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Prometeu, o inventor da humanidade

O mais sábio dos titãs foi também o mais visionário. Criou o homem a partir do barro, presenteou-o com as artes e as ciências – e pagou caro por isso.

Por José Francisco Botelho
Atualizado em 24 jun 2019, 17h30 - Publicado em 10 Maio 2019, 16h37

Após a queda dos titãs, a ordem voltou a imperar sobre a Terra. Em meio à paz, a vida pululava. No mar, cardumes brilhantes nadavam entre as ondas. Manadas de animais corriam pelas planícies ou escalavam os montes. Pássaros se equilibravam nas correntes de vento, no céu agora firmemente fixado lá em cima. Tudo parecia estar em seu lugar. Mesmo assim, Prometeu, o mais sonhador dos deuses, estava melancólico.

Prometeu era filho do titã Jápeto, e irmão do desventurado Atlas. Na impetuosa e violenta família dos titãs, Prometeu era o mais ponderado. Quando teve início a rebelião dos olímpicos, ele logo havia percebido para que lado as coisas estavam se inclinando. Sem hesitar, abandonou o próprio clã e se juntou aos rebeldes, convencendo seu irmão mais novo, Epimeteu, a fazer o mesmo. Após o triunfo olímpico, o sábio titã foi recompensado. Enquanto tantos de seus familiares eram lançados no Tártaro, Prometeu e Epimeteu tiveram a permissão de seguir vivendo sobre a Terra, agora governada por Zeus.

Mas todos nós conhecemos esta sensação: nas aparências, tudo está bem, mas alguma coisa essencial parece estar faltando. Era assim que o visionário Prometeu se sentia em suas andanças pelo mundo. Sem saber exatamente o que planejava fazer, sentou-se certa vez nas colinas da região grega de Fócia. Apanhou um punhado de terra, misturou um pouco da água de um córrego e começou a moldar o barro.

Abrindo as mãos, Prometeu contemplou sua obra: uma figura feita à imagem de um deus, porém mais modesta e frágil. Ficou encantado com a beleza singela de sua própria criação e resolveu fazer várias réplicas. Ao fim do dia, uma pequena legião de estatuetas de barro estava enfileirada ao seu redor. Prometeu sentiu-se tão encantando por seus pequenos novos companheiros que os presenteou com a vida.

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Os mitos não explicam como ele conseguiu esse prodígio. O fato é que a argila foi se transformando em carne, pele e osso – e os homens recém-criados começaram a olhar o mundo ao seu redor. “Enquanto os outros animais andavam a quatro patas, com o rosto voltado para o chão, o ser humano foi criado para manter a cabeça erguida, observando o céu majestoso e as estrelas brilhantes lá em cima. E a Terra mais uma vez mudava, perante a desconhecida forma da humanidade”, escreveu o romano Ovídio no poema As Metamorfoses. Mas lembre: Prometeu criou apenas os homens. As mulheres viriam depois.

O roubo do fogo

Embora vivos e dotados de espírito, os humanos continuavam paralisados, como se um medo terrível os petrificasse. Isso acontecia porque, ao criá-los, Prometeu havia lhes dado também o dom de ver o futuro, comum entre alguns titãs. E, como eram mortais, os humanos não cessavam de ver mentalmente a hora de suas próprias mortes. Para livrá-los desse medo, Prometeu apagou o dom da profecia e os homens passaram a viver em uma abençoada ignorância. Apenas alguns deles, os profetas e videntes, preservaram o dom de ver o futuro.

Mesmo livres do império do medo, os homens ainda careciam de conhecimento. “Tinham olhos para ver, mas não tiravam proveito do que viam; tinham ouvidos, mas não compreendiam os sons; como vultos em um sonho, ao longo dos dias, andavam sem propósito em total confusão. E viviam no fundo do solo, em cavernas escuras, como bandos de formigas”, escreveu o dramaturgo grego Ésquilo na tragédia Prometeu Acorrentado, do século 5 a.C.

Sentado à beira-mar, Prometeu ensinou aos homens os mistérios da astronomia. Levou-os às profundezas da floresta e ensinou quais plantas podiam ser comidas, e quais animais podiam ser domesticados. Instruiu-os na cura de muitas doenças e ensinou-os a tirar da terra os metais necessários para construir ferramentas. Também presenteou a humanidade com os números e as letras. Agora, os homens podiam escrever histórias, fazer cálculos e registrar o passado. O homem começava a entender o mundo, e estava quase pronto para dominá-lo.

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No alto do Olimpo, Zeus observava a criação de Prometeu. E gostava cada vez menos do que estava vendo. Por algum motivo obscuro, o senhor dos deuses sentiu uma antipatia imediata pela humanidade. Político ardiloso, talvez temesse naqueles seres aparentemente modestos um competidor à altura dos deuses. Era preciso impedir que os homens se tornassem demasiado atrevidos. O senhor do Olimpo sabia que só faltava uma coisa para que os filhos de Prometeu dominassem a superfície da Terra: o segredo do fogo. Por isso, proibiu que uma única fagulha fosse colocada nas mãos da humanidade.

Mas Prometeu não lhe deu ouvidos. Agora, o titã se arrependia do apoio que dera aos olímpicos: os desmandos de Zeus o repugnavam. Decidiu tornar os homens tão engenhosos que eles haveriam de ser semelhantes aos deuses.

