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Resgate do trem das artes

Estagiária e diretor de museus da França lideraram grupo que se dedicou a recuperar centenas de obras de artes pilhadas pelos nazistas

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h20 - Publicado em 14 abr 2012, 22h00

Ernani Fagundes

Hitler sonhava construir um império que resplandecesse em glória e que durasse mil anos. Em cada país que invadia, seus colaboradores compravam a preços vis, roubavam ou confiscavam todas as obras de arte que conseguissem transportar (todas menos as que consideravam “arte degenerada”, de autoria de judeus ou artistas contemporâneos). Quando Paris foi invadida, em 14 de junho de 1940, os museus franceses tornaram-se as joias mais cobiçadas do que seria o acervo do chamado Führermuseum (Museu do Líder), a ser construído na Áustria. Do lado dos Aliados, porém, um grupo com cerca de 350 pessoas de 13 países – que incluía curadores, voluntários, militares e pessoas comuns – iria arriscar a vida para recuperar os tesouros pilhados pelos nazistas. O grupo, que ficou conhecido como Monuments Men, travou com os ladrões uma batalha incansável e perigosa mesmo sem armas. E levou a melhor.

Entre esses heróis do patrimônio artístico da humanidade, segundo o historiador Robert M. Edsel, coautor de Caçadores de Obras-Primas, estava Rose Valland, uma estagiária do museu parisiense Jeu de Paume. Nascida e criada na zona rural de Saint-Étienne-de-Saint-Geoirs, estudou belas-artes em Lyon e seguiu para Paris, onde se sustentava dando aulas particulares enquanto tirava diplomas na École des Beaux-Arts, na École du Louvre e na Sorbonne. Pouco antes do início da 2ª Guerra, ela aceitou trabalhar no museu Jeu de Paume de graça. “Em 1939, Rose ajudou Jacques Jaujard, o diretor dos Museus Nacionais, na retirada dos objetos de arte que pertenciam ao Estado francês. Ela fugiu de Paris quando os alemães avançaram, em 1940. Mas logo retornou à cidade, de volta a seu posto sem vencimentos”, diz Edsel.

Meses depois, Jaujard pediu que ela continuasse no Jeu de Paume para “observar as atividades nazistas e relatar tudo o que fosse importante”. De sua parte, ele esforçava-se na amizade com o conde alemão Wolff-Metternich para tentar garantir que os objetos pilhados pudessem ficar em solo francês. Mas três salas do Louvre já estavam cheias deles, e as obras de arte confiscadas dos judeus foram encaminhadas para o museu onde Rose trabalhava. Em 1º de novembro, os nazistas se apossaram do Jeu de Paume. “Caminhões e mais caminhões carregados de objetos de arte chegavam, descarregavam, e tudo era levado por soldados”, descreveu Rose em Le Front de l’Art (O Front da Arte, inédito no Brasil). Por quase quatro anos, os militares aceitaram a presença dela no museu apenas porque a funcionária era uma grande conhecedora de arte. Todas as noites ela anotava as peças que os nazistas estavam retirando da França com destino à Alemanha e à Áustria. Roubava documentos, fotografava em casa e devolvia no dia seguinte. As informações eram repassadas a Jaujard, que mantinha contato com os membros da Resistência Francesa.

 

 

Batendo em retirada

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QUEM
ROSE VALLAND

NASCIMENTO
SAINT-ÉTIENNE-DE-SAINT-GEOIRS (FRANÇA)

ONDE ATUOU
PARIS (FRANÇA)

POR QUE É HEROÍNA?
ATUOU COMO ESPIÃ SALVANDO OBRAS DE ARTE

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Com o tempo, passou a despertar suspeitas. Já havia flagrado oficiais roubando obras para si mesmos. O risco era cada vez maior. Em fevereiro de 1944, o oficial alemão Bruno Lohse a surpreendeu tentando decifrar o endereço do documento de desembarque de um lote de peças. “Você poderia ser executada por indiscrição”, disse ele. “Ninguém aqui é idiota o bastante para ignorar o risco”, ela respondeu. Sabia que Lohse escondera quatro quadros no porta-malas de seu carro dois anos antes.

