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Púrpura tíria, o pigmento roxo que fedia a peixe e valia seu peso em ouro

O fiapo de tecido da foto, tingido com a cor, foi encontrado em Israel e perteceu a uma roupa usada na época do rei David, por volta de 1000 a.C.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 30 jan 2021, 10h37 - Publicado em 30 jan 2021, 10h36

A velha roupa colorida de Belchior pode até não servir mais. Mas se ela for velha mesmo – e colorida em um tom púrpura extremamente brilhante –, talvez renda uma bela supresa financeira no brechó. 

O pigmento mais caro da Antiguidade, chamado “púrpura tíria”, chegou a valer seu peso em prata (ou até ouro, segundo algumas fontes). O nome vem da cidade de Tíria, no atual território da Líbia, na época dominada pelos fenícios – o povo famoso pela fabricação desse cobiçado roxo. De fato, uma explicação etimológica possível para o nome “Fenícia” é que ele venha do grego para “roxo”. 

Vestes dessa cor, não por coincidência, eram a marca registrada da corte romana – nos tempos de vacas magras, quando Roma já estava em colapso econômico, só o imperador em si era autorizado a usá-las. Assim, a cor púrpura se tornou sinônimo de realeza nos séculos subsequentes. 

Ter uma roupa de qualquer cor que não fosse a própria cor do tecido foi um luxo pela maior parte da história da civilização. Obter as tinturas de matérias-primas naturais, sem nenhum conhecimento teórico de química, era uma tarefa dificílima – e isso se refletia no preço das peças tingidas.

A púrpura tíria era extaída de uma secreção mucosa produzida pelas glândulas de diversos moluscos que habitam a porção oriental do Mediterrâneo. Eram necessários milhares de bichinhos para produzir uma quantidade pequena da tintura. As glândulas se decompunham em enormes tanques e exalavam um cheiro de peixe podre tão insuportável que se tornou uma questão constitucional.

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O Talmude, um livro sagrado que contém leis e costumes dos judeus, garante o direito a divórcio das mulheres cujos maridos trabalham em tinturarias, pois as mãos destes homens adquirem um cheiro permanente de frutos do mar estragados.

Agora, há uma evidência arqueológica do uso desse tecido pela elite do reino de Israel na época narrada pelo Antigo Testamento. Três fiapos de tecido roxo datados da época do reino de David, por volta de 1000 a.C., foram escavados no Vale de Timna, em Israel. Você vê um deles na imagem que abre o texto.

“É um período muito antigo para encontrar esse roxo em uso, e a localização é muito estranha”, explicou o professor Erez Ben-Yosef, da Universidade de Tel Aviv, ao jornal The Times de Israel. “O tecido estava no meio do deserto, onde não se pensava, tradicionalmente, que esses materiais de prestígio eram usados.”

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Até então, a evidência arqueológica mais antiga do uso de púrpura tíria vinha de Roma, um milênio mais tarde.

Em artigo publicado no periódico PLOS One, os isaralenses descrevem ainda uma recriação, em laboratório, do processo de fabricação do pigmento. Eles buscaram os moluscos necessários em mercados de peixe fresco na Itália, e os enviaram refrigerados a Israel.

Cada glândula contém apenas um grama do pigmento, de forma que milhares de bichinhos são necessários para a fabricação de uma quantidade razoável. “Foi um trabalho muito duro, é bem fedido”, resumiu o professor Zohar Amar, que passou semanas com as mãos azuis. Agora é torcer para o cheiro sair de suas mãos e a esposa dele não pedir divórcio.

 

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