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O incrível sequestro de Charles Elbrick

Há 25 anos, o embaixador americano no Brasil, Charles Elbrick, era capturado por militantes da luta armada no Rio de Janeiro. Até aquele dia, o mundo contemporâneo nunca havia visto o sequestro de um diplomata por motivos políticos.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h21 - Publicado em 31 ago 1994, 22h00

Eugênio Bucci, Marcelo Affini

Biografias dos seqüestradores

Charles Burke Elbrick passava em seu Cadillac pela rua Marques, no bairro de Botafogo, quando aconteceu. O embaixador do país mais poderoso do mundo caiu nas mãos de jovens estudantes. Era o dia 4 de setembro de 1969. Pela primeira vez, um diplomata virava refém da guerrilha (um ano antes, em agosto de 1968, um colega de Elbrick, John Gordon Mein, havia morrido na Guatemala ao reagir a uma tentativa de seqüestro). Os 12 seqüestradores trocaram o embaixador por 15 presos políticos , que aterrissaram no México na manhã de Domingo, dia 7 de setembro. Às 18h30 do mesmo Domingo, o embaixador foi libertado.

Para contar esse episódio que ainda nâo faz parte dos livros escolares, SUPERINTERESSANTE entrevistou 8 dos 12 seqüestradores: Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, Cid Queiroz Benjamin, Sérgio Rubens de Araújo Torres, Vera Sílvia Araújo de Magalhães, João Lopes Salgado, Franklin de Souza Martins, Paulo de Tarso e Fernando Gabeira. Dos outros quatro, Virgílio Gomes da Silva, Joaquim Câmara Ferreira e José Sebastião Rios de Moura estão mortos. Cláudio Torres da Silva se recusou a dar entrevista.

A captura depois do almoço

Era para ser de manhã, mas Charles Elbrick atrasou

A tocaia

4 de setembro, 5ª feira, 9 horas da manhã, bairro de Botafogo, Rio de Janeiro. Um grupo de 12 pessoas toma suas posições.

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1 – José Sebastião Rios de Moura fica de sentinela no Largo dos Leões, início da Rua São Clemente, esquina com a Conde de Irajá. A ele cabe fazer o sinal — levantar um jornal — quando avistar o Cadillac de Elbrick.

2 – De olho em José Sebastião, do outro lado do Largo, na esquina da Rua Marques com a Humaitá, João Lopes Salgado e Vera Sílvia de Araújo Magalhães esperam encostados num Fusca vermelho-grená.

3 – Mais abaixo, estacionado na Rua Marques, um outro Fusca, azul, tem Cid Benjamin ao volante e Franklin Martins no banco de passageiros.

4 – A pé, nas calçadas da Rua Marques, quatro homens: Paulo de Tarso Venceslau e Cláudio Torres, do lado esquerdo; Virgílio Gomes da Silva e Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, do direito.

A seis quadras dali, na Rua Vitório Costa, uma Kombi verde, com Sérgio Rubens de Araújo Torres, está estacionada.

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Por fim, há outros dois: dentro de um sobrado, na Rua Barão de Petrópolis, 1 026, no Bairro de Santa Tereza, Fernando Gabeira e Joaquim Câmara Ferreira aguardam.

A espera

Elbrick costuma passar pela Rua Marques toda manhã, indo de sua casa, na Rua São Clemente, 388, para a embaixada americana, no centro. Mas nesta quinta é diferente. Ele se atrasa.

5 – Por volta das 11h30, dona Elba Souto Maior — casada com o comandante Souto Maior, da Marinha —, que tirou a manhã para receber eventuais compradores para a sua casa na Rua Marques, e que por isso ficou observando o movimento na rua, liga para a polícia. Elba diz que tem gente e carros estranhos por ali. Em poucos minutos, chega um jipe da polícia. Os guardas olham os carros e consultam a central pelo rádio. São Fuscas roubados, mas exibem chapas trocadas, “quentes”, contra as quais não há queixas. Vendo que nada há contra as placas, eles decidem não pedir documentos e vão embora. Sorte dos seqüestradores. Dentro dos Fuscas há bombas caseiras, feitas com latas de leite Ninho, granadas também caseiras, cujos pinos de disparo são peças de freios de bicicleta, revólveres, duas metralhadoras INA, e nenhum documento de automóvel.