Em 1º de agosto de 1944, com a guerra já virando a favor dos Aliados, o coronel alemão Kurt von Behr ordenou a evacuação dos soldados do museu, assim como de todas as peças de arte que ainda estivessem em Paris. O plano era levá-las de trem. Os soldados jogavam os quadros dentro de caixotes sem embalagem. “Havia pânico em seus olhos, o desejo deles de fugir”, relatou Rose. O coronel Behr estava escoltado por homens com metralhadoras quando a viu dentro do museu. A funcionária, testemunha do saque, achou que seria liquidada naquele instante. Mas um soldado desviou a atenção de Von Behr: “Os caminhões estão quase cheios, senhor”. “Arrume mais, idiota”, respondeu ele. Quando procurou Rose de novo, ela já tinha escapulido. Passou as informações para Jaujard, que as remeteu à Resistência. A partir daí seguiu-se uma persistente operação para bloquear a saída do trem das artes de Paris.

Edsel conta que, no dia seguinte, cinco vagões com 148 caixas cheias de quadros foram seladas na estação de Aubervilliers, nos arredores da capital francesa. Rose dissera que o trem 40044 tinha como destino o castelo de Kogl, perto de Vöcklabruck, na Áustria, e o depósito Nikolsburg, na Morávia. O volume de bens saqueados a carregar e uma greve de ferroviários, porém, impediram a partida.

Somente em 12 de agosto, 10 dias depois, os alemães conseguiram controlar as linhas. Mas os trens conduzindo cidadãos alemães tinham prioridade. Quando o carregamento das obras pôde finalmente partir, não passou do aeroporto da capital. Um defeito na locomotiva gerou novo atraso de 48 horas. Resolvido esse problema, surgiu outro: uma sabotagem da Resistência provocou um engarrafamento no sistema ferroviário – o trem das artes não podia se mover.

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A 2ª Divisão Armada do Exército Livre Francês chegou ao local dias depois, e o general Phillippe Leclerc, avisado pela Resistência, conseguiu enviar 36 dos 148 caixotes com obras de Renoir, Degas, Picasso e Gauguin para o Louvre. Só dois meses depois o restante dos caixotes foi devolvido ao museu.

 

 

Ameaça infeliz

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QUEM
JACQUES JAUJARD

NASCIMENTO
ASNIÈRES (FRANÇA)

ONDE ATUOU
PARIS (FRANÇA)

POR QUE É HERÓI?
REPASSAVA INFORMAÇÕES BRE O DESTINO DAS OBRAS PARA A RESISTÊNCIA FRANCESA

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No mesmo dia em que Paris foi libertada, uma multidão de franceses invadiu o Jeu de Paume. Rose impediu que a turba entrasse no porão, onde as coleções eram guardadas, e foi acusada de colaboracionista: “Ela está escondendo alemães!” Com uma arma nas costas, teve de mostrar à turba que “não havia nada ali além de caldeiras, tubos e obras de arte”. Com as informações de Rose e Jaujard, o curador do Metropolitan Museum de Nova York e segundo-tenente do 7º Exército dos EUA, James Rorimer, foi um dos destaques da força-tarefa que se dedicou a recuperar as obras. O grupo resgatou peças no castelo de Neuschwanstein, na Baviera, e enfrentou bombas instaladas em minas de sal e carvão onde estavam escondidas peças nas cidades de Siegen, Merkers e de Heilbronn, na Alemanha, e na mina de sal de Altaussee, na Áustria. A tarefa durou de abril a julho de 1945 e salvou clássicos como Madonna de Bruges, de Michelangelo, e Autorretrato, de Rembrandt. Graças ao trabalho de Jaujard nos bastidores, a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, escapou do exílio na Alemanha e na Áustria. Trocou seis vezes de lugar até ser devolvida ao acervo do Louvre. Já Rose ganhou um cargo remunerado no museu Jeu de Paume.

 

 

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