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O que acontece se a Grécia quebrar de vez?

Contamos para você o que aconteceria de verdade caso a Grécia vá para o buraco; e o quão distante ou próximo esse cenário está.

Por Priscila Bellini
Atualizado em 31 out 2016, 18h59 - Publicado em 23 jul 2015, 15h15

Caos. A Grécia voltaria a usar o dracma, moeda anterior ao euro. Mas essa moeda estaria extremamente desvalorizada. Na tentativa de arcar com as contas do dia-a-dia e as dívidas com o bancos da própria Grécia, o governo imprimiria mais e mais dracmas. Só que, justamente por isso, com mais dracmas circulando na praça, mais a dívida em euros subiria em dracmas, já que a moeda grega perderia cada vez mais valor em relação à moeda europeia. Com uma dívida cada vez mais impagável na mão, o país não conseguiria mais euros para comprar os bens em serviços que a própria Grécia não produz (como petróleo, veículos…). E aí a economia basicamente chegaria ao fundo do poço. Os habitantes iriam para outros países da Europa e a Grécia estaria nas mãos sabe-se lá de quem. Esse cenário apocalíptico talvez não esteja tão próximo, já que ele não é interessante nem para a própria Grécia nem para o resto da União Europeia. Mas para entender de vez esse cenário, é preciso saber como o país chegou ao ponto em que está.

Como tudo começou

Em 2001, o país entrou na aguardada Zona do Euro, apesar de já fazer parte da União Europeia desde 1981. A tarefa para quem quer entrar nesses clubes exclusivos não é lá tão simples: é necessário ter estabilidade financeira, assinar tratados de direitos humanos e, talvez, mudar ou acrescentar leis sobre o banco central e questões monetárias, além de alguns outros detalhes. É um processo demorado. A Inglaterra e a Dinamarca, por exemplo, não utilizam o euro porque não querem, mesmo fazendo parte da União Europeia. Já a Hungria adotou o programa financeiro de conversão em 2006, mas ainda não conseguiu entrar na zona. Todas essas medidas detalhadas foram feitas justamente para evitar crises como a que estamos vendo hoje. O problema é que a Grécia não é um país com uma economia muito forte, como Alemanha, Inglaterra e França, que exportam produtos tecnológicos de alto valor agregado. Boa parte da economia do país vem do turismo, que  corresponde a cerca de 20% do PIB, e da exportação de produtos agrícolas, como vinho, azeites e azeitonas (com baixo valor agregado).

Com a empolgação do euro, uma moeda muito mais forte que o dracma, utilizado anteriormente, a Grécia gastou mais do que podia, principalmente em infraestrutura. “Na época em que começou a usar o euro como moeda, havia crédito em abundância para a Grécia, pois a percepção era de que o risco grego [o risco de se emprestar para a Grécia] seria equivalente ao risco de outros países da Zona do Euro”, explica o professor de economia da EACH-USP, Terry Ivanauskas. Para pagar as dívidas que fez, o país estava contando com um grande crescimento econômico – que não chegou. “Também ficou claro que a solidariedade entre os membros da Zona do Euro não era tão simples e certa quanto se imaginava”, completa.

 

E o calote?

Muito provavelmente a Grécia não vai deixar de pagar todas as suas dívidas, já que as consequências, como você verá abaixo, podem ser desastrosas. O país não conseguiria obter moeda e nem crédito: “No começo pode até haver um certo alívio sobre as contas nacionais, mas o país fica então praticamente excluído do mercado financeiro internacional enquanto não entrar em acordo com seus credores”, diz Ivanauskas. Ou seja: uma hora ou outra, as contas vão ter que ser enfrentadas. E não é nem uma questão de estar certo ou errado, é um questão de sobrevivência. A não ser que algum país esteja disposto a bancar a Grécia, como a China faz com a Coreia do Norte, esse confronto será inevitável. Mas a preocupação atual é sobre como o povo grego vai reagir às medidas de austeridade fiscal e reformas econômicas impostas. Salários vão diminuir, investimentos em infraestrutura também. Não vai ser muito fácil para a população lidar com esse cenário.

 

E se passarem a perna nos credores?