O embaixador continua atrasado. Passa do meio-dia quando Virgílio, o “comandante militar” da operação, resolve tomar uma decisão: pausa para almoço. Vera Sílvia e Sebastião Rios tomam lanche na padaria da esquina da Rua Marques com a Humaitá. Os outros vão comer no “Pé Sujo”, um boteco na Rua 19 de Fevereiro. Reassumem suas posições às 14h00.

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O ataque

Faz sol. Às 14h20, um alarme falso. Um carro diplomático cruza a região. Rios vê que não é Elbrick e não faz o gesto combinado. Era o embaixador de Portugal. Não fosse a atenção de Rios e de Vera Sílvia, teria sido atacado por engano pelo resto do grupo.

6 – Às 14h30, aponta o Cadillac preto, modelo 1968, placa CD-3. Rios levanta o jornal.

7 – Quando entra na Rua Marques, o Cadillac é obrigado a parar pelo Fusca azul, que finge manobrar. Imediatamente, o Fusca vermelho, já conduzido por Rios — que corre até ele assim que o embaixador passa — impede que a limusine fuja de marcha a ré.

8 – Os quatro da calçada tomam o carro diplomático de assalto. O automóvel tem vidros a prova de bala, mas estão abertos; trava elétrica, mas está desativada. Elbrick está só com o motorista. O guarda-costas, Jofre Evangelista, não o acompanha. “Be quiet!”, berra Paulo de Tarso, entrando pela porta da direita, da frente, e rendendo o motorista. Tem um 38 na mão. Ao mesmo tempo, arranca os fios do rádio que fazem comunicação com a segurança da embaixada. No volante, fica Cláudio Torres, que tem o cuidado de tomar o quepe do motorista emprestado. Atrás, Virgílio Gomes da Silva se senta à direita de Elbrick e Manoel Cyrillo à esquerda. Ambos armados de revólveres.

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9 – Feita a tomada, os carros arrancam. Os três automóveis dão a volta no quarteirão e pegam a Rua Humaitá. Passando o Largo dos Leões, avançam seis quadras e dobram à direita, na Rua Vitório Costa, onde a Kombi, com Sérgio Rubens na direção, que está esperando, assume a ponta do comboio.

O traslado

10 – Em cinco minutos, o comboio chega à Rua Maria Eugênia, esquina com a Caio de Melo Franco. Pára. Achando que vai ser morto, Elbrick agarra a arma de Virgílio. Manoel Cyrillo desfere uma coronhada na testa do embaixador, que não desmaia mas fica quieto. No banco da frente, o motorista começa a gritar, com forte sotaque: “Schifaisfavoire, não façam mal ao embaixadoire!”.

Era português, embora os seqüestradores apostassem que o motorista seria um superagente americano. Nome: Custódio Abel da Silva. Havia trabalhado com Elbrick em Lisboa e veio com ele para o Brasil.

11 – A Maria Eugênia é praticamente deserta. Um pequeno grupo de operários de uma casa em construção vê o que se passa, sem entender direito. Em 1969, assaltos e seqüestros são cenas bastante incomuns no Rio de Janeiro. Elbrick é transferido para a Kombi, onde é coberto por um tapete. Sérgio Rubens deixa a Kombi e vai embora a pé. Cláudio Torres sai do volante do Cadillac e assume a direção da Kombi.

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12 – O Cadillac é abandonado. No banco traseiro, ficam o motorista portu-guês e um manifesto que, em troca da vida de Elbrick, faz duas exigências: ser publicado nos jornais (o que acontecerá no dia seguinte) e a libertação de 15 presos políticos a serem apontados também no dia seguinte.

13 – Também fica abandonado na rua o Fusca azul, cujos ocupantes são remanejados ou para a Kombi ou para um outro Fusca, bege, que estava ali estacionado, sem ninguém, para ser usado na fuga. Rios assume a direção. Avisada pelo motorista do embaixador, a polícia chega ao local e encontra, dentro do Fusca, uma bomba e um vidro de clorofórmio que serviria para fazer Elbrick dormir. Não foi usado.

