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Resistência anti-nazista: os alemães que tentaram se opor a Hitler

Sim, alemães se opuseram a Hitler – e por pouco não deram fim a ele.

Por Fábio Marton
Atualizado em 12 abr 2023, 14h29 - Publicado em 14 nov 2019, 14h59

SI_Segunda_Guerra_Capitular_2Era 15 de novembro de 1943 e tudo estava pronto para o major Axel von dem Bussche ter seu grande dia. O local era a Wolfsschanze, a Toca do Lobo, bunker que servia de quartel-general da campanha nazista. Com mais de 2 metros de altura, loiro e de olhos azuis, seu trabalho era servir de modelo do “perfeito soldado ariano”. Após desagradáveis surpresas na campanha da União Soviética, uniformes de inverno mais adequados foram confeccionados e caberia a Bussche vesti-los diante do Führer no dia seguinte. Os Aliados, porém, estragaram tudo: o trem que traria os uniformes foi atacado e o “desfile”, cancelado. Bussche perderia a chance de abraçar Hitler. Carregando uma mina terrestre no bolso do uniforme novo, levando ambos aos ares.
O mesmo plano seria tentado em fevereiro seguinte, com outro oficial do Exército, Ewald-Heinrich von Kleist-Schmenzin, mas dessa vez foi Hitler que cancelou a apresentação.

Bussche e Schmenzin eram parte do círculo do Oberst (Coronel) Claus von Stauffenberg, que, em 20 de julho de 1944, faria a tentativa de assassinato que mais perto chegou do sucesso: a maleta-bomba que explodiu a 2 metros de Hitler, na mesma Toca do Lobo. (E falhou em matá-lo porque alguém a colocou do lado errado.) Stauffenberg, que seria executado no dia seguinte, foi parte dos 4.980 condenados pela conspiração do 20 de julho, a Operação Valquíria. Entre os mortos também estava Erwin Rommel, o mais famoso general do Exército alemão, forçado a cometer suicídio.

Até onde se sabe, foram 42 tentativas de assassinato contra Hitler. Em 21 de março de 1943, o major-general Rudolf Christoph Freiherr von Gersdorff ativou duas bombas com um temporizador de 10 minutos em seus bolsos. Ele acompanhava o Führer em sua visita pelo museu Zeughaus e o plano era, no momento certo, se jogar contra ele. Hitler, porém, decidiu sair antes do previsto e Gerdorff teve que correr para o banheiro para desarmar as bombas.

Em 8 de novembro de 1938, o carpinteiro Georg Elser explodiu uma bomba em Munique, matando 8 e ferindo 63, perto do pódio onde Hitler fizera um discurso 7 minutos antes – Elser não sabia que o Führer havia decidido abreviar seu discurso.

Cristãos e cristãos

A chamada resistência alemã nunca foi, como a francesa, um movimento coeso. Havia múltiplos fronts dessa luta, que raramente conversavam um com o outro, e a maioria se limitou a ajudar judeus, espalhar panfletos de propaganda antinazista ou realizar atos meramente simbólicos. Até o fim da guerra, existiu o que os nazistas chamaram de Kirchenkampf (“luta da igreja”), o embate entre o nazismo e a parte dos protestantes e católicos que não aceitava suas políticas. Hitler se dizia cristão em público, por uma questão prática: 95,2% dos alemães eram cristãos. Mas é consenso entre historiadores que estava fingindo.

Ao assumirem o poder, os nazistas passaram a promover o Cristianismo Positivo, ou Cristianismo Alemão, a versão que concordava com todas suas políticas. Seus adeptos foram reunidos na Igreja Evangélica Alemã, uma tentativa de unir todas as denominações protestantes para criar uma nova religião pró-governo. Aos cristãos que não entraram na linha, a política foi desde meras ameaças a confisco de propriedades, proibição de comunicação impressa, fechamento de denominações inteiras. A Igreja Confessional, criada em oposição à Igreja Evangélica Alemã e capitaneada pelo pastor luterano Martin Niemöller, seria controlada e silenciada pelos pró-nazistas com a ajuda da Gestapo em 1937. No caso mais extremo, as Testemunhas de Jeová, por se recusarem a jurar fidelidade ao nazismo e servir militarmente, tiveram 6 mil dos seus membros enviados a campos de concentração. Havia até uma insígnia específica para eles: um triângulo invertido roxo.

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No campo de concentração de Dachau, havia uma ala especial na qual 2.720 clérigos de diferentes denominações foram confinados. A Alemanha planejada pelos nazistas, se podia tolerar protestantes domesticados, tinha problema maior em aceitar fiéis com outro papa. Dos presos na ala dos clérigos em Dachau, 2.579 (95%) eram católicos.

Os padres tenderam a apoiar o nazismo em seus primeiros anos. Vários deles, inclusive o famoso Clemens von Galen, bispo de Munster, que seria considerado o maior de todos na resistência católica ao nazismo, proferiram discursos antissemitas – no sentido religioso, de os judeus terem “matado Jesus”, não de serem raça inferior. Entendiam também o nazismo como uma possível linha de defesa contra o comunismo leninista – que era, diferente do nazismo, abertamente anticlerical.

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Mas eles não puderam concordar com os nazistas quando o assunto foi o programa de eutanásia e esterilização em massa de portadores de doenças genéticas. No domingo de Páscoa de 1937, 14 de março, os padres foram instruídos a ler uma encíclica do papa Pio 11 chamada Mit brennender Sorge (em alemão mesmo: “Com Ardente Preocupação”), condenando essas políticas nazistas. Assumindo o trono em março de 1939, Pio 12, o papa durante a Guerra, teve que equilibrar a sobrevivência da Igreja com seus sentimentos a respeito do nazifascismo – Roma, afinal, estava no território de Mussolini –, o que levou a acusações de ser leniente com o nazismo.