Pode admitir: a ideia de se safar dos credores, seja no caso da Grécia, seja no caso daquela sua tia que vive endividada, é tentadora. Só que, quando pensamos no nível de um país, o processo fica mais complicado ainda, já que os números são bem diferentes. Pra começar, o PIB (produto interno bruto) da Grécia chega ao nível de 237 bilhões de dólares, segundo dados de 2014 do Banco Mundial, e sua dívida equivale a 177% do PIB (ou seja, uns quebrados de 420 bilhões de dólares). E olha que a Grécia não é lá um país com muita grana. O PIB da cidade de São Paulo, por exemplo, beira os US$ 155 bilhões e chega perto das rendas de toda a Grécia.  

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Mesmo com seu PIB humilde, dar calote impactaria pra valer os gregos. Como o país faz parte da Zona do Euro, se negasse em definitivo o pagamento das dívidas, é provável que tivesse de retornar ao dracma, a moeda que costumava circular por lá. Ao retomá-la, a Grécia teria de lidar com uma moeda extremamente desvalorizada (o Banco Central Europeu destaca que, se comparássemos, um euro, hoje, seria equivalente a 340 dracmas). Daí que, com o direito de poder moldar a própria política econômica, caberia ao governo encontrar uma forma de não afetar negativamente os cidadãos – apostar na exportação, por exemplo, já que a moeda fraca é uma boa estratégia para quem exporta, e tentar manter os bancos gregos de pé. “Um grande perigo é também a fuga de capitais, tanto o especulativo quanto o de empresas”, aponta o economista Flávio Mesquita Saraiva, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Em resumo, as empresas com sede na Grécia poderiam abandonar o país rumo a algum lugar mais estável, e investidores da bolsa de Atenas desapareceriam, deixando as companhias do país com menos dinheiro ainda. Assim, os valores de mercado cairiam drasticamente. O jeito seria driblar a instabilidade crescente e cuidar também do mercado de trabalho, para que os gregos continuassem a trabalhar e a consumir.

Só que as consequências dessa mudança não abalam só as noites de sono dos gregos, mas de vários países do bloco. “A principal preocupação dos outros países que usam o euro é com o contágio que uma eventual saída da Grécia possa ter sobre economias ainda frágeis, como Portugal e Espanha”, explica Terry Ivanauskas. De uma forma ou de outra, essa reviravolta dentro da Zona do Euro não afetaria só a economia, mas a política da região também. Ficaria o clima de tensão quanto às exigências para se manter em um grupo como moeda comum, sem recorrer às medidas de austeridade que prejudicam a população.

Crise na Grécia

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Rodada de negociações

Dá calote, não dá calote, faz acordo, não faz acordo… A agenda das autoridades gregas, nesse clima de tensão, estava bastante ocupada e confusa. Por um lado, as exigências dos credores não se flexibilizavam. Por outro, a população não estava nada contente com a sinuca de bico em que o país está, claro, nem com os termos propostos pela troika (o conjunto de três instituições que comanda os acordos). Ainda está fresca na memória dos gregos a última tentativa de resgatar a economia, 2010, em que, segundo Steve Keen, professor da Universidade de Kingston, na Inglaterra, 90% da grana salvou bancos alemães e franceses.

O último acordo proposto exigiu diversas mudanças, desde aspectos econômicos até o regime de justiça. O pacote exigido pelo bloco inclui a ampla privatização de setores, como o elétrico, perdas na previdência, e mecanismos na lei que permitam o corte de gastos quase que imediatos se o governo não atingir o superávit fiscal (quando o governo recolhe mais impostos do que gasta). Ao que tudo indica, os direitos dos trabalhadores também saem perdendo e o jeito para o governo grego será apertar o cinto ainda mais.

Com todo o burburinho do acordo, muita gente recorreu às redes sociais para dizer o que pensava sobre o assunto. A hashtag #ThisIsACoup (em inglês, “Isso é um golpe”) gerou mais de 200 mil tweets nas primeiras horas e criticou os termos para “salvar” a Grécia. Até o Nobel de Economia Paul Krugman se manifestou sobre o assunto, ao dizer que a hashtag estava certa e as exigências “não são apenas duras, mas pura vingança, a completa destruição da soberania nacional e o fim de qualquer esperança de alívio”. 

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