Que país era aquele?
Do Rio Grande do Sul à Amazônia, o Brasil era só um projeto de nação em 1808, quando a corte de dom João se instalou no Rio de Janeiro
Texto Laurentino Gomes e Marcos Nogueira
Ao desembarcar no Rio de Janeiro, em março de 1808, o príncipe regente e futuro rei d. João 6º descobriu um país que não existia. Às vésperas da chegada da corte portuguesa, o Brasil era um amontoado de regiões mais ou menos autônomas e rivais entre si, sem comércio ou qualquer outra forma de relacionamento, que tinham como pontos de referência apenas o idioma português e o governo da coroa, sediado em Lisboa, do outro lado do oceano Atlântico. Ainda não havia entre os brasileiros qualquer noção de identidade nacional.
Aliás, nem mesmo a expressão “brasileiro” era reconhecida como sendo a designação das pessoas que nasciam no Brasil. Panfletos e artigos publicados no começo do século 19 discutiam se a denominação correta seria brasileiro, brasiliense ou brasiliano. O jornalista Hipólito José da Costa, dono do jornal Correio Braziliense, publicado em Londres, achava que as pessoas naturais do Brasil deveriam se chamar brasilienses. Na sua opinião, brasileiro era o português ou o estrangeiro que aqui se estabelecera. Brasiliano, o indígena.
O país inexistente descoberto por d. João tinha mais ou menos os contornos do Brasil atual, com exceção do Acre, que seria comprado à Bolívia em 1903, e algumas faixas na fronteira com a Argentina, o Paraguai, a Colômbia, a Venezuela e a Guiana Francesa, que seriam incorporadas ao território nacional entre 1870 e 1907.
Era um território, porém, em descoberta. Quase todos os grandes rios amazônicos já haviam sido explorados. Os pontos mais estratégicos estavam demarcados e protegidos com a construção de fortalezas. Em Tabatinga, na fronteira com o Peru e com a Colômbia, o marquês de Pombal havia mandado erguer um entreposto comercial e um forte, cujos canhões controlavam o acesso pelo rio Solimões. Era o posto mais avançado do território português na direção oeste. Expedições tinham chegado até o Oiapoque e mapeado as nascentes do rio Trombetas. Com um imenso território escassamente povoado, o Brasil tinha pouco mais de 3 milhões de habitantes – menos de 2% da população atual. De cada 3 brasileiros, 1 era escravo. A população indígena era estimada em 800 mil pessoas (são 460 mil hoje).
A mancha de povoamento ainda se concentrava no litoral, com algumas cidades no interior de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e ao longo do rio Amazonas. A vila de Itu, a 100 quilômetros de São Paulo, era a “boca do sertão”, antigo ponto de partida dos bandeirantes em direção ao interior ermo. Era o último núcleo urbano de São Paulo com algum conforto e comunicação regular com as demais regiões.
A partir daí, o país não passava de um deserto verde, habitado por índios, garimpeiros e escassos criadores de gado, território de ação dos contrabandistas de ouro e diamantes que vendiam suas mercadorias em Buenos Aires. Minas Gerais, de acordo com o censo de 1819, era a província mais populosa, com pouco mais de 600 mil habitantes. Em seguida, vinha o Rio de Janeiro, com meio milhão. Bahia e Pernambuco ocupavam o 3º e o 4º lugares.
O coração econômico da colônia pulsava no triângulo formado por São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais – para onde o eixo do desenvolvimento se deslocou no começo do século 18, com o declínio da cana-de-açúcar no Nordeste e a descoberta de ouro e diamantes em Minas. O comércio era feito em tropas de mulas, em viagens que demoravam semanas.
No percurso das tropas, havia ranchos e vendas, que serviam de abrigo e locais de reabastecimento para os tropeiros e seus animais. Comia-se feijão cozido com toucinho, acompanhado de carne-seca assada e farinha de mandioca, com sobremesa de queijo e banana. À noite, dormia-se numa manta de couro estendida sobre um jirau de ripas sustentado por pedaços de madeira fincados no solo.
No ano da chegada da corte, a colônia tinha acabado de passar por uma explosão populacional. Em pouco mais de 100 anos, o número de habitantes aumentara 10 vezes, em conseqüência da descoberta de minas de ouro e diamantes no final do século 17. A corrida para as novas áreas de mineração, que incluíam Vila Rica (atual Ouro Preto) e Tijuco (atual Diamantina), em Minas Gerais, e Cuiabá, no Mato Grosso, produziu a primeira grande onda migratória da Europa para o interior brasileiro. Só de Portugal, entre meio milhão e 800 mil pessoas mudaram-se para o Brasil de 1700 a 1800.
Ao mesmo tempo, o tráfico de escravos se acelerou. Quase 2 milhões de negros cativos foram importados para trabalhar nas minas e lavouras do Brasil durante o século 18. Foi uma das maiores movimentações forçadas de pessoas em toda a história da humanidade.
Fazia mais de 200 anos que o tráfico de africanos sustentava a prosperidade da economia colonial. Os escravos eram o motor das lavouras de algodão, fumo e cana, e também das minas que drenavam a riqueza para a metrópole. Os cativos somados aos negros libertos, mulatos e mestiços – seus aliados entre os pobres que viviam à margem da sociedade colonial – eram mais de dois terços da população.