A fuga

Os dois Fuscas e a Kombi disparam. Seguem pela avenida Jardim Botânico, atravessam o Túnel Rebouças — que minutos depois seria fechado pela polícia — e, por volta das 14h55, a Kombi se esconde na garagem do sobrado nº 1 026 da Rua Barão de Petrópolis, no bairro de Santa Tereza, onde Fernando Gabeira e Joaquim Câmara Ferreira estão esperando. (Ali também está Antônio de Freitas Silva, o Baiano. Sindicalista, vindo do Nordeste, fugido da repressão, é um hóspede dos guerrilheiros. Mas não tem participação nenhuma no seqüestro). Os dois Fuscas, o vermelho e o bege, dispersam pelo caminho. A Kombi foi encontrada na mesma garagem pela polícia, na noite de 7 de setembro, domingo, horas depois da libertação de Charles Elbrick.

Razões de alto risco

O que levou jovens estudantes a um atentado tão perigoso

Seqüestrar um diplomata é um gesto de violência. Não deve ser justificado mas pode ser compreendido. O Brasil de 1969 era um Estado violento. Só dois partidos políticos tinham autorização para existir: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que apoiava o governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que fazia oposição.

O Ato Institucional nº 5, o AI-5, baixado pelo presidente Arthur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968, era a lei. Suspendeu o Habeas Corpus, instituiu a censura à imprensa, cassou 69 parlamentares e fechou o Congresso Nacional, além de cinco Assembléias Legislativas estaduais e dezenas de Câmaras Municipais. Em 1964, quando os militares tomaram o poder, seis governadores de Estado, dois senadores, 63 deputados federais e cerca de 300 deputados estaduais e vereadores foram cassados.

As universidades sofriam especialmente. Desde seu início, o regime de 64 vinha afastando centenas de professores.

No final de agosto de 1969, tudo piorou ainda mais. O presidente-marechal Costa e Silva, vítima de uma trombose cerebral, ficou incapacitado. Deveria substituí-lo o vice civil, Pedro Aleixo, conforme o que estava disposto na Constituição de 1967 (então em vigor, embora alterada pelo AI-5). Em vez disso, os ministros militares — Aurélio de Lyra Tavares, da Guerra, Augusto Rademaker Grünewald, da Marinha, e Márcio de Souza e Mello, da Aeronáutica— assumiram, num trio, a Presidência da República em 31 de agosto de 1969 e só saíram da cadeira em 30 de outubro, dando o lugar para o general Emílio Garrastazu Medici.

A União Nacional dos Estudantes (UNE) e todas as entidades estudantis do Brasil tinham sido extintas em outubro de 1964, pela Lei Suplicy (do ministro da Educação do Governo Castello Branco, Flávio Suplicy de Lacerda). Por tentar organizá-la, Vladimir Palmeira, do Rio de Janeiro, Luís Travassos e José Dirceu de Oliveira e Silva, ambos de São Paulo, estavam presos desde 1968. Palmeira e Travassos tinham 24 anos e Dirceu, 23. O seqüestro do embaixador americano foi, no princípio, apenas a maneira que militantes do movimento estudantil encontraram para tirar os seus líderes da cadeia.

O esconde-esconde mortal

Os órgãos policiais não sabiam onde Charles Elbrick ficou preso

Tirando a coronhada que tomou na testa, o embaixador americano foi bem tratado. Ficou o tempo todo num quarto de 3 por 2,5 metros no sobrado de 16 cômodos na Rua Barão de Petrópolis, 1 026, no bairro de Santa Tereza (hoje transformada num cortiço).

Dentro do sobrado, encarcerado e carcereiros, sem máscaras, tiveram conversas cordiais. Que foram gravadas. Dois dias depois de terminado o seqüestro, as gravações, guardadas numa kichenette de estudantes da Dissidência, no bairro da Glória, desapareceriam para sempre, caindo nas mãos de policiais. Junto, sumiram documentos secretos sobre a situação no Brasil, que, segundo os seqüestradores, estavam na pasta do embaixador.

Desde o final da tarde de 4 de setembro, dia do seqüestro, o sobrado onde Elbrick ficou cativo passou a ser vigiado. Durante as 24 horas do dia, havia sempre uma perua Rural Willys do Centro de Informações da Marinha (Cenimar), ocupada por seis agentes, a quarenta metros do número 1 026, bem na boca do Túnel Rio Comprido.

