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Sementes do mal

Tratado de paz imposto pelos Aliados mergulhou a Alemanha no caos, abriu as portas para o nazismo e levou ao poder o homem que iniciaria a 2ª Guerra Mundial: Adolf Hitler

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h21 - Publicado em 30 abr 2008, 22h00

Texto Eduardo Szklarz

A Alemanha entrou na 1ª Guerra Mundial apostando numa campanha rápida e arrasadora. Logo de cara, seus soldados ganharam fama de imbatíveis ao conquistar a Galícia (atual Polônia) e aniquilar tropas russas na frente oriental. Mas o conflito endureceu e estendeu-se por anos. Mesmo assim, o povo alemão nunca deixou de acreditar na vitória. E ficou ainda mais otimista no início de 1918, quando os bolcheviques tiraram a Rússia da guerra para consolidar sua revolução comunista. Dali em diante, o Exército germânico concentraria suas forças contra França e Inglaterra. “O pior já passou”, garantiu o imperador Guilherme 2o num pronunciamento à nação. O triunfo parecia estar logo ali, na esquina.

Só que as linhas inimigas no front ocidental, reforçadas com a chegada de batalhões americanos desde julho de 1917, resistiram a mais essa ofensiva alemã. O Exército do cáiser sofreu sucessivas derrotas e seus soldados começaram a desertar. Exausta depois de lutar praticamente sozinha durante 4 anos, agora a Alemanha não podia contar com os demais integrantes de sua aliança. A Bulgária já tinha jogado a toalha, o Império Austro-Húngaro não existia mais e o Império Otomano entrava em colapso.

Ao perceber a derrota iminente, os generais Paul von Hindenburg e Erich Ludendorff, chefes supremos da máquina de guerra alemã, sugeriram a Guilherme que pedisse o armistício. Foi exatamente o que ele fez no dia 11 de novembro de 1918, pondo fim ao conflito. Mas os problemas, em vez de terminarem, só estavam começando: seguiu-se um período conturbado, de profunda inquietação para os alemães. E, apenas 15 anos mais tarde, o mundo assistiria – atônito – à ascensão de Adolf Hitler.

Armistício

Por que o fim da guerra preparou terreno para o nazismo e para um novo confronto em escala mundial? A resposta, para muitos especialistas, está na maneira ambígua como o conflito foi encerrado. “A Alemanha pediu o armistício com seu território praticamente intacto, quando o Exército ainda estava no exterior”, diz o historiador argentino Andrés Reggiani, da Universidade Torcuato Di Tella, em Buenos Aires. “Ao voltar para casa, os soldados alemães foram recebidos como vencedores.”

O imperador Guilherme 2o esperava que os Aliados levassem isso em conta na hora de elaborar o acordo de paz. Ele acreditava que as condições impostas à Alemanha seriam benévolas, tal como havia proposto o presidente americano Woodrow Wilson em sua famosa lista de “14 Pontos”. Ao receber o pedido de armistício, porém, Wilson avisou que só negociaria a paz com os representantes legítimos do povo alemão – ou seja: a elite imperial teria de sair de cena. “Agindo dessa forma, o presidente americano produziu uma crise política dentro da Alemanha, que precipitou a queda do império e anunciou a república”, afirma Reggiani.

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Ludendorff e os dirigentes alemães aceitaram democratizar o país, esperando que esse gesto levasse a uma boa negociação. Guardavam um plano na manga: se as condições de paz não fossem aceitáveis, eles poderiam culpar os políticos democráticos pelo desastre. O governo passou, então, para as mãos do príncipe liberal Max de Baden.

Ante a crescente convulsão interna, Baden cedeu o poder ao social-democrata Friedrich Ebert, que firmou o armistício e decretou oficialmente o fim da guerra. Mas não demorou para que o país mergulhasse no caos. Comunistas, social-democratas e conservadores lutavam entre si, numa série de distúrbios que ficou conhecida como a Revolução Alemã. Em plena guerra civil, o plano de Ludendorff começou a vingar. “Tomando como modelo a obra O Crepúsculo dos Deuses, do compositor Richard Wagner, muitos alemães começaram a acreditar que o Exército perdera a guerra porque tinha sido apunhalado pelas costas – como o herói wagneriano Siegfried”, diz o historiador britânico Richard J. Evans.