Era uma população analfabeta, pobre e carente de tudo. Devido à precariedade das comunicações com o interior da colônia, a notícia da morte do rei d. José 1º, em 1777, levou 3 meses e meio para chegar a São Paulo. A ignorância e o isolamento era resultado de uma política deliberada do governo português, que tinha como objetivo manter o Brasil uma jóia extrativista e sem voz própria, longe dos olhos e da cobiça dos estrangeiros. Era uma política tão antiga quanto a própria colônia.
Ao assumir o cargo, em 1548, o primeiro governador-geral, Tomé de Sousa, recebeu 12 instruções sobre como conduzir os negócios no Brasil. Uma delas determinava “impedir a comunicação de uma capitania a outra pelo sertão”. Uma lei de 1733 proibia a abertura de estradas, para combater o contrabando de ouro e diamantes, facilitando o trabalho dos fiscais portugueses. As poucas estradas existentes haviam sido feitas sobre picadas criadas pelos índios ainda antes do descobrimento.
Mantida por 3 séculos no atraso, a colônia era composta de áreas isoladas, distantes e estranhas entre si. Conheça a seguir o cotidiano em 5 dessas regiões – São Paulo, Minas, Amazônia, Rio Grande do Sul e Bahia. Elas seriam transformadas radicalmente com a chegada da corte.
A pobreza paulista
A maior metrópole brasileira da atualidade tinha, em 1808, pouco mais de 20 mil habitantes, incluindo os escravos. Não passava de uma vila pobre cercada por roças de mandioca, milho e frutas como mamão e banana que garantiam a subsistência.
A penúria lançou os paulistas ao papel que coube a eles na colônia: o de viajantes. Sem recursos para comprar escravos africanos, a partir do fim do século 16 eles se embrenharam nos sertões para caçar índios. Nas terras de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, descobriram ouro e diamantes – mas Portugal manteve essa riqueza longe de São Paulo. Na virada do século 18, os paulistas continuavam na estrada, agora abastecendo de carne do sul as regiões mineradoras e o Rio de Janeiro, sede do vice-reinado desde 1763.
Os tropeiros paulistas usavam chapéus de feltro, de cor cinza e abas largas, presas à copa por cordéis. O casaco e as calças eram de algodão escuro. Botas folgadas de couro cru, tingidas de preto, ficavam seguras abaixo do joelho por correia e fivela. Os homens traziam na cintura ou no cano da bota uma faca comprida, de cabo prateado, que servia de arma de defesa ou de talher nas refeições. Nas viagens pelo interior, a cavalo ou em comboios de mulas, protegiam-se do frio e da chuva usando poncho azul, comprido e amplo, com abertura por onde enfiavam a cabeça. A peça era tão comum em São Paulo que durante muito tempo foi chamada de “paulista”, até cair em desuso pelo desaparecimento das tropas, passando então a ser considerada como típica do gaúcho no Rio Grande do Sul.
Quem ficava na cidade enquanto os homens iam buscar regiões mais atraentes? “A população feminina sempre foi majoritária”, diz a historiadora Maria Luiza Marcílio, autora de A Cidade de São Paulo: Povoamento e População, trabalho que trouxe à luz o cotidiano da cidade com a análise de registros de cartórios e paróquias entre os anos de 1750 e 1850. Graças a esse levantamento, sabe-se, por exemplo, que 25% dos filhos de mulheres livres eram ilegítimos. Ou que os nomes mais populares na cidade eram as múltiplas variações de Maria e José, o que denota a forte religiosidade de um povo que não seguia à risca os mandamentos da Igreja.
Maria Luiza revelou uma São Paulo mestiça, iletrada e fortemente rural. A maior parte da população ainda era fruto da miscigenação de índias com os primeiros portugueses que lá chegaram, sem família, ainda no século 16. São Paulo era subordinada ao Rio de Janeiro até 1765 – ano em que a coroa decidiu que a capitania era estratégica demais para ficar abandonada e lhe designou um governador.
A cidade está na junção de vários terrenos de relevo suave, irradiando caminhos naturais para o sul, para a região das minas, para Goiás e para o litoral fluminense, de onde se prossegue rumo ao nordeste – esses caminhos já estavam suficientemente pisados pelos índios quando o primeiro europeu chegou. Correndo para o noroeste, o rio Tietê deságua no rio Paraná – que se abre em um mar de água doce no rio da Prata, o epicentro das disputas territoriais entre Portugal e Espanha na época.
O nobilíssimo dom Luís de Souza Botelho Mourão, primeiro governador de São Paulo, chegou à nova morada pelo mais difícil de todos os caminhos: a serra do Mar, elevação abrupta e obrigatória para quem se aproxima da cidade via Santos. Nas palavras de José de Anchieta, co-fundador do colégio jesuíta em 1554, “o pior [caminho] que há no mundo”. Mourão subiu a mesma trilha de Anchieta, mas certamente não teve de andar “de gatinhas” como o beato. Qualquer pessoa de posses dispunha de índios ou negros para carregá-la.
