Osama bin Laden venceu
Sim, Osama venceu. Quando planejou os ataques de 11 de setembro de 2001, Bin Laden tinha dois objetivos, que são os mesmos que movem a maioria dos terroristas.
Rodrigo Vergara
Quando você, leitor, estiver lendo esta coluna, a guerra dos Estados Unidos e da Inglaterra contra Saddam Hussein estará em um estágio diferente desse que agora leio pelos jornais e ouço pela televisão, no momento em que escrevo. Muita coisa terá mudado. Mas certamente permanecerá minha opinião sobre o maior vitorioso da guerra. Se não o maior, seguramente o primeiro vitorioso: Osama bin Laden.
Sim, Osama venceu. Quando planejou os ataques de 11 de setembro de 2001, Bin Laden tinha dois objetivos, que são os mesmos que movem a maioria dos terroristas: chamar atenção para a sua causa e abalar o inimigo. Passados 19 meses do ataque, a missão de Bin Laden pode ser considerada cumprida com louvor.
Primeiro, porque a causa de Bin Laden e dos fundamentalistas islâmicos nunca esteve tão em evidência. Nunca se estudou tanto o islamismo, nunca houve tanto interesse em entender por que uma região que foi o berço da humanidade hoje é fonte de discórdia e intolerância. Foi como se o Oriente Médio e sua civilização tivessem sido descobertos agora.
O abalo dos Estados Unidos também é evidente. Não em seu poder, é claro. A queda das torres gêmeas e mesmo o desmoronamento de uma boa porção do Pentágono, sede do poderio militar americano, não fizeram nem cosquinhas no poder material dos Estados Unidos. Os tanques, porta-aviões e ogivas nucleares atravessaram incólumes aquele dia de setembro. Não, o abalo foi moral.
Mas, antes de explicar o que é esse abalo moral, é preciso fazer um reparo, para que não me acusem de incentivar o terrorismo. Osama atingiu seus objetivos, sem dúvida. Mas não por méritos próprios. No momento seguinte à queda das torres gêmeas, à medida que o mundo acompanhava a destruição e o sofrimento dos familiares e amigos dos mortos, Osama parecia condenado à eterna execração pública. Os votos de compaixão aos Estados Unidos vieram de todos os lados do planeta, cerimônias religiosas em memória dos mortos se espalharam pelo mundo. A dor era de todos, e a revolta contra a barbárie transformou o saudita em inimigo número 1 do mundo. Mesmo aqueles que nutriam um sentimento antiamericano sentiram-se compelidos a emprestar condolências a uma tragédia tão grande contra milhares de inocentes. Em suma, poucas vezes na história recente os Estados Unidos desfrutaram de tanta popularidade.
Mas aí entram em cena George W. Bush e seus estrategistas. E sua participação vira o jogo em favor de Osama. Em poucos dias, o olhar complacente sobre os Estados Unidos transformou-se em expressão de incredulidade diante das mensagens equivocadas que o presidente americano proferiu às dezenas. “Quem não está com os Estados Unidos está contra nós”, disse Bush, logo de cara. Pronto. Com dez palavras, metade da torcida foi empurrada, contra a vontade, para a arquibancada do adversário. Bastaram alguns meses para que a incredulidade se transformasse em revolta. E, quem diria, menos de dois anos depois de uma das maiores tragédias humanas, milhões de pessoas protestam contra a vítima do desastre.
Não há nação pura e inocente. Em geral, quem tem a possibilidade de exercer seu poder o faz. O que limita essa ação são os princípios de um povo, seu respeito às leis. E é por isso, entre outras razões, que os Estados Unidos são uma potência. Muita gente vai reclamar do que eu vou dizer, mas, convenhamos: para alguém que há um século detém o título de nação mais poderosa do planeta, os americanos demonstram um respeito razoável pelo regulamento. No século passado, tivemos outros dois exemplos de como as potências exercem o poder: Alemanha e União Soviética. O saldo dessas duas experiências faz os princípios americanos parecerem mandamentos divinos.
O problema é que o país governado por Bush cada dia menos se parece com os Estados Unidos. Quando decidiu jogar no lixo as regras internacionais que seu país ajudou a escrever, Bush aprofundou o abalo causado por Osama. E a cada dia o governo americano se parece mais com os outros, aqueles que não vêem limites para seu exercício de poder. Não por acaso, várias vezes nos últimos meses Bush foi comparado a Hitler e ao seu próprio inimigo, Saddam Hussein. Na gestão do ex-presidente americano Bill Clinton, dizer-se antiamericano pegava mal. Era como admitir-se um fanático que perdeu o bonde da história. Hoje, não. Ser contra o país governado por George W. Bush parece sinal de sensatez.