Mais de uma vez, ex-integrantes do Cenimar que nunca quiseram se identificar, afirmaram que desde o segundo dia sabiam: aquela era a casa onde estava o refém. Mas o mais provável é que não soubessem com tanta certeza. Apenas suspeitavam, como suspeitavam de muitos outros locais. Não se tem o número exato de quantas outras casas receberam vigilância igual, mas há estimativas de que eram mais de cem, numa operação que mobilizou cerca de 300 viaturas e 5 000 homens das três forças, 4 000 policiais civis e militares e mais quinhentos agentes dos serviços de informações.

A retirada de Charles Elbrick do sobrado foi tensa, mas demonstrou que o governo não tinha tanta certeza assim de seu paradeiro. A escapada dos guerrilheiros, depois de libertado o refém, não teria sido tão fácil como foi, caso o cativeiro de Elbrick fosse realmente conhecido. Tampouco teriam sido detidos, nos quinze dias seguintes à libertação do refém, pelo menos mil suspeitos. Não seria assim se os agentes policiais e militares soubessem quais eram os verdadeiros envolvidos.

A corrida de uma Rural e três Fuscas

Sufoco, tensão e sorte para soltar o refêm no Largo da Segunda-feira

1 – Pouco antes das 6 da tarde do domingo, 7 de setembro, o mesmo Fusca vermelho-grená usado na captura do embaixador chega à Barão de Petrópolis. O motorista, Cid Benjamin, estaciona a poucos metros do Túnel Rio Comprido, fora do campo de visão dos agentes do Cenimar.

2 – Dois minutos depois, outros dois Fuscas, um branco e outro bege — que também tinha participado da captura — param em frente ao sobrado.

3 – João Salgado, Franklin Martins e Manoel Cyrillo entram na casa e saem carregando uma sacola com uma metralhadora INA, bombas e revólveres. Vão para o Fusca vermelho, tendo de passar obrigatoriamente ao lado da Rural Willys.

4 – Nesse instante, saem da casa Cláudio Torres, Fernando Gabeira e Paulo de Tarso Venceslau. Torres toma a direção do Fusca branco. Gabeira senta no banco traseiro e Paulo de Tarso assume o volante do Fusca bege.

Os últimos ocupantes deixam a casa: Virgílio Gomes da Silva, Joaquim Câmara Ferreira e, para espanto dos homens do Cenimar, o embaixador Charles Elbrick. De longe, eles reconhecem o americano de 1,90 metro de altura, usando óculos escuros. Virgílio e Elbrick vão para o Fusca branco, enquanto Joaquim Câmara vai para o bege. Os dois Fuscas arrancam e a Rural Willys parte disparada ao encalço deles. O terceiro Fusca, vermelho, segue a Rural, sem que os agentes do Cenimar o percebam.

5 – Um atrás do outro, os quatro veículos mantêm alta velocidade. Quando entra na Rua da Estrela , a Rural derrapa e seus ocupantes se dão conta do Fusca em sua cola. Já na Rua Aristides Lobo, o Fusca vermelho fica emparelhado com a Rural. Cyrillo aponta a metralhadora para os militares. Virando na primeira rua, os agentes fogem.

Minutos depois, Charles Elbrick, deixado no Largo da Segunda-feira, volta para casa, na Rua São Clemente, de táxi. Levou um presente dos seqüestradores: um livro de poemas de Ho Chi Min, em inglês.

Uma nota oficial do Cenimar sobre o episódio, publicada na revista VEJA de 17/07/69, dá a seguinte versão: “Às 18h30 do dia 7 de setembro o embaixador foi retirado da residência, sendo utilizado para este fim um Volkswagen caramelo….O pneu do carro que seguia o embaixador libertado furou.”

A escalada da insensatez

Após o seqüestro, muitas mortes e desaparecimentos

A principal conseqüência do seqüestro foi mais violência na guerra entre o governo e seus opositores. Para poupar a vida de Charles Elbrick — a Junta Militar ficou numa situação diplomática delicada demais junto aos Estados Unidos para permitir que o embaixador corresse riscos — foram aceitas todas as condições dos seqüestradores. Mas depois disso veio a contrapartida. Foram adotadas no Brasil a pena de banimento e a pena de morte.

A pena de banimento foi aplicada a todos os presos que aceitavam ser trocados por embaixadores, tornando-os pessoas sem Pátria e sem nacionalidade. Com a Lei da Anistia, em 1979, que trouxe de volta os exilados, perdeu seu efeito. A pena de morte jamais chegou a ser efetivamente aplicada.

