Palestina e Israel: entenda as origens do conflito
Árabes e judeus já viveram em harmonia no território que hoje corresponde a Israel. Quase um século atrás, porém, a paz deu lugar a uma onda de violência sem fim.
Quando a gente liga a TV ou vai à internet para conferir o noticiário internacional, invariavelmente se depara com histórias sobre o conflito entre árabes e judeus. O episódio mais recente começou neste sábado (dia 7), com uma onda de ataques do grupo palestino Hamas – a que Israel respondeu lançando mísseis na Faixa de Gaza.
Parece que sempre foi assim, não é verdade? Acontece que esses dois povos já viveram em paz no território que hoje corresponde a Israel, por mais improvável que isso possa parecer. Eles coexistiram por lá, de forma relativamente tranquila, até o fim do século 19, enquanto aquela região era uma província do Império Otomano – um Estado gigante, que ocupava quase todo o norte da África, boa parte do Oriente Médio e um pedaço do Leste Europeu.
“Os registros históricos confirmam que, ao longo de séculos, as relações entre árabes e judeus realmente foram pacíficas e cordiais sob o controle dos turcos-otomanos,” diz Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF). Nas primeiras décadas do século 20, porém, essa harmonia daria lugar a um cenário sombrio, de muita violência e destruição. Era o início de uma crise profunda, que rende notícias desalentadoras até hoje.
Tudo começou com a derrocada do Império Otomano na 1ª Guerra Mundial (1914-1918). Derrotado pela Tríplice Entente, a aliança militar formada por Reino Unido, França e Império Russo, o gigante se esfacelou. E a Liga das Nações, organização antecessora da ONU, determinou que a administração da Palestina fosse entregue à Grã-Bretanha. Começava ali, no ano de 1920, o Mandato Britânico.
Àquela altura, viviam em território palestino aproximadamente 1 milhão de muçulmanos. Eram descendentes dos árabes que tinham chegado à região por volta do século 7, e de outros povos mais antigos ainda – como os cananeus, que já ocupavam a chamada Terra Santa milhares de anos antes de Cristo.
Mas também havia judeus estabelecidos por lá, algo em torno de 100 mil. Imigrantes oriundos principalmente da Europa Oriental, que, nas décadas anteriores, tinham deixado lugares como a Rússia e a Romênia por causa do antissemitismo em seus países de origem. É provável que a convivência pacífica entre eles em nada tivesse sido alterada não fosse um detalhe: o aumento incessante e exponencial da população judaica.
A imigração era incentivada pelo sionismo, movimento internacional criado havia não muito tempo com o objetivo de fundar um Estado judeu em solo palestino. Estima-se que, entre 1882 e 1903, os imigrantes tenham sido algo entre 20 mil e 30 mil. Outros 35 mil chegariam até 1914. E mais 35 mil no período de 1918 a 1923.
A Grã-Bretanha apoiava o movimento e prometia aos sionistas algo difícil de cumprir: criar na Palestina um “lar nacional” para os judeus viverem em segurança, sem violar os direitos dos árabes que já moravam ali. Só que a imigração judaica em larga escala criava óbvios conflitos entre os dois povos. Um deles, especialmente sangrento, ocorreria na cidade de Jaffa logo no segundo ano de mandato, em maio de 1921. Teve como resultado pelo menos uma centena de mortos.
Revolta árabe
Nos anos seguintes, novos distúrbios foram se repetindo, ainda que menos intensos. “Os choques se tornaram comuns, em decorrência, principalmente, das disputas por terras e por água, bens cada vez mais escassos e disputados devido ao aumento progressivo da população”, explica Reis. Até que, em 1929, uma chacina de judeus ocorreu em Hebron – a cidade na qual, segundo a tradição judaica, teria morrido Sara, esposa do patriarca Abraão e mãe de Isaac.
Naquele episódio, os árabes assassinaram nada menos que 69 pessoas, entre homens, mulheres e crianças. Um verdadeiro massacre, motivado por rumores de que os judeus planejavam tomar o Monte do Templo em Jerusalém (hoje também conhecido como Esplanada das Mesquitas, lugar sagrado para os islâmicos). Casas, comércios e sinagogas foram queimadas, num frenesi de violência que obrigou as autoridades britânicas a retirar de Hebron todos os 400 e tantos judeus sobreviventes. Era o prenúncio de algo que estava por vir: a Rebelião Árabe de 1936.