No alto da serra, Mourão prosseguiu de barco por córregos e rios até atracar em São Paulo. (Sim, havvia portos em São Paulo. O principal ficava no curso do rio Tamanduateí, na região onde atualmente está o cruzamento da rua 25 de Março com a ladeira que até hoje guarda o nome Porto Geral.) Morro acima, não havia mais o colégio que deu origem à cidade: com os jesuítas expulsos por ordem do marquês de Pombal, no lugar foi erguido um palácio para acolher o governador (em 1954, esse palácio seria demolido para a construção de uma réplica do prédio dos padres).
O palácio dos governadores, assim como quase tudo que existia em São Paulo naqueles tempos, se encarapitava em um morro cercado por várzeas e brejos. As ruas não tinham calçamento até fins do século 18 e as construções, por falta de pedras e de dinheiro para trazê-las de longe, eram de pau-a-pique. O primeiro chafariz foi inaugurado em 1791, e dos dejetos cada um se livrava como podia – não à toa, uma placa numa viela ao lado do atual Pátio do Colégio indica que ali era o beco da Merda. O comércio de itens como farinha, feijão, carne de porco, galinhas vivas e fumo se dava na rua das Casinhas, atual rua do Tesouro, em meio a mulas, cavalos e muito lixo. E, quando o sol se punha, a cidade era tomada por prostitutas. Segundo o relato, do início do século 19, do botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, havia opção de mulheres “de todas as raças”.
As minas africanas
Se São Paulo era pobre, Minas Gerais jazia sobre ouro e diamantes. Se São Paulo era rural e caipira, Minas Gerais era urbana e cosmopolita. Se São Paulo era indígena, Minas Gerais era africana.
A febre do ouro já havia baixado, porém deixou seqüelas: o fluxo constante de mão-de-obra e a ascensão social desses trabalhadores fez com que Minas abrigasse, nas últimas décadas do século 18, pelo menos 120 mil ex-escravos (e seus descendentes de 1ª e 2ª gerações). Isso correspondia a mais de um terço do total de habitantes da capitania. “Era a maior população desse tipo que o mundo já havia visto”, afirma Eduardo França Paiva, historiador da UFMG e autor do livro Escravidão e Universo Cultural na Colônia.
Essa multidão de origem africana não estava presa a troncos na senzala de uma fazenda, mas circulando nas ruas de núcleos como Sabará, Mariana e Tijuco. E fazendo algum dinheiro no sistema de ganho: o proprietário estipulava uma quantia que o escravo deveria lhe entregar após um dia de trabalho para terceiros; o excedente poderia ficar com o próprio escravo para pequenas despesas e a aquisição da alforria. Muitos, inclusive os cativos, moravam em casas construídas por eles mesmos, de onde se deslocavam para o trabalho. “Nas sociedades urbanas, as relações escravo-proprietário se davam em bases diferentes das rurais”, diz Eduardo. “Tudo podia ser negociado.” O escravo continuava privado da liberdade e sujeito a torturas e humilhações, porém é fato que a vida era menos má numa cidade mineira que num engenho pernambucano.
Nessa negociação, a chantagem era uma arma contra a chibata. Os escravos sabiam muito da vida de seus donos, inclusive do ouro não declarado à coroa (sem mencionar eventuais peripécias sexuais). “Qualquer delação, mesmo infundada, podia causar sérios transtornos”, escreve o pesquisador Iraci del Nero da Costa no livro Minas Colonial: Economia e Sociedade.
O negócio mais almejado pelo escravo era, claro, ser dono da própria vida. A liberdade podia ser paga em prestações mensais ou anuais num esquema chamado coartação. Era uma espécia de crediário da libertação. “Muitas mulheres libertas compravam a alforria dos filhos e do marido”, diz Eduardo. As mulheres ganhavam mais porque, segundo a tradição africana, o comércio era atribuição feminina. Elas correspondiam a dois terços da população forra da capitania. Aos homens, cabia o trabalho braçal – nas cidades, eles tinham papel semelhante a mulas-de carga.
Ex-escravas exibiam sua condição social ao adotar roupas e jóias, como a penca de balangandãs, que muitas vezes era confeccionada em prata ou ouro. Navios portugueses traziam, da Índia, tecidos feitos sob encomenda para se adequar ao gosto dessas mulheres urbanas de Minas Gerais.
Algumas obtinham sucesso excepcional. Entre os registros testamentais pesquisados por Eduardo, está o de Bárbara de Oliveira, baiana que se estabeleceu em Sabará, enriqueceu e deixou a maior herança de que se tem notícia entre ex-escravos. Do seu inventário constavam porcelanas chinesas e jóias – além de 7 escravos e 15 escravas, todos alforriados ou coartados no testamento. Para o historiador, não deve espantar o fato de uma ex-escrava ter o próprio séquito de criados. Um terço dos donos de escravos em Minas eram ex-escravos. Independentemente da origem, eles agiam como homens de seu tempo.
A imensidão verde
Guardar os 23 mil quilômetros de fronteiras do Brasil ainda não é um trabalho fácil para um país que, embora não seja uma potência militar, tem seus aviões e radares. Imagine, então, a dificuldade da tarefa numa época em que só cavalos e barcos a remo – quando muito – chegavam aos rincões mais distantes.
