Pior que terrorismo?
Para ex-diretor do Banco Mundial, o crime organizado nunca foi tão globalizado e poderoso.
Eduardo Szklarz
O crime organizado mudou muito nos últimos 15 anos. Em vez das antigas hierarquias, ele agora opera em redes apátridas e descentralizadas. Grupos que antes se dedicavam a um único delito trocam de ramo constantemente. Em muitos casos, já não existe clara distinção entre negócios legais e ilegais, nem entre crime e Estado.
“Em alguns países, traficantes e seus cúmplices controlam partidos, são donos de jornais ou estão entre os principais filantropos, escondidos atrás de ONGs”, diz Moisés Naím, ex-diretor do Banco Mundial e editor da revista Foreign Policy. “Quando seus negócios são grandes e estáveis, as redes de tráfico fazem o que tendem a fazer grandes empresas: diversificam as atividades e investem em política.”
No livro Ilícito (Jorge Zahar, 2006), Naím mostra essa nova realidade com histórias do dia-a-dia. Entre elas, a de um marroquino traficante de seres humanos que é também magnata imobiliário na Espanha. Ou a de um contrabandista de armas ucraniano que virou acionista majoritário de um banco. E a dos traficantes de crianças da Albânia, que oferecem 5 mil euros a famílias pobres por um recém-nascido que possa ser vendido no Ocidente. Por tudo isso, o especialista em crime organizado afirma: os criminosos nunca foram tão globalizados, ricos e influentes.
O crime organizado é mais preocupante que o terrorismo?
Moisés Naím: Se você perguntar quantas pessoas tiveram a vida afetada pelo terrorismo, ou indústrias e cidades que mudaram por causa dele, verá que o número é relativamente baixo. Mas se perguntar sobre impacto do narcotráfico, do comércio de seres humanos, armas e produtos falsificados, descobrirá que esses problemas afetam a humanidade inteira.
Quais são os maiores desafios no combate às organizações criminosas?
MN: O mais importante é que as pessoas entendam a dimensão e a natureza do problema. Nenhum problema é solucionado se antes não é diagnosticado e reconhecido como tal. E este tem sido reconhecido apenas parcialmente. No Brasil, quando as pessoas se queixam da criminalidade, normalmente reclamam de um problema local. Por exemplo: a polícia que não funciona bem. Mas esse problema provavelmente começou em outro país. As gangues que disputam o controle das favelas e traficam drogas ou armas não poderiam existir se não estivessem ligadas de alguma forma a uma rede criminosa internacional. Tampouco poderiam existir sem o consumo.
Qual é o tamanho do crime organizado na economia global?
MN: Um número desse tipo será sempre uma estimativa imperfeita. Mas existem indicadores que permitem fazer aproximações. A mais alta delas seria de 30% da economia mundial. A que é tida como mais correta ficaria entre 20% e 25%, cerca de US$ 12,5 trilhões.
O senhor identifica alguma tendência no crime organizado?
MN: Uma das grandes tendências é a politização do crime e a criminalização da política. Criminosos se transformam em políticos, do mesmo modo que governantes se transformam em mafiosos. No México, militares que estavam envolvidos no combate às drogas foram detidos porque faziam parte das quadrilhas. No Peru, Vladimiro Montesinos [envolvido com tráfico de armas e assassinatos] era o chefe de inteligência. O presidente da Lituânia [Rolandas Paksas] foi preso porque era cúmplice de um grupo mafioso. É impossível que haja uma indústria desse tamanho, com tal sofisticação, sem que as autoridades sejam cúmplices.