Por que o ovo e o coelho são símbolos da Páscoa?
A origem dos símbolos é uma salada incerta de tradições pagãs, judaicas e cristãs – misturadas com um pouco de marketing do século 21.
O nome da celebração cristã em português (e nas demais línguas latinas) tem origem na festa judaica do Pessach – que significa “passagem” em hebraico, uma referência à saída dos judeus do Egito e sua libertação da escravidão, com a chegada à terra prometida sob liderança de Moisés.
Mas é o nome da festa em inglês – Easter – que nos dá pistas sobre o coelho. Quando o catolicismo comecou a se espalhar pelo sul da Europa no final do Império Romano, os primeiros missionários se depararam com a missão de converter os povos germânicos pagãos àquela nova fé.
A deusa da fertilidade no norte da Europa, além dos domínios romanos, era Eostre (essa é apenas uma de várias grafias possíveis – escolhida por nós porque torna clara a semelhança com easter). Sua festa era celebrada no início da primavera no hemisfério norte – que corresponde, é claro, ao início do outono aqui no hemisfério sul, época em que se celebra a Páscoa.
Força bruta nunca foi um bom jeito de trazer ninguém para a igreja, de modo que os missionários lentamente incorporaram a história da ressurreição de Cristo às tradições que já existiam. A lebre, por sua fertilidade, era o animal que representava a deusa, e acabou se misturando com a tradição católica porque já era cultuada no festival pagão. A primavera é o momento em que a vegetação renasce em locais de clima temperado, então todo o simbolismo já estava lá.
Essa é a versão predominante nos livros, que se popularizou graças ao trabalho São Beda, um monge inglês que viveu no século 8 e é considerado pai da história anglo-saxã pela obra História Eclesiástica do Povo Inglês. O problema é que é difícil atestar a veracidade do relato do eclesiástico, que não tem outros antecedentes conhecidos e certamente não conta como fonte primária: ele viveu 600 anos após a suposta origem da tradição, de modo que a época romana, para ele, era um passado tão distante quanto a chegada de Cabral ao Brasil é para nós.
Os linguistas e filólogos que se dedicam a recuperar o idioma proto-indo-europeu (o antepassado do latim, do grego e das línguas celtas e germânicas) já conseguiram reconstituir uma palavra que nomeava uma deusa pré-histórica associada ao crepúsculo – e que tem as características necessárias para ter servido como raiz de Eostre.
No caso do ovo, a origem é mais nebulosa ainda, porque praticamente todas as culturas da Antiguidade adotavam ovos como símbolo de fertilidade, nascimento ou renascimento dos mortos. Os gregos colocavam ovos sobre as tumbas, e os romanos tinham até o ditado Omne vivum ex ovo, “Toda a vida vem de um ovo.” Os povos de etnia Maori, na Oceania, enterravam seus mortos com um gigantesco ovo do moa (uma ave extinta de 3 metros de altura) em mãos. Mais importante para nosso post é que o Pessach judaico também é celebrado com ovos cozidos.
Ou seja: quando a Igreja Católica precisou de um símbolo para a ressureição, não foi preciso ir muito longe – a adoção foi praticamente orgânica. Tradições desse gênero duraram um bocado: na Alemanha, até o século 19, as certidões de nascimento em alguns locais eram ovos decorados com o nome da criança e a data. Os nobres russos pré-revolução trocavam ovos de Páscoa chiquérrimos com metais preciosos e interiores ornamentados. O chocolate, claro, só se estabeleceu no século 20.