“Guardar fronteiras” é um termo demasiado brando para o que ocorria naqueles tempos: o Brasil se forjou num processo de franca expansão territorial. A maioria das terras das Regiões Sul, Centro-Oeste e Norte foi anexada em flagrante desrespeito ao Tratado de Tordesilhas, de 1494, que dividia o Novo Mundo entre Espanha e Portugal com um meridiano que cortava o mapa da ilha de Marajó, ao norte, até o litoral de Santa Catarina, ao sul.
Na Amazônia, os espanhóis não opuseram muita resistência ao avanço luso. Tal presença se dava com a construção de alguns fortes militares e, principalmente, com a fundação de missões religiosas – sempre às margens do Amazonas e seus afluentes, pois a mata fechada dificultava muito a exploração das áreas secas.
Não que desbravar rios fosse brincadeira. “Uma viagem de Belém a Santarém levava 20 dias”, afirma Décio Guzman, historiador da Universidade Federal do Pará. A empreitada por madeira e ervas exigia navegar contra a corrente do Amazonas, o que exigia remos, o que exigia braços. Aí que entram os índios. “Uma embarcação grande levava até 200 índios, entre remadores e outros escravos”, diz Décio. O comércio entre o litoral e as entranhas da Amazônia antecede a chegada dos europeus: os indígenas formavam uma cadeia em que os moradores de uma comunidade entregavam a mercadoria ao povoamento seguinte, até atingir o destinatário final.
Mas os europeus queriam cobrir o trajeto completo. Precisavam, portanto, abastecer seus barcos com muito peixe salgado – tambaqui, filhote, pirarucu – e farinha de mandioca. Acontece que não era raro a comida acabar: a solução era entrar no mato para colher frutas e caçar. Antas, macacos, veados, tartarugas, tudo entrava no cardápio dos viajantes. Menos boto. “Os portugueses não viam problema em se alimentar de boto, mas os índios, sim”, conta Décio. Extremamente sociável – ele é parceiro dos nativos nas pescarias, indicando onde estão os melhores cardumes –, esse parente do golfinho sempre foi reverenciado pelos ribeirinhos, que o mencionam em numerosas lendas e superstições.
Os caçadores às vezes eram caçados. “Os índios instalavam armadilhas nas árvores e empurravam os portugueses para áreas cheias de bichos peçonhentos, como aranhas e lacraias”, diz Décio. Coisa de amador, em comparação ao que eles encararam no início do século 18: um general indígena que travou uma guerra de 5 anos com Portugal.
Ajuricaba era chefe dos manaus, do rio Negro (que deram nome à capital do futuro estado do Amazonas), e de mais de 30 outros povos persuadidos por seu poder de fogo. Isso não é força de expressão, pois, antes de atacar os portugueses, em 1723, Ajuricaba muniu seus homens de armas e pólvora compradas dos holandeses do planalto das Guianas. Quando finalmente foi capturado e levado a Belém, em 1728, o líder indígena se desvencilhou da escolta e pulou no rio. Ele nunca foi encontrado vivo nem morto, o que suscitou uma série de lendas messiânicas a seu respeito.
Em geral, quem atacava os índios eram os brancos – ainda que a arma fosse uma Bíblia. Jesuítas, carmelitas, mercedários e franciscanos foram os principais responsáveis pelo povoamento da bacia do Amazonas. Eles fundavam missões nas margens dos rios e atraíam as populações da floresta. Devidamente cristianizados, esses índios se tornaram os caboclos ribeirinhos que estão lá até hoje.
O Velho Oeste Sul
Os portugueses só encontraram tanta facilidade de penetração na Amazônia porque os espanhóis tinham olhos apenas para o rio da Prata, onde deságua uma rede de caminhos fluviais que se estende desde a Bolívia até o litoral da atual Argentina e do Uruguai. Para a Espanha, muito mais que a floresta, interessava controlar as duas margens para manter Portugal afastado de seus negócios com a prata boliviana e o ouro peruano. Aos portugueses, não interessava que os espanhóis dominassem sozinhos a região platina.
Se ninguém arredava mão, as fronteiras dos pastos ao norte do rio da Prata se deslocavam para cima e para baixo durante o século 18 e no início do 19. Alheios ao vaivém de espanhóis e portugueses estavam os bois. O Rio Grande do Sul produzia, além de um pouco de trigo, quantidades monumentais de gado, usado na fabricação de charque, mantas de couro, sebo e chifre. Suas fazendas eram gigantescas. Um dos maiores pecuaristas da região, José Antônio dos Anjos, abatia 50 mil cabeças de gado por ano.
Havia também o gado selvagem, criado à solta e sem dono nas regiões ermas do interior. “Fala-se em milhões ou, pelo menos, centenas de milhares de cabeças”, diz o historiador Fábio Kuhn, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ele se refere aos rebanhos que os índios guaranis criavam ao sul das missões jesuíticas da margem leste do rio Uruguai. Abandonadas à própria sorte quando os padres foram expulsos, as reses se multiplicaram numa espécie de éden bovino. (Enquanto isso, os guaranis, que não queriam ser súditos da coroa portuguesa, conseguiram um feito: unir lusos e castelhanos no campo de batalha contra eles. As guerras guaraníticas duraram até 1756, e quem perdeu, claro, foram os índios.)