A luta entre as forças policiais e militares das três armas, de um lado, e guerrilheiros de inúmeras organizações, de outro, custou centenas de vidas. Segundo a Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil, entre 1964 e 1980, 195 pessoas foram mortas por órgãos repressivos, além de 129 dadas como “desaparecidas”. A maior parte da violência aconteceu entre o final de 1969 e 1973, durante o governo Médici, imediatamente após o seqüestro de Charles Elbrick.

O historiador Jacob Gorender, em Combate nas Trevas, afirma que 20 000 pessoas foram submetidas a torturas físicas por motivos políticos. O Coronel da reserva do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, em Rompendo o Silêncio (Editerra, BSB, 1987), faz a lista do lado do governo: 104 mortos, entre eles 45 policiais e militares.

Para saber mais:

O navegante que seqüestrou o Rio

(SUPER número 3, ano 8)

Deixando de fumar

(SUPER número 7, ano 2)

O seqüestrado

Nascido em 25 de março de 1908, em Louisville, Kentucky, Estados Unidos, Charles Burke Elbrick casou-se com Elvira Lindsay Johnson em 27 de julho de 1932, com quem teve dois filhos. Começou a carreira diplomática em 1931, como vice-cônsul no Panamá, apesar de ter cursado a Foreigner Service School , escola que forma os diplomatas americanos, somente em 1932. Trabalhou em vários países até que, em 1958, foi promovido a embaixador e designado para trabalhar em Portugal. Em 1963, foi transferido para a Iugoslávia.

Veio para o Brasil, em 1969, mas renunciou no ano seguinte. Oficialmente, por conselho médico, devido ao agravamento de seu estado de saúde após duas cirurgias, realizadas para tratar de um coágulo sangüíneo que se movia em direção ao cérebro (não ficou comprovado se o problema seria seqüela da coronhada na testa que recebeu durante o seqüestro). Extra-oficialmente, supõe-se que o afastamento decorra de um mal-estar político. Elbrick criticou a segurança oferecida aos diplomatas estrangeiros no Brasil. Além disso, logo após ter sido libertado, fez um depoimento surpreendentemente simpático aos seqüestradores, que ele descreveu como “jovens inteligentes, fanáticos e determinados”.

Morreu de pneumonia no dia 13 de abril de 1983, em Washington, aos 75 anos de idade.

Os libertados

Quem são e onde estão os que foram trocados por Charles Elbrick:

1) Luís Travassos morreu num acidente automobilístico em 1982; 2) José Dirceu de Oliveira e Silva, candidato a governador de São Paulo pelo PT; 3) José Ibraim, secretário de relações internacionais da Força Sindical; 4) Onofre Pinto, na lista dos “desaparecidos” desde 1974; 5) Ricardo Vilasboas Sá Rego, compositor, mora na França; 6) Maria Augusta Carneiro, proprietária de uma escola para deficientes no Rio de Janeiro; 7) Ricardo Zaratini, assessor da liderança do PDT na Câmara dos Deputados em Brasília, DF; 8) Rolando Fratti, morreu de câncer em 1991; 9) João Leonardo da Silva Rocha, assassinado no interior da Bahia em 1974; 10) Agonalto Pacheco da Silva, candidato a deputado estadual pelo PMDB em Sergipe; 11) Vladimir Palmeira, deputado federal pelo PT do Rio de Janeiro; 12) Ivens Marchetti, arquiteto, vive na Suécia; 13) Flávio Tavares: jornalista, vive na Argentina de onde escreve para o jornal O Estado de S.Paulo.

14) Gregório Bezerra, morreu de câncer em 1983; 15) Mário Roberto Zanconato, médico da prefeitura de Diadema, SP.

João Sebastião Rios de Moura

Tinha 22 anos. Nome de guerra: Aníbal. Militante da Dissidência da Guanabara. Exilou-se no Chile em 1970, depois foi para a França e voltou ao Brasil em 1980. Tornou-se artista plástico. No dia 30 de maio de 1983 foi baleado por dois homens que vestiam paletó e usavam chapéu, ao caminhar para casa, em Salvador, BA. Morreu no hospital, no dia 4 de junho. Solteiro, não tinha filhos. No seqüestro: Deu o sinal de alerta, levantando o jornal, assim que o carro do embaixador apontou na Rua São Clemente. Deu cobertura à condução de Elbrick ao cativeiro e também à sua libertação.