A revolta duraria três anos, até 1939. Começou com greves e protestos de rua contra o domínio britânico, liderados pela elite árabe urbana, mas evoluiu para um movimento de extrema violência capitaneado por camponeses nas zonas rurais. Os alvos, dessa vez, não eram só os judeus, mas também – ou principalmente – as autoridades coloniais, que reprimiram brutalmente o levante popular.
Algumas estimativas indicam que o número de árabes mortos durante a rebelião pode ter passado de 5 mil. Mais de 10% da população islâmica masculina adulta, com idade entre os 20 e os 60 anos, teria sido atingida de alguma maneira, entre mortos, feridos, presos e exilados.
A catástrofe
Enquanto a Palestina pegava fogo, com árabes, judeus e britânicos se engalfinhando, o movimento sionista internacional seguia estimulando a imigração em massa para lá. Convencidos de que o contínuo aumento da população judaica só levaria a tensão a níveis ainda mais críticos, os britânicos acabaram recuando em sua promessa de criar naquele território um Estado judeu. Restrições imigratórias começaram a ser adotadas. E a resposta foi imediata, com a comunidade judaica organizando uma rede de apoio à imigração ilegal.
Entre 1945 e 1948, cerca de 85 mil judeus chegariam à “Terra Prometida” por vias extraoficiais. Bloqueios navais e patrulhas de fronteira não surtiam o efeito desejado. Até que os britânicos, na ânsia de deter o fluxo imigratório, deram um autêntico tiro no pé.
Em 1947, a Grã-Bretanha ordenou o retorno à Europa do navio Exodus, que havia zarpado da França com mais de 4,5 mil judeus a bordo, a maioria absoluta composta de sobreviventes do Holocausto. A embarcação foi cercada pela Marinha britânica na costa da Palestina e impedida de atracar no porto de Haifa. O incidente deixou perplexa a comunidade internacional, que ainda digeria o que havia acontecido com os judeus nos sórdidos campos de concentração da Alemanha nazista durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945).
Paralelamente, grupos armados eram organizados pelos judeus para infernizar a vida dos mandatários. Um deles era a Haganah, embrião das atuais Forças de Defesa de Israel. Apenas sua tropa de elite, batizada Palmach, tinha cerca de 2 mil homens bem treinados e armados. Metade desse contingente estava distribuída em unidades locais, protegendo as colônias judaicas, enquanto a outra parte ficava disponível para operações ofensivas.
Havia também grupos terroristas criados por dissidentes da Haganah, como o Lehi, também conhecido como Gangue Stern (nome de seu fundador, Avraham Stern), e o Irgun, notório pelo atentado a bomba contra o Hotel King David, em Jerusalém, no ano de 1946. O hotel era usado por oficiais e burocratas da Coroa Britânica e seus familiares, àquela altura considerados tão inimigos quanto os árabes. Saldo da explosão: 91 mortos.
Uma guerra civil estava instaurada e o reflexo mais dramático dela parecia ser o êxodo de palestinos. De 1947 a 1948, mais de 700 mil abandonariam seu lar e rumariam para territórios vizinhos, formando gigantescos campos de refugiados. Uma das maiores tragédias humanitárias do século 20, batizada pelos árabes de al-Nakbah (“A Catástrofe”). Nas zonas rurais, algo entre 400 e 600 vilas palestinas foram saqueadas e incendiadas pelos judeus, enquanto a população árabe urbana era praticamente exterminada.
Diante do caos, os britânicos entregaram os pontos e decidiram que era hora de sair da Palestina. Mas como fazê-lo? A resposta: entregando o problema à recém-criada Organização das Nações Unidas. Caberia à ONU elaborar um plano de partilha do território que desse origem a dois Estados independentes, um árabe e outro judeu.
Em 29 de novembro de 1947, a proposta foi aprovada em assembleia geral. Aos judeus, que àquela altura já eram cerca de 700 mil, caberiam 53% da área em questão. O restante ficaria com os árabes, estimados em 1,4 milhão de habitantes. A cidade de Jerusalém, sagrada e tão simbólica para os dois povos, permaneceria sob controle internacional.