O gado do Rio Grande atraía os tropeiros paulistas, que tocavam as boiadas até Sorocaba, onde os animais eram engordados e vendidos a outras regiões. As fábricas de charque surgiram em 1777, quando o luso-cearense José Pinto Martins importou do sertão nordestino a técnica da carne-seca. A partir daí, o boi já podia ser embarcado aos pedaços para Minas e para o Rio.
A pecuária extensiva criou um estilo de vida que viria a ser a marca registrada do gaúcho. Mas quem era o gaúcho? “Esses homens sem religião nem moral”, escreveu Saint-Hilaire, em 1820, no livro Viagem ao Rio Grande do Sul. Luiz Alberto Grijó, da UFRGS, afirma que o francês só ecoou a opinião geral. “ ‘Gaúcho’ era o nome dado aos bandoleiros. Só no início do século 20 a palavra passaria a designar todos os rio-grandenses”. O gaúcho podia fazer bicos como peão em estâncias, mas sua atividade principal era mesmo roubar.
Fora os malfadados gaúchos, havia boiadeiros, estancieiros, militares e escravos. Mulheres eram raridade no estágio inicial de ocupação. “Em 1750, havia 3 homens para cada mulher em Viamão”, diz Fábio, referindo-se à cidade que hoje integra a região metropolitana de Porto Alegre. Estancieiros e militares viviam às turras, pois os últimos recrutavam mão-de-obra à força ou confiscavam fazendas sob a alegação de necessidade de defesa do território da coroa. E, para defender a terra do estancieiro, havia escravos armados. “Mas a arma não era de fogo”, diz Grijó.
A bombacha, calça larga associada ao gaúcho folclórico, ainda não havia sido adotada pelos cavaleiros. Em seu lugar, vestia-se uma peça de nome chiripá, tipo de fraldão usado sem roupa de baixo. Nos pés, uma solução mui prática: as botas de garrão-de-potro, que consistia do couro da pata de um cavalo, inteiro, sem costuras, com uma abertura para que o dedão do pé pudesse segurar o estribo. Mas já havia o chimarrão, herança dos índios, que o tomavam numa cabaça com um canudo de junco. E o churrasco era inevitável no ambiente do boiadeiro. “Às vezes matava-se uma rês, comia-se o que dava e abandonava-se a carcaça no pasto”, afirma Grijó.
A primeira capital
Por incrível que pareça, os portugueses não davam bola para as praias do Nordeste. “Tomar banho de mar era coisa de escravo, de gente pobre”, diz o historiador Carlos Eugênio Líbano Soares, da UFBA. A água não atraía os reinóis – filhos do reino de Portugal –, mas a proximidade do oceano é tudo de que precisa alguém que se propõe a viver do comércio marítimo. Portanto, a primeira área a prosperar nas terras recém-descobertas foi o litoral nordestino – de onde a viagem transoceânica para Lisboa era mais curta. Foi lá que se ergueu a primeira capital da colônia: São Salvador da Bahia de Todos os Santos.
Salvador, com 46 mil habitantes, era o 2º maior núcleo urbano dos territórios d’além-mar (atrás do Rio de Janeiro). O Pelourinho tinha mais terrenos baldios que prédios, pois fazia poucos anos que a área havia sido desapropriada dos jesuítas pelo marquês de Pombal. De resto, não se estendia muito além da Cidade Baixa – onde ficava o comércio – e da Cidade Alta, das casas aristocráticas. Entre uma e outra, não havia o Elevador Lacerda: ia-se nas costas de um negro ou com um branco nas costas, dependendo da perspectiva. O trânsito de liteiras era intenso.
O transeunte deveria olhar tanto para o chão quanto para o alto. Das janelas dos sobrados vinham os excrementos e lixo de toda natureza atirados à rua sem cerimônia. No chão, naturalmente, esse lixo se acumulava (enquanto os detritos líquidos escoavam para uma canaleta no centro do pavimento, mais baixo que as laterais). “Essa prática era tão comum que chegou a haver uma lei obrigando as pessoas a gritar ao esvaziar o balde”, afirma Carlos Eugênio. Era um hábito herdado de Lisboa, onde, por falta de saneamento, os penicos eram esvaziados diretamente à rua enquanto o morador alertava: “Lá vai água!” Por essa razão, na capital portuguesa, quem saía à noite usava chapéu e capa impermeável, para não correr o risco de voltar para casa encharcado.
Num ambiente tão insalubre, adoecia-se muito. Varíola, malária, tifo, sarna e todo tipo de moléstia eram coisa ordinária não só na Bahia mas em todo o Brasil. O tratamento geralmente envolvia sangrias com ventosas ou sanguessugas. Menos radical, a sopa de galinha era considerada uma panacéia. Todo doente precisava tomar canja, o que redundava numa grande população de galináceos até nas cidades.
