Na última década, 250 000 pessoas morreram violentamente naquela que foi uma das regiões mais promissoras da Europa Oriental – os Bálcãs. Agora, o ex-dirigente sérvio Slobodan Milosevic está na Holanda, perante o Tribunal de Haia, respondendo pela tragédia. Mas os ódios na Península Balcânica – e, mais especificamente, na ex-Iugoslávia – são bem mais antigos.
Os Bálcãs – uma grande península a leste da Itália – eram parte do Império Romano. No século IV, o império foi dividido em dois: o do Ocidente e o do Oriente. A Iugoslávia caiu bem na fronteira. Dos dois lados viviam eslavos – povos da mesma etnia, que falavam línguas quase idênticas. Mas suas religiões se tornaram diferentes. Os croatas do oeste, fiéis a Roma, continuaram católicos. Seus vizinhos sérvios viraram cristãos ortodoxos.
No século XIII, acrescentou-se um ingrediente à mistura: o Império Turco Otomano se expandiu e converteu toda a região ao Islã – a Bósnia conserva até hoje uma grande população islâmica. Em 1830, os sérvios conquistaram a soberania. No século XIX, o Império Otomano começou a ruir e a Bósnia caiu nas mãos do Império Austro-Húngaro, sob protestos sérvios. Por conta disso, em 1914, o arquiduque austro-húngaro Francisco Ferdinando foi assassinado por um sérvio. Começava assim a Primeira Guerra Mundial, que poria fim aos impérios Otomano e Austro-Húngaro e tornaria toda a região independente. Em 1919, nascia o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, depois rebatizado de Iugoslávia (“eslavos do sul”).
Quando estourou a Segunda Guerra Mundial, o país foi dividido – de um lado, o Estado Croata Independente, pró-nazi, englobando Croácia e Bósnia. Do outro, a Sérvia, que resistiu, foi ocupada pelo Eixo e pagou caro na mão dos nazistas. Os sérvios lutaram contra Hitler sob a liderança do marechal comunista Josip Broz Tito. Com a derrota nazista, Tito subiu ao poder e reunificou a Iugoslávia.
As tensões étnicas ficaram adormecidas durante os 50 anos de comunismo. Tito morreu em 1980 e, nove anos depois, acabou a Guerra Fria. Era a senha para que as paixões renascessem. Os Bálcãs viraram um barril de pólvora prestes a explodir. E explodiram – com as guerras da Croácia (1991-1995), da Bósnia (1992-1995) e de Kosovo (1999). Mais um capítulo numa longa e sangrenta história.
Guerra da croácia – (1991-1995)
A guerra começa com as reivindicações de autonomia dos krajina – minoria sérvia na Croácia, apoiada pelo dirigente sérvio Slobodan Milosevic.
1. Em junho de 1991, a Eslovênia proclama independência e é invadida. Depois de alguns conflitos, os sérvios retiram-se e a secessão é admitida.
2. Em agosto, a guerra chega à Croácia. Os sérvios invadem Vukovar e Dubrovnik. Na primeira, expulsam os croatas. Dubrovnik resiste.
3. A Comunidade Européia reconhece as independências da Croácia e da Eslovênia. A ONU envia uma força de paz e impõe embargo à Sérvia e a Montenegro. Os krajina, abandonados por Milosevic, são escorraçados da Croácia.
Guerra da bosnia – (1992-1995)
Um plebiscito decide pela independência da Bósnia, irritando os sérvios do país. Ao final da apuração, os sérvios montam barreiras nas estradas e isolam cidades.
1. Paramilitares sérvios, apoiados veladamente por Milosevic, atacam vilarejos muçulmanos. A ONU declara o centro do país área neutra. Conflitos sangrentos acontecem nessa região, principalmente em Sarajevo. Os dois lados fazem acusações de limpeza étnica.
2. A Otan bombardeia o país. A guerra termina com os acordos de Dayton. O saldo: mais de 200 000 mortos. Pelos acordos, é criado um país, formado pela Federação da Bósnia (que reúne as comunidades croata e muçulmana) e pela República Sérvia.
Guerra de kosovo – (1999)
1. Em 1998, Milosevic intensifica a repressão contra os albaneses da província autônoma de Kosovo, sob a alegação de proteger os sérvios de lá. O Exército de Libertação de Kosovo (ELK), um grupo paramilitar apoiado pela Albânia e acusado pela Sérvia de terrorismo, reage. Sérvios promovem uma “purificação étnica” contra os albaneses. As negociações de paz entre a Sérvia e o ELK fracassam.
2. A Otan realiza uma polêmica ação militar, a primeira num país europeu soberano, alegando razões humanitárias. Após 78 dias de bombardeios na Sérvia, Kosovo é ocupada por uma missão de paz da ONU.
Eslovênia, Croácia, Bósnia, Kosovo e Macedônia separaram-se da antiga Iugoslávia. Sérvia, Montenegro e a república autônoma de Voivodina sobraram. Até hoje, pelo menos…
Sérvia
9,8 milhões de habitantes 66% sérvios ortodoxos
A maior nação da região viveu o esplendor na Idade Média, mas depois perdeu Kosovo para os turcos. Seu passado glorioso criou uma ideologia nacionalista.
Montenegro
610 000 habitantes quase todos sérvios ortodoxos
Juntamente com a Sérvia, constitui a Iugoslávia. A região, de terreno montanhoso, escapou da dominação turca. Em 1516 era um principado, que passou a reino em 1912.
Voivodina
2 milhões de habitantes 70% bósnios muçulmanos
Província autônoma que pertence à Sérvia. A localização geográfica entre Sérvia, Montenegro, Bósnia e Kosovo torna a região propícia à instabilidade política.
Kosovo
1,7 milhão de habitantes 85% albaneses muçulmanos
Até a guerra, era uma província autônoma pertencente à Sérvia. Obteve a independência graças à intervenção militar da Otan. É o país mais pobre da região. Sua população é, na maioria, de albaneses convertidos ao Islã.
Croácia
4,7 milhões de habitantes 78% croatas católicos
O último bastião cristão contra os turcos. Por isso, seu território abrigou, ao longo dos séculos, sérvios que fugiam do invasor. Essa minoria sérvia – 12% – foi o foco das tensões que levaram à Guerra da Croácia.
Bósnia-Herzegovina
4,4 milhões de habitantes o país é dividido entre católicos, ortodoxos e muçulmanos
A área central da ex-Iugoslávia é habitada por diversos grupos étnicos. As feridas da Guerra da Bósnia não estão curadas – o país foi foco de diversos massacres.
Eslovênia
2 milhões de habitantes 91% eslovenos católicos
Longe da briga entre sérvios, croatas e muçulmanos, a mais homogênea das repúblicas iugoslavas só sofreu, no começo da guerra, com uma breve invasão sérvia.
MacedÔnia
2 milhões de habitantes 66% macedônios ortodoxos
Nação criada por Tito para limitar o poder sérvio. A Grécia recusa-se a reconhecê-la por causa do nome – alega ser herdeira do império de Alexandre o Grande. Por isso, impôs um embargo que arruinou a economia macedônia.