Vera Sílvia Araújo de Magalhães

Carioca, tinha 21 anos e cursava Economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nomes de guerra: Carmen e Marta. “Tivemos que apelar para as ações ofensivas porque a ditadura usava as armas contra nós”, justifica-se. Presa em fevereiro de 1970, foi trocada pelo embaixador alemão quatro meses mais tarde. Saiu do Brasil em cadeira de rodas por causa das torturas. Terminou seus estudos em Paris. É economista da secretaria de planejamento do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Separada, tem um filho. No seqüestro: Seduziu o chefe de segurança da casa do embaixador para obter as informações sobre seu carro e seu trajeto diário. Deu cobertura na captura.

Virgílio Gomes da Silva

Natural do Rio Grande do Norte, tinha 36 anos. Nomes de guerra: Jonas, Borges e Breno. Era operário da Nitroquímica em São Miguel Paulista. Pela ALN, fez treinamento militar em Cuba, em 1967, no grupo que ficou conhecido como “Primeiro Exército”. Militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), comandava o Grupo Tático Armado, em São Paulo. Era casado, deixou três filhos. Foi preso no dia 29 de setembro de 1969 e morreu no dia seguinte, em sessão de tortura na Operação Bandeirantes (Oban, criada com ajuda financeira de empresários para combater a guerrilha), na Rua Tutóia, em São Paulo. No seqüestro: Foi o “comandante militar” na operação.

Manoel Cyrillo de Oliveira Netto

Nasceu em São Paulo, estava com 23 anos de idade e já tinha abandonado o curso de Arquitetura da Universidade de São Paulo. Nomes de guerra: Francisco, Mauro e Benê. Era o vice-comandante do Grupo Tático Armado da ALN em São Paulo, logo abaixo de Virgílio Gomes da Silva. Foi preso no dia 31 de setembro de 1969 e ficou 10 anos na cadeia. Hoje é dono da agência de publicidade TK ManeCo, em Campinas, SP. Pensa em escrever um livro sobre o episódio, mas reluta: “Não quero servir de exemplo para jovens se tornarem terroristas”. Casado, tem dois filhos.

No seqüestro: O segundo no comando militar, foi um dos que renderam o embaixador. Comandou a cobertura aos Fuscas que libertaram Elbrick.

Joaquim Câmara Ferreira

Antigo dirigente comunista, rompido com o PCB, já era uma lenda viva para a esquerda brasileira na ocasião do seqüestro. Fez 56 anos no dia seguinte. Nome de guerra: Toledo. Iria suceder a Carlos Marighella no Comando da ALN. Foi preso às 19h00 do dia 24 de outubro de 1970 e levado para um sítio na periferia de São Paulo, onde as prisões não eram oficializadas. Morreu sob tortura horas depois.

No seqüestro: Coordenou as negociações com o governo.

Ficou o tempo todo na casa com Charles Elbrick.

Sérgio Rubens de Araújo Torres

Carioca, completou os 21 anos poucos dias depois do seqüestro. Nome de guerra: Rui. Militante da Dissidência da Guanabara. Cursava Psicologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que abandonou depois do seqüestro. Atualmente, é um dos diretores do Jornal “Hora do Povo”, em São Paulo. Casado, tem dois filhos. “O seqüestro abriu uma brecha para a democracia”, acredita. No Seqüestro: Dirigiu a Kombi verde até a Rua Vitório da Costa e esperou pelo cortejo. Dali, acompanhou-o até a Rua Maria Eugênia e, depois, fugiu a pé.

Cláudio Torres da Silva

Nasceu em Porto Alegre, RS, e tinha 24 anos. Nome de guerra: Geraldo. No Sul, entrou para a Dissidência do Partido Comunista Brasileiro e abandonou um curso de engenharia. Em 1966, mudou-se para o Rio de Janeiro. Primeiro dos seqüestradores a ser preso, no dia 9 de setembro, ficou na cadeia até 1977. É sociólogo. Tem dois filhos, de dois casamentos. Atualmente trabalha na Companhia Energética de São Paulo (Cesp) no Departamento de Meio Ambiente. Recusou-se a dar entrevista, alegando que “isso é passado, não tem interesse nenhum”. No seqüestro: Dirigiu todos os veículos em que o embaixador foi transportado.