Em 1919, o Partido Social-Democrata conseguiu formar a base para um novo governo democrático: a República de Weimar. Chegava ao fim o 2º Reich (ou 2º Império), inaugurado pelo chanceler Otto von Bismarck em 1871. Àquela altura, poucos imaginavam que esse fato traria enormes conseqüências não só para a Alemanha mas para o mundo todo.

Acordo de paz

Quanto cobrar dos alemães pelos prejuízos da 1a Guerra Mundial? Essa era a questão que dividia os líderes aliados no início de 1919. O presidente americano, Woodrow Wilson, dizia que a Alemanha deveria pagar apenas pelos danos aos civis. Já o premiê francês, Georges Clemenceau, e seu colega britânico, David Lloyd George, queriam que os alemães pagassem a maior soma possível, assumindo todos os custos do conflito.

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A posição anglo-francesa acabou prevalecendo no texto do Tratado de Versalhes, assinado em junho de 1919. “Com o acordo, a Alemanha perdeu aproximadamente 13% de seu território e 10% da população”, diz a historiadora Ruth Henig, da Universidade de Lancaster, na Inglaterra. “O país também abriu mão de suas colônias, de 75% das reservas de ferro e de 26% das minas de carvão.” Além disso, os alemães tiveram de destruir cerca de 15 mil aviões, 6 milhões de fuzis e 130 mil metralhadoras. Sua Força Aérea foi abolida. O Estado-Maior, dissolvido. E o Exército, reduzido a 100 mil homens. O Porto de Danzig, com quase meio milhão de alemães, passou para o controle da recém-criada Liga das Nações – precursora da Organização das Nações Unidas (ONU).

“Mesmo assim, Versalhes era moderado em comparação com os duríssimos tratados de paz que a Alemanha havia imposto à Rússia e à Romênia em 1918”, diz Ruth. “Boa parte do território perdido, a Alsácia-Lorena, apenas retornou à França. Com 66 milhões de habitantes, a Alemanha ainda era a principal economia da Europa. O tratado a deixou numa posição dominante: estava ferida, mas não gravemente.”

Nacionalismo radical

O que mais feriu o orgulho alemão foram as cláusulas de reparação do Tratado de Versalhes. O artigo 231 dizia que alemães, austro-húngaros e otomanos eram responsáveis por “causar todos os danos e perdas” sofridos pelos vencedores como conseqüência da guerra imposta a eles pela “agressão da Alemanha e seus aliados”. Nos países derrotados ao final da guerra, essas palavras foram entendidas como humilhação.

“A diplomacia alemã interpretou subjetivamente esse conceito de responsabilidade, encarando-o como uma acusação moral contra a Alemanha por ter desatado a guerra”, afirma o historiador Andrés Reggiani. “Essa incapacidade psicológica para aceitar a derrota, somada às reparações, criou o terreno fértil para o crescimento de um nacionalismo radical, do qual o nazismo seria a expressão mais extrema.”

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Segundo Reggiani, a função do artigo 231 era deixar claro que a Alemanha havia perdido a guerra – dado aquele final ambíguo – e que devia pagar pelos danos. Logo a seguir, o artigo 232 reconhecia a limitação financeira alemã e estabelecia uma forma para que o país pudesse pagar. Exemplo: os navios alemães afundados durante o conflito seriam deduzidos da conta, assim como toda propriedade alemã destruída no exterior. O problema é que ninguém deu importância a esse artigo.

Assim, as reparações saíram rapidamente de seu marco técnico para se transformar numa espécie de bumerangue político. “Um sentimento de indignação se propagou como uma onda de choque”, diz o historiador Richard J. Evans. “O entusiasmo que tantos cidadãos alemães haviam demonstrado pela guerra em 1914 se tornou um ardoroso ressentimento pelas condições da paz. Sem o conflito, o nazismo não teria surgido como uma força política importante nem tantos alemães teriam buscado tão desesperadamente uma alternativa autoritária.”

