma aparecer no noticiário internacional, Khadji-Murát é um desses prodígios de que apenas os mestres são capazes. Longe dos grandes panoramas traçados em Guerra e Paz, Tolstói faz da brevidade um exercício de força e poesia. Os mesmos elementos do cardo tártaro, planta que faz parte da gênese do texto. Conta-se que um dia, andando por sua propriedade, Tolstói se deparou com uma planta cuja flor chamou-lhe a atenção. Tentou puxá-la, mas não conseguiu. Depois de muito esforço, arrancou-a com raiz e tudo. É essa força, que vai até o fundo, o maior traço do herói desse livro singular.