Como tudo foi tramado

Outros planos para libertar prisioneiros tinham sido abandonados

Antes de Charles Elbrick entrar nessa história, havia um plano mais doméstico para libertar os três maiores líderes estudantis de 1968, Vladimir Palmeira, Luís Travassos e José Dirceu. Um assalto a jipe. Sem diplomata nem nada.

Os três expoentes da política estudantil, na cadeia desde 1968, seriam “resgatados” por um comando armado. A ação aconteceria no primeiro semestre de 1969, quando eles estivessem sendo transportados, do Forte de Itaipu, em Praia Grande-SP, onde estavam presos, para alguma audiência na Auditoria Militar da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo. Normalmente, o transporte era feito em dois jipes. A escolta não ultrapassava meia dúzia de homens.

Os estudantes fariam o assalto na subida da Serra do Mar ou no meio do trânsito da capital paulista. Ou ainda na porta da Auditoria Militar. De um apartamento bem em frente, na própria Avenida Brigadeiro, alguém daria cobertura com um fuzil FAL.

O plano, que tinha tudo para acabar em tragédia, foi discutido por Cláudio Torres e Stuart Angel Jones, da Dissidência da Guanabara (organização que teve origem no Partido Comunista Brasileiro, o PCB, e que rompeu com ele para se dedicar à luta armada, o que o PCB não admitia) e por Paulo de Tarso Venceslau, da Ação Libertadora Nacional (ALN, a maior organização guerrilheira da época), de São Paulo. Mas não foi pôsto em prática. Surgiu uma idéia melhor: o seqüestro do embaixador americano.

Foi o estudante Franklin Martins, da Dissidência da Guanabara, quem teve o estalo, andando pela Rua Marques, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. Toda manhã Charles Elbrick passava por ali. Ele expôs o que tinha em mente para os dirigentes da Dissidência e todos avaliaram que, sozinhos, não tinham poder de fogo para uma operação daquele porte.

Mais alguns dias e, circulando dentro de um carro pelo centro de São Paulo, houve uma reunião decisiva. Cid Benjamin, enviado pela Dissidência da Guanabara, expôs tudo para Joaquim Câmara Ferreira, dirigente da ALN. Ele gostou — para ele, aquela seria uma excelente propaganda, em plena Semana da Pátria, das pretensões da ALN de lançar uma guerrilha no campo — e determinou que sua organização entraria no empreendimento. Estavam presentes na reunião ambulante, também pela coordenação da ALN, Virgílio Gomes da Silva e Carlos Eduardo Fleury.

Ficou acertado que a ALN teria o “comando militar” da ação, na pessoa de Virgílio Gomes da Silva, e também o comando político: o próprio Joaquim Câmara Ferreira, um dos homens mais procurados pelo regime militar, coordenaria as negociações com o governo. Cerca de um mês depois, na semana da Pátria, um seqüestro abalaria o país. E libertaria 15 presos políticos. Entre eles Vladimir, Travassos e Dirceu.

O manifesto que foi publicado na imprensa no dia 5 de setembro levava a assinatura de duas organizações: a ALN e o MR-8. Na verdade, a Dissidência da Guanabara quis assinar como MR-8, para homenagear o Movimento Revolucionário 8 de outubro, que àquela altura já havia sido dizimado pelo governo. Depois disso, como MR-8, os militantes da Dissidência assinaram vários outros atentados.

Cid de Queiroz Benjamin

Nasceu em Recife e tinha 20 anos. Nomes de guerra: Vitor, Willi e Billi. Abandonou o curso de Engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no início de 1969. Foi militante da Dissidência da Guanabara. Preso em abril de 1970, saiu dois meses depois, trocado pelo embaixador alemão. Divorciado, com dois filhos, é professor universitário e candidato a deputado estadual pelo PT no Rio de Janeiro.No seqüestro: Negociou em São Paulo a participação da ALN. Dirigiu o Fusca azul que bloqueou a passagem do Cadillac e o Fusca que perseguiu a Rural do Cenimar na libertação. “Soltamos Elbrick no Largo da Segunda-Feira por mero acaso”, diz. “Foi para facilitar a nossa fuga”.