Ao lado da imundície da rua, havia a venda de comida. Os portugueses comiam iscas de peixe ou de fígado. A comida baiana que nós conhecemos, à época, tinha os escravos como público-alvo exclusivo. Os negros ainda comiam angu de farinha de mandioca – o funje de Cabo Verde e de Angola – enriquecido com entranhas bovinas e suínas, quiabo e outros legumes. A venda de salgados, doces e refrescos era atribuição das quitandeiras, de quem as baianas do acarajé são descendentes – embora em outras cidades do Brasil também houvesse vendedoras com indumentária idêntica.
Enquanto uns trabalhavam, muitos outros chegavam ao mercado de Salvador. A cidade era também um pólo distribuidor de escravos para a região das Minas e para o resto do Brasil. Eles chegavam de muitas regiões da África: da Costa da Mina, de Angola, de Moçambique. “Era o auge do escravismo”, diz o historiador Marcus Carvalho, da UFPE. “O tráfico havia se espalhado por toda a costa da África, e os preços estavam muito baixos.” Junte-se a isso uma demanda crescente por trabalhadores nos canaviais do Recôncavo, e temos um aporte excepcional de cativos.
As ruas de Salvador eram 100% negras pelo menos duas vezes ao dia: às 6 da manhã, quando os escravos domésticos caminhavam ao chafariz para buscar água para a casa de seus senhores, e nas horas de sol a pino, período em que os brancos se refugiavam em casa. À noite, havia toque de recolher para todos a partir das 10 horas. Os senhores de escravos, entretanto, liberavam seus trabalhadores para beber cachaça e se divertir na rua até altas horas. O resultado era a prisão de muitos negros. “No dia seguinte, o escravo não aparecia para trabalhar e o dono ia tirar satisfação na cadeia”, diz Carlos Eugênio. Dependendo de quem fosse, o carcereiro podia sofrer as conseqüências de prender o escravo da pessoa errada. Como se vê, o Brasil não mudou tanto assim.
E SE D. JOÃO NÃO TIVESSE IDO EMBORA?
O Brasil foi descoberto em 1500, mas inventado como país em 1808. Nenhum outro período da história brasileira testemunhou mudanças tão profundas, decisivas e aceleradas quanto os 13 anos em que a corte portuguesa permaneceu no Rio de Janeiro.
Como seria hoje o Brasil se d. João não tivesse fugido? Apesar da relutância em fazer conjecturas, quase todos os historiadores concordam que, na hipótese mais provável, o país não existiria na sua forma atual. A Independência e a República teriam vindo mais cedo, mas a colônia portuguesa se fragmentaria em pequenos países autônomos, muito parecidos com os vizinhos da América espanhola, sem nenhuma afinidade além do idioma.
Baseado nessas divergências regionais, o americano Roderick J. Berman especula sobre o destino das possessões portuguesas. Seriam 3 países: um formado pelos territórios do Sul, Sudeste e Centro-Oeste; outro abrangendo a atual Região Norte mais o Maranhão (e sem o Acre); e um terceiro com a área restante do Nordeste. O Piauí poderia se bandear tanto para o lado do país nortista quanto para o nordestino. Ao sul, é bem provável que a Revolução Farroupilha houvesse sido bem-sucedida em 1835, resultando no nascimento de mais uma nação no Rio Grande. E, com o Brasil dividido, a nação mais poderosa do continente seria, muito provavelmente, a Argentina.
E SE D. JOÃO NÃO TIVESSE VOLTADO A PORTUGAL?
Se o rei não retornasse para Lisboa em 1821, teríamos hoje outro herói da Independência: o próprio d. João 6º. As mudanças ocorridas no país nos 13 anos anteriores tinham sido tão profundas e aceleradas que a separação era apenas uma questão de tempo e, principalmente, de saber quem seria seu protagonista. Uma combinação de acaso com decisões precipitadas deu esse papel ao futuro d. Pedro 1º. Mas bem podia ter sido d. João.
Tão certa era a Independência que, pouco antes de partir, d. João chamou o filho mais velho para uma última recomendação: “Se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, que para algum desses aventureiros”. D. João sabia que, se voltasse a Portugal, perderia o Brasil. Se permanecesse no Rio de Janeiro, perderia Portugal.
De início, cogitou-se a hipótese de enviar o próprio d. Pedro. Mas o herdeiro recusou por duas razões: ele se sentia mais à vontade no Brasil, onde havia chegado com apenas 10 anos e tinha todos os seus amigos e conselheiros, e sua mulher, a princesa Leopoldina, estava nas últimas semanas de gravidez e poderia ter o filho em alto-mar – situação de alto risco para a época. Depois de muitas discussões, d. João surpreendeu seus auxiliares com a seguinte frase: “Pois bem, se o meu filho não quer ir, irei eu”. E, assim, deixou para o filho a glória de se tornar o herói da Independência brasileira.
Do Rio às Minas, em 1808
Uma viagem infográfica pelo Brasil que recebeu a corte de dom João
1. A praia
Enquanto mercadores abasteciam os navios, os escravos “tigres” – chamados assim por causa das marcas brancas que os excrementos faziam ao escorrer dos baldes que carregavam nas costas – despejavam a imundície no mar.
2. O café da manhã
Às 7 h, as quitandeiras já preparavam o alimento da maior parte dos escravos de ganho e negros livres: o angu, uma papa que era enriquecida com miúdos de vaca, banha de porco, óleo de dendê e verduras.