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Católicos seriam também boa parte da resistência civil. Estimulados pelos discursos do bispo Von Galen, estudantes de Munique criaram a Rosa Branca, grupo pacifista que distribuiu panfletos e grafitou mensagens na cidade de junho de 1942 até sua violenta debelada pela Gestapo, em fevereiro de 1943.

Em paralelo aos religiosos, dois grupos de intelectuais seculares tiveram força na oposição civil. O Círculo de Kreisau, liderado pelo nobre Helmuth von Moltke, que se reunia numa cidadezinha na Silésia, e o Círculo de Solf, criado pela rica viúva Johanna Solf, que se encontrava em Berlim. Ambos reuniam figuras influentes, não pregavam a derrubada violenta do regime, e puderam se reunir enquanto os nazistas tinham outras prioridades. O Círculo de Solf terminou num assassinato coletivo em 10 de setembro de 1943, e o de Kreisau teve seus membros condenados sumariamente após o atentado de 20 de junho, sob a justificativa de um de seus fundadores, Peter Yorck, ser primo de Stauffenberg, o coronel que tentou matar Hitler.

A prioridade dos nazistas era a chamada Orquestra Vermelha – nome de diversas células, algumas sem comunicação nenhuma com as outras, organizadas pelo espião soviético Leopold Trepper. A orquestra conseguiu transmitir informações estratégicas aos soviéticos e outros Aliados, por meio de telégrafo em código morse. Daí o nome: cada máquina era um “piano” e eles trabalhando juntos, a “orquestra”. Também ajudaram judeus a fugir, publicaram panfletos clandestinos e colaboraram com as resistências francesa, belga e holandesa. Até 400 pessoas participaram da Orquestra, que se tornou o alvo principal da Gestapo. No final de 1943, sua atividade já havia sido debelada. Possivelmente com ajuda do próprio Trepper, que foi preso e forçado a se tornar um agente duplo.

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Apontado como sucessor de Hitler nos últimos momentos da guerra, Herman Göring, líder da Luftwaffe, era uma das figuras mais centrais na máquina de destruição nazista. Seu irmão, Albert, era exatamente o oposto. Playboy e diretor de cinema fracassado, a partir de 1933 passou a usar da posição do irmão para fazer tudo o que podia contra o nazismo. Ajudou um número considerável de judeus e membros da resistência alemã a fugir, inclusive forjando a assinatura do irmão, por diversas vezes. Conta-se, mas não é certeiro, que certa vez viu um grupo de judias forçadas a limpar a calçada e juntou-se a elas. Isso era um crime pelas leis nazistas, mas, ao saber quem era, os guardas tiveram que ignorar – não seria bom para sua carreira prender o irmão do Número 2 do nazismo. Durante a guerra, Albert foi nomeado diretor da fábrica de carros tcheca Skoda. Sabotava a produção e requisitava constantemente trabalhadores aos campos de concentração, para soltá-los no meio do caminho. Sempre que era pego, dava carteirada. Infelizmente para ele, depois da guerra, o mesmo nome que o havia permitido sua resistência tornou-se uma maldição. Viveu seus últimos dias na pobreza, de uma pensão modesta do governo. Em sua última semana de vida, casou-se com uma empregada para ela receber sua pensão. Até hoje se discute em Israel se Albert Göring não devia receber o título de Justo Entre as Nações, honraria dada aos salvadores de judeus na guerra. (Reproducão/Wikimedia Commons)
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Exército comprado

A única parte da Resistência Alemã com reais chances de derrubar Hitler era a com armas. E foram das Forças Armadas – Wehrmacht – que vieram a maioria dos atentados contra a vida de Hitler. O Führer tinha uma boa noção dessa infidelidade. Desde 1934, ele tinha um programa especial para subornar o alto oficialato. Presentinhos como propriedades, carros, isenção fiscal vitalícia e puro e simples dinheiro eram comuns. Havia até um fundo especial, o Konto 5, só para comprar a fidelidade dos oficiais.

Nem todos se vendiam. Antes mesmo de a guerra começar, uma conspiração estava pronta para invadir a chancelaria e prender ou executar Hitler, restaurando a monarquia no lugar – com o mesmo e ainda vivo Kaiser Guilherme 2º, o da Primeira Guerra.

A Conspiração Oster, de 1938, foi encabeçada pelo general-major Hans Oster, nada menos que chefe da Abwehr, a agência de inteligência militar alemã, que, por sua infidelidade, seria fechada por Hitler em 1943. A ideia era apoiar a maré de insatisfação do alto comando militar caso Hitler iniciasse uma outra Grande Guerra – algo imensamente impopular no oficialato que havia passado pela Primeira, e, em contraste, popular entre veteranos de baixa patente como o próprio Hitler. A guerra parecia prestes a estourar em 1938, durante a tensa discussão sobre a região dos Sudetos, na Tchecoslováquia, aliada do Reino Unido e França. Hitler considerava o território, de maioria alemã, parte natural do país, do Lebensraum, o “espaço vital”. Oster preparou tudo para que a declaração de guerra também fosse o momento do golpe.

No caminho estava Neville Chamberlain, o primeiro-ministro do Reino Unido. Em 30 de setembro de 1938, foi assinado o Acordo de Munique, basicamente dando autorização a Hitler para fazer como quisesse, adiando a guerra em quase um ano. Com isso, o Führer ganhou fama de estadista, que acabara de conquistar uma enorme vitória pacífica. Não havia mais clima para golpe.

Elementos nas Forças Armadas só se mobilizariam novamente contra Hitler em 1943, diante da cada vez mais próxima derrota. Em 1939, sem saber, os Aliados haviam perdido sua maior oportunidade.

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