Certa madrugada, em segredo, Prometeu subiu sorrateiramente as encostas do Olimpo. Esperou que Hélios, o deus do Sol, surgisse no horizonte, conduzindo sua carruagem de chamas. Quando o carro do Sol estava passando perto do cume do Olimpo, Prometeu acendeu uma tocha em seu calor. Depois, desceu o monte e levou aos humanos o mais revolucionário de todos os segredos. Agora, a humanidade podia moldar os metais em ferramentas e utensílios. Podia criar vasos para carregar água; podia cozinhar e assar sua comida. E podia aquecer-se à beira das chamas quando as neves do inverno cobrissem o mundo.

Houve festa entre os mortais. Grandes fogueiras foram acesas nos campos e nos montes, e os homens dançaram ao seu redor até o cair da noite. Mas do alto Olimpo os olhos vingativos de Zeus viram os reflexos das chamas. Na obra Os Trabalhos e os Dias, escrita no século 8 a.C., o poeta Hesíodo relata o juramento de vingança pronunciado por Zeus contra o titã rebelde: “Filho de Jápeto, que ultrapassa a todos em astúcia, você está feliz por ter-me enganado. Mas o seu presente será uma grande praga para a humanidade. Em troca do fogo, darei aos homens um mal que vai seduzi-los, e que eles acolherão com alegria, sem saber que abraçam sua própria destruição”.

Prometeu acorrentado

A terrível vingança de Zeus veio em forma feminina. Os deuses do Olimpo criaram a primeira mulher, Pandora, e a enviaram aos homens, levando todas as desgraças que assolariam a humanidade. Horrorizado, Prometeu viu sua obra mergulhar na ruína. Incêndios se espalharam por cidades e plantações. E os homens usaram as artes de Prometeu para matar e escravizar uns aos outros.

Pandora: a vingança divina a Prometeu por ter criado o homem veio em forma de mulher. (Adams Carvalho/Superinteressante)

Zeus, contudo, ainda não havia saciado sua sede de vingança. Convocou Cratos e Bia, dois seres alados, de força colossal, que serviam como guardas no Olimpo. Os capangas divinos aprisionaram Prometeu e, com a ajuda do ferreiro Hefesto, acorrentaram- no no alto do monte Cáucaso, na fria e ventosa região da Cítia. Lá, o benfeitor da raça humana sofreria a mais proverbial e terrível de todas as punições.

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Todos os dias, quando o Sol despontava atrás dos penhascos pontudos, uma enorme sombra surgia batendo asas contra o céu da manhã. A águia, enorme, faminta e monstruosa, pousava sobre o corpo nu de Prometeu. E cravava o bico e as garras em seu ventre. Por horas e horas, ela rasgava as carnes do prisioneiro e devorava seu fígado, bicada por bicada. Ao pôr do sol, o pássaro ia embora. Ensanguentado e preso ao rochedo, Prometeu ficava exposto às neves e ao vento. Enquanto o resto do corpo tremia, o fígado estraçalhado se regenerava. E, tão logo vinha a próxima manhã, recomeçava o suplício. “Como sou miserável!”, lamenta-se Prometeu, na obra de Ésquilo. “Eu, que inventei tantas artes para a raça humana, não tenho habilidade necessária para me libertar do meu próprio sofrimento!”

Por anos, a tortura continuou. Em meio a tanta dor, contudo, Prometeu jamais pediu desculpas. E não cessou de bradar seu desprezo contra Zeus. O senhor do Olimpo escutou, impassível, as ofensas que seu prisioneiro lançava. Mas, de acordo com Ésquilo, Zeus acabou ficando com uma pulga atrás da orelha, ao escutar estas palavras do titã acorrentado: “Por mais que me aprisione e me torture, o governante dos céus um dia precisará de minha ajuda. Pois eu conheço um segredo terrível: eu, e apenas eu, sei quem está destinado a derrubar Zeus de seu alto trono. E só vou revelar o segredo quando for solto destas correntes e quando meu suplício acabar.”

Prometeu foi punido cruelmente por seu amor à humanidade: todos os dias, uma águia descia dos céus e devorava seu fígado. (Adams Carvalho/Superinteressante)

As palavras plantaram a insegurança no coração olímpico. Zeus recordou seu próprio pai, Cronos – e também seu avô, Urano. E temeu ter o mesmo destino que seus ancestrais destronados. “Nos mitos gregos, Zeus era considerado um ser de sabedoria imensa. No entanto, seu conhecimento não era perfeito, nem absoluto. E a prova disso é que foi chantageado por Prometeu”, explica o historiador Francisco Marshall, especialista em cultura grega e professor da UFRGS.

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Por fim, a curiosidade e o medo se mostraram mais fortes que o rancor. E Zeus ordenou que Héracles, o maior dos heróis gregos acabasse com o terrível martírio de Prometeu.

Certa manhã, quando a águia faminta ia descendo sobre o corpo do titã, uma flecha zuniu no espaço. O pássaro da dor tombou sobre o rochedo. E, logo, mãos fortes romperam as correntes forjadas por Hefesto. Prometeu respirou num alívio indescritível após 30 anos de sofrimento. Em seguida, segurou a mão que Héracles lhe estendia. Enquanto o Sol surgia sobre o Cáucaso, o mais poderoso dos homens ajudou o criador da raça humana a caminhar para a liberdade.

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