3. Transporte
Os proprietários de chácaras vinham carregados por seus escravos em redes até a cidade. Usadas inicialmente para transportar enfermos ou mortos, elas passaram a ser utilizadas por pessoas de posses e nobres portugueses.
4. A arquitetura
O centro passava por uma revitalização que proibia, entre outras coisas, as rótulas – janelas basculantes que abriam somente por baixo. Para d. João, além de serem feias, impediam que quem estivesse de fora visse o interior das casas.
5. Rumo ao interior
Os tropeiros foram os grandes responsáveis pela ocupação do interior do Brasil, facilitando a troca de produtos entre o interior e a capital. O transporte era feito no lombo de animais, de grande utilidade nos terrenos montanhosos.
6. Parada policial
As intendências de polícia ficavam distribuídas pelo país para evitar o contrabando. Muitos dos escravos roubavam diamantes e pedras preciosas para pagar sua liberdade assim que chegassem ao Rio de Janeiro.
7. Casa de câmara e cadeia
Toda vila com poder estabelecido possuía uma Casa da Câmara e Cadeia, que comportava os presos no andar térreo e os parlamentares no 1º andar – um tipo de câmara dos vereadores. Não existia prefeitura.
8. A procissão
As festas religiosas eram os eventos sociais mais importantes da colônia. A presença na procissão de Corpus Christi – a mais importante do ano – não era opcional: quem faltasse corria o risco de ser preso.
9. O fim do garimpo
A extração de ouro e diamantes, principal atividade do século 18, estava com seus dias contados por causa da falta de conhecimento técnico dos exploradores. Aos garimpeiros restava apostar na agricultura.
Os sons e a gente da capital colonial
Um dia no Rio de Janeiro que recebeu o príncipe dom João
Texto Mary Del Priore*
Quando os Braganças desembarcaram no Rio de Janeiro, a cidade era um dos portos coloniais mais bem localizados do mundo. As facilidades de intercâmbio com a Europa, América, África, Índias Orientais e as ilhas dos mares do sul indicavam um grande elo de união entre o comércio das variadas regiões do globo. Apesar das fantasias sobre as belezas naturais e riquezas, para quem chegasse a esta parte do planeta a realidade se impunha rapidamente.
Havia, sim, o impacto positivo da paisagem da baía de Guanabara, amplificado pelos meses de longa viagem. Mas o exotismo passava longe da realidade urbana. No Rio, tudo era “horrivelmente sujo!”, fétido e abandonado. Cercado de mangues e charcos, o burgo sofria com a falta d’água e de higiene.
Era pelas ruelas estreitas, por praças sem decoração, por caminhos cheios de mato que o cotidiano de seus habitantes se construía. Na massa anônima, origens e cores se misturavam – e também línguas, atividades, crenças e idéias. Gente e coisas, objetos e pessoas se acotovelavam como nunca dantes o fizeram entre nós. Os moradores reagiram aos desafios das portas que se abriam para o mundo, construindo um singular cosmopolitismo tropical.
Cosmopolitismo de longa data, pois Gilberto Freyre já identificara, no dia-a-dia dessa gente, traços orientais cuidadosamente trazidos pelos portugueses de suas viagens às Índias. Os imensos guarda-sóis que abrigavam do calor, os palanquins a se arrastar pelas ruas, a esteira como espaço de descanso, as mulheres cobertas dos pés à cabeça por capas escuras, as casas caiadas de branco com beirais arrebitados, o hábito de empinar papagaios, o gosto pelos espetáculos pirotécnicos. Enfim, o porto carioca ainda cheirava ao Oriente das grandes descobertas quando a família real aqui desembarcou.
A repetição marcava a construção dos moradores da corte: “Bem cedo, às 5 horas, começa o espetáculo. Primeiro, um retumbante tiro de canhão da ilha das Cobras estremece as janelas e obriga-me a despertar conquanto a escuridão ainda seja total. Às 5h30, um corneta da guarda policial, vizinha, soa a alvorada de maneira dissonante! Logo a seguir badalam os sinos por toda a cidade, especialmente os da Candelária, tão ruidosa e demoradamente como se quisessem acordar os mortos (…). Às 6 horas em ponto passam os presos a buscar água, rangendo as correntes. Os papagaios, de que as redondezas estão cheias, soltam seus gritos estridentes e, antes mesmo das 7 horas, a ralé dos cangueiros e vendilhões já está de pé a tagarelar e berrar”, conta-nos o viajante Ernest Ebel.
O mesmo horário rígido marcava, também, o dia-a-dia dos ambulantes. As vendedoras de café saíam às ruas às 6 da manhã e permaneciam até as 10. Os vendedores de capim paravam de circular também às 10 horas e daí para a frente só exerciam suas vendas na praça do Capim. As vendedoras de pão-de-ló tinham de fazê-lo antes da ceia, ou seja, do almoço.
