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Saveiro à risca!

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h13 - Publicado em 31 mar 1998, 22h00

Airton De Grande

A tábua que você vê nestas duas páginas é o graminho. Em seus riscos simples está a receita completa, com as medidas exatas, para quem vai construir o saveiro, tradicional barco baiano. Funcionou direitinho por quatro séculos, mas agora pode desaparecer.

A maioria dos engenheiros navais não sabe o que fazer com o graminho. Na construção de barcos, usam plantas, projetos, computadores. Mas gente que nunca freqüentou universidade vem fabricando embarcações na Bahia há quatro séculos seguindo unicamente este pequeno pedaço de madeira. Nele estão as medidas essenciais do saveiro baiano, uma das marcas registradas do litoral brasileiro. Agora, porém, esse conhecimento popular está ameaçado de ir a pique. O velho saveiro e os artesãos que sabem construí-lo estão perdendo a corrida para os barcos modernos. Na defesa da tradição, o arquiteto baiano Lev Smarcevski, de 73 anos, foi pesquisar as origens do graminho. Descobriu que ele veio da Índia e que pode ter nascido na construção civil de 5 000 anos atrás. Preservá-lo é preservar a cultura.

Fim de linha

O saveiro está virando raridade. Além de perder espaço para os barcos a motor, ele deixou de ser construído por precisar de muita madeira. Os que sobraram participam todo ano, em janeiro, da regata João das Botas, em Salvador

A rota da carpintaria naval

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O graminho do saveiro deve ter chegado ao Brasil no século XVI, na mala de um carpinteiro naval das colônias portuguesas de Goa ou Cochim. Na época, Salvador era parada obrigatória na rota Índia-Portugal. Com o instrumento, os imigrantes passaram a construir os barcos indianos lantxiar e lantxiara, que ficaram conhecidos como “lanxa” e “lanxão”. O nome saveiro foi importado de Portugal. Lá, designava pesqueiros parecidos, que serviam para a captura do sávio, peixe da família do arenque. No Brasil há saveiros também no Rio de Janeiro e no Maranhão, mas eles são diferentes da versão baiana.

“As tábuas de medidas foram importantes para a preservação das linhas e da funcionalidade do saveiro”, disse à SUPER o engenheiro naval Célio Taniguchi, diretor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Smarcevski concorda. É dele a hipótese de que o instrumento nasceu na construção civil da Mesopotâmia, cerca de 3 000 anos antes de Cristo. “É semelhante às tábuas dos construtores dos zigurates, feitas de barro.” Zigurates eram templos de vários andares. As tábuas representavam as medidas do térreo e traziam uma escala de redução para os pisos superiores.

Na era do computador tudo isso pode parecer bobagem. Mas Smarcevski tem razão em recuperar parte dessa história. É triste deixar um conhecimento que se mostrou útil por milênios naufragar no esquecimento.

Para saber mais

Graminho, a Alma do Saveiro, Lev Samarcevski, Edições Culturais da Organização Odebrecht, Salvador, 1996

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Planta resumida

O graminho traz mais de trinta parâmetros para a construção do saveiro. Conheça alguns.

1. Largura máxima

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Precisa ser igual a 1/3 do resultado obtido para o comprimento. Ou seja: a medida maior do graminho multiplicada por 50 e dividida por três.

2. Comprimento

Deve ter 50 vezes a medida maior do graminho, o que dá cerca de 20 metros. Com tábuas de medida diferentes variava-se o tamanho dos barcos, mas a proporção era mantida.

3. Coluna vertebral

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A quilha deve ter 75% do comprimento e o graminho corresponde, precisamente, a um corte transversal da madeira usada para a peça.

4. Altura dos mastros

Para barcos de carga, com velas quadrangulares, os mastros devem ter comprimento igual ao do barco e/ou da quilha, dependendo do número de mastros.

5. Encaixe dos mastros

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O diâmetro do buraco onde são encaixados os mastros deve ser igual à circunferência obtida completando-se as curvas. Se for um mastro só, vale a parte de fora.

6. Cobertura

As tábuas do casco e do convés, além de outras, como as da cabine, conhecida como tijupá, devem ter largura igual a 1/4 do graminho.

7. Costelas

A espessura da madeira usada para fazer as costelas (cavernas) do barco e as vigas que atravessam o convés equivale à metade do graminho.

8. Reforços

As tábuas que correm da popa à proa, logo abaixo das bordas do convés, do lado de fora e de dentro do barco, devem ter largura igual a 3/4 do graminho.

9. Arremates

Logo abaixo da tábua de reforço deve correr outra, com largura igual à metade do graminho. A mesma medida vale para a tábua que corre por dentro, na altura da linha-d’água.

Capacidade de carga

O comprimento do barco (50 vezes a medida maior da tábua) deveria ser dividido por dois para indicar quanta carga ele poderia carregar, em tonéis.

Velas

A altura das quadrangulares deve ser 30% menor que a do mastro. O lado superior teria a metade desse comprimento e o de baixo, metade mais um terço (veja outras velas ao lado).

Seis versões

Desenho das velas e quantidade de mastros muda a cara do saveiro.

• A baleeira já foi extinta

• O “lanxão” tem dois mastros

• “Lanxa” leva carga ou passageiros

• Na perua, a frente é arredondada

• O perné lembra as escunas

Lição antiga

Teorema de Pitágoras é usado no corte das velas triangulares.

O corte das velas quadrangulares era simples de obter com o graminho e as outras medidas do barco. Para as triangulares, os construtores se valiam de uma versão popular do Teorema de Pitágoras, conhecida como regra do 3 – 4 – 5. O lado maior, que deveria medir 30% a mais do que o comprimento total do saveiro (obtido com o graminho), recebia o valor 5. Era a hipotenusa. Os outros lados (catetos) recebiam os valores proporcionais 3 e 4, formando um ângulo reto entre si. Para um saveiro com dois mastros, a hipotenusa da vela menor teria comprimento igual ao da quilha.

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