João Lopes Salgado

Mineiro de Caratinga, tinha 26 anos. Nome de guerra: Dino. Era sargento da aeronáutica e cursava o quarto ano de Medicina na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Abandonou tudo em março de 1969. Militou na Dissidência da Guanabara. Nunca foi preso. Em 1972, exilou-se espontaneamente no Chile. Foi para o Panamá, em 1973, e para a França no ano seguinte. Voltou em 1980. Não concluiu a faculdade. É sócio de um laboratório que fabrica produtos naturais. Separado, tem dois filhos. No seqüestro: Comandou a cobertura no Fusca vermelho que seguiu o Cadillac. Nesse mesmo Fusca, também fez a cobertura na operação que libertou o embaixador. “O comando do Virgílio é que nos fez ir até o fim”, recorda. “Depois que quase seqüestramos o embaixador de Portugal por engano, o pessoal do Rio pensou em desistir”.

Franklin de Souza Martins

Natural de Vitória, ES, tinha 21 anos. Nome de guerra: Valdir. Estudava Economia e Filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas abandonou em 1968, para integrar a militância da Dissidência. Dois meses depois do seqüestro, foi para Cuba fazer treinamento de guerrilha. Voltou ao Brasil em 1973. Nunca foi preso. Casado e pai de três filhos, atualmente é jornalista da sucursal do jornal “O Globo” em Brasília. No seqüestro: Ficou no Fusca azul que bloqueou a passagem do Cadillac e deu cobertura contra a perua do Cenimar na libertação do embaixador. “Se eles não fugissem, nós teríamos um confronto direto.”

Fernando Nagle Gabeira

Natural de Juiz de Fora, MG, estava com 28 anos. Nome de guerra: Honório Mateus. Jornalista, trabalhava no “Jornal do Brasil” e dava aulas de jornalismo na Faculdade de Comunicações da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi baleado pela polícia e preso em São Paulo, em janeiro de 1970. Trocado em junho de 1970 pelo embaixador alemão, viveu no exílio até 1979. Passou por Argélia, Cuba, Chile, Alemanha e Suécia. Casado e pai de duas filhas, vive atualmente no Rio de Janeiro. É escritor, jornalista e candidato a deputado federal pelo Partido Verde do Rio de Janeiro. No seqüestro: alugou a casa na Rua Barão de Petrópolis que serviu de cativeiro. Levou mensagens de Elbrick para a esposa e deixou a lista com os 15 nomes de presos num supermercado no Leblon. “Eu tinha medo nessas saídas, mas sabia que, se eu fosse preso, seria o 16º da lista.”

Paulo de Tarso Venceslau

Nasceu em Santa Bárbara d’Oeste, SP e tinha 25 anos. Nomes de guerra: Rodrigo e Geraldo. Estudava Economia na Universidade de São Paulo (USP). Militou na ALN. Foi preso em São Sebastião, no litoral paulista, no dia 1º de outubro de 1969. Levado à Oban, em São Paulo, viu crostas de sangue na parede. “Os policiais me disseram que eram pedaços do cérebro de Virgílio.” Saiu da cadeia em dezembro de 1974 e terminou o curso de Economia. Foi dirigente do Partido dos Trabalhadores, vice-presidente da CMTC na prefeitura de São Paulo e secretário das prefeituras de São José dos Campos, SP, e Campinas, SP. É microempresário no setor de informática. Divorciado, tem um filho.

No seqüestro: Preparou a ação numa reunião de planejamento com Joaquim Câmara Ferreira, Virgílio Gomes da Silva e Cid Benjamin num apartamento na rua Major Diogo, em São Paulo. Rendeu o motorista do embaixador. Depois, levou nomes de São Paulo ao Rio para compor a lista dos 15 presos que foram soltos.

As três reedições da operação

Em 1970, houve mais três seqüestros. As vítimas também foram diplomatas e os preços dos resgates foram sempre pagos com a libertação de presos políticos.

Em março, foi a vez do cônsul japonês Nabuo Okuchi: 5 presos vão para o México.

Em junho, capturaram o embaixador Ehrenfried von Holleben, da Alemanha Ocidental: 40 presos foram para a Argélia.

Em dezembro, quem se viu agarrado foi o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher: 70 presos foram banidos do Brasil.

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