Impressionava o número de negros escravos e livres circulando pelas ruas, dando aos forasteiros a impressão de ter desembarcado na África. Entre eles, ranchos de audaciosos capoeiras cruzavam a Candelária com paus e facas, exibindo-se num jogo atlético apesar das penalidades impostas – chibatadas aos escravos que “capoeirassem”. Não era uma massa uniforme. Nela, os indivíduos se identificavam pelos sinais de nação, talhos e escarificações no corpo ou na face, os cuidadosos penteados que denotavam estado civil e pertença a determinado grupo, o porte de amuletos, jóias ou chinelas.
Toda uma sonoridade, hoje desaparecida, identificava as formas de trabalho que enchiam as ruas – a cantilena melancólica dos carregadores de vinho, as estrofes monótonas dos escravos que transportavam café, o canto cadenciado dos prisioneiros em tarefas forçadas. Por cima de tudo, o som contínuo dos sinos lembrava que cabia à Igreja, tanto quanto ao trabalho, mediar a passagem do tempo. Às 6 horas, era o Angelus. Às 12 horas, anunciava-se que o demônio andava à solta. Melhor rezar… Às 18 horas, eram as ave-marias nas esquinas, frente aos oratórios, caso se estivesse na rua. Tantos toques para um enterro, outros tantos para um nascimento. Ao peditório em altos brados dos mendigos, se juntava aquele dos irmãos de confrarias, com bandejas de esmolas e imagens de santos à mão, numa cacofonia sem fim.
Sons e gente marcavam o cotidiano do qual os Braganças começaram a fazer parte em 1808.
* A historiadora Mary Del Priore é sócia honorária do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Os brasileiros
Conheça alguns dos personagens que fizeram parte da história da colônia
Naturalista
O trabalho desses ingleses, franceses e outros europeus era catalogar cada descoberta botânica, de novos animais a minérios. Tudo deveria ser detalhado nos diários. Além de grandes colaboradores da ciência, também foram pioneiros da biopirataria.
Índios catequizados
Convertidos por jesuítas – expulsos do Brasil em 1759 – e outras ordens religiosas, os índios cristãos eram obrigados a se alfabetizar e a cobrir o corpo. Aqueles que não se habituavam aos rigores da disciplina fugiam para as selvas e, muitas vezes, eram perseguidos e mortos.
Padre carmelita
Os carmelitas chegaram ao Rio de Janeiro em 1589 e possuíam uma influência muito grande na vida social e política da cidade. Foram eles que cederam ao príncipe regente o Convento do Carmo, onde ficou alojada dona Maria, a Louca.
Índio
Muitas tribos indígenas do sul e sudeste do Brasil perfuravam lábios e orelhas com acessórios arredondados. Por isso bacuéns, crenaques e teuetes eram chamados de botocudos, referência à aparência “assustadora” dos índios.
Preto de nação
Em sua maioria da África Ocidental, os escravos que chegavam ao Brasil mantinham suas características tribais e étnicas, diferenciando-se por cicatrizes no rosto e cortes de cabelo. Muitos já tinham alguma noção de português, idioma comercial desde a era dos descobrimentos.
Barbeiro
Geralmente negro ou mulato, o “oficial de barbeiro”, como era conhecido, também deveria ser um bom cabeleireiro, cirurgião e aplicador de sanguessugas, ou bichas – acreditava-se que a prática curava doenças.
Classe média
Era a classe mais numerosa, formada pelo pequeno capitalista, proprietário de um ou dois negros. Sua renda era obtida a partir do trabalho de seus escravos, que passavam o dia vendendo doces, água, tabaco e outras mercadorias.
Cigano
A maior parte dos ciganos que chegou ao Brasil veio da península Ibérica. Algumas comunidades, situadas no interior do país, viviam do comércio de cavalos (um legado da atividade que exerciam na Europa) e também da revenda de escravos.
Parteira
Essas mulheres eram chamadas quando o parto tinha alguma complicação ou quando a família queria ostentar seu poder dentro da sociedade. Em outros casos, as criadas ajudavam no nascimento da criança.
Mercador de escravos
Foi um dos principais financiadores da corte no Brasil. Ele selecionava os escravos que chegavam da costa africana e negociava com senhores e grandes fazendeiros. Ficaram ricos por causa do aumento da importação de negros, incentivado com a chegada de d. João.
Prostitutas
Certas escravas eram obrigadas por suas senhoras a se prostituir. O dinheiro era dividido com as patroas. Algumas compravam a alforria e as próprias escravas para prostituir. Elas geralmente morriam muito cedo de doenças venéreas.
Gaúcho
Era o hombre suelto, bandoleiro da campanha do sul que atacava as tropas de gado a caminho do Rio. Só no século 20 a figura adquiriu caráter mitológico, e o nome passou a identificar todos os sul-rio-grandenses.
Para saber mais
1808
Laurentino Gomes, Planeta, 2007.
A Capital da Solidão
Roberto Pompeu de Toledo, Objetiva, 2003.
Escravidão e Universo Cultural na Colônia
Eduardo França Paiva, UFMG, 2001.
História da Vida Privada no Brasil, vol. 1
Laura de Mello e Souza (org.), 1997.
A Cidade de São Paulo: Povoamento e População
Maria Luiza Marcílio, Pioneira/Edusp, 1974.
Debret e o Brasil: Obra Completa
Julio Bandeira e Pedro Correa do Lago, Capivara, 2007.