Líder carismático

A República de Weimar foi alvo dos nacionalistas desde o início. Eles a culpavam pela derrota na guerra, por ser fruto de uma revolução de esquerda e por aceitar as condições do tratado de paz. Resumindo: ela era o símbolo da humilhação alemã. O Partido Social-Democrata bem que tentou sustentar o regime, mas sua coalizão era frágil demais. “Todas as outras forças, da extrema direita à extrema esquerda, e até as Igrejas Católica e Protestante, eram totalmente favoráveis a um Estado autoritário”, afirma a historiadora alemã Marlis Steinert, do Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra, na Suíça. “O único fator de unidade era o nacionalismo.”

O valor total da dívida alemã foi revisado várias vezes nos anos seguintes, até chegar a 132 bilhões de marcos-ouro em 1921 – uma quantia impossível de ser paga. De fato, a Alemanha pagou apenas uma parte desse montante, algo entre 20 bilhões e 60 bilhões segundo os cálculos mais realistas. Independentemente de qual tenha sido a quantia, ela contribuiu para a hiperinflação que assolou o país nos anos 20.

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“Foi nesse caldeirão de derrota, revolução, guerra civil e ressentimentos que o nazismo foi forjado”, diz Evans. Valendo-se do anti-semitismo arraigado durante décadas na sociedade alemã, os nazistas utilizaram o mito do país sendo apunhalado pelas costas para decretar que o Reich fora traído por uma conspiração judeu-bolchevique. Em seu raciocínio, a eliminação desses traidores purificaria o povo alemão e reergueria o império.

Argumentos como esses ganharam as massas ao ser difundidos por um líder carismático, com alto poder de oratória e que havia lutado na 1ª Guerra Mundial: Adolf Hitler (leia mais na pág. 47). Em 1928, os nazistas conseguiram 12 cadeiras (3% dos votos) no Reichstag, o Parlamento alemão. Em 1930, empurrados pela Grande Depressão desencadeada no ano anterior, com a quebra da Bolsa de Valores em Wall Street, eles conquistaram 107 cadeiras e 6,5 milhões de votos – tornando-se o 2o maior partido do país. Em julho de 1932, já eram a agremiação política mais popular da Alemanha, com 230 assentos e mais de 13 milhões de votos (37%).

Nazista no poder

No dia 30 de janeiro de 1933, Hitler foi nomeado chanceler e usou seu cargo para eliminar os oponentes. “Ele assumiu o comando do país com a clara estratégia de transformá-lo num Estado racial e expansionista”, diz a historiadora Ruth Henig. A estratégia começava pelo rearmamento e prosseguia com a realização de uma nova guerra, a criação de um espaço vital (lebensraum) na Europa Oriental e o extermínio dos judeus.

O arquiteto do nazismo já havia anunciado suas intenções em 1925 no livro Mein Kampf (“Minha Luta”), escrito na cadeia após uma tentativa frustrada de golpe. Agora voltava a mostrá-las ao mundo ao promover a retirada da Alemanha da Liga das Nações, o início da perseguição aos judeus e a conquista de territórios como a Renânia. Mas os líderes ocidentais fecharam os olhos. No livro Vinte Anos de Crise (Editora UnB, 2001), o historiador britânico Edward Carr mostra que o desejo de paz era tão grande após a 1ª Guerra Mundial que, em lugar de conter Adolf Hitler, eles procuraram apenas e tão somente apaziguá-lo. Deu no que deu.

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Aulas práticas

Líderes da 2ª Guerra Mundial já davam seus tirinhos no conflito anterior

ADOLF HITLER

1ª Guerra – Não quis saber de lutar por sua terra natal, a Áustria. Mas, quando a Alemanha entrou na guerra, alistou-se como voluntário no 1º Regimento de Infantaria Bávara, em Munique, onde morava. Em meio à desordem e ao entusiasmo geral, ninguém questionou sua nacionalidade. Combateu na França e na Bélgica e foi condecorado por bravura.

2ª Guerra – Alçado ao posto de führer (“líder”) do 3º Reich, deu início ao conflito quando invadiu a Polônia, em 1939. Tentou expandir o território alemão enquanto aniquilava 6 milhões de judeus, além de ciganos, homossexuais e outras minorias. Prevendo a derrota, suicidou-se em abril de 1945 com uma cápsula de cianureto e um tiro na cabeça.

GEORGE PATTON

1ª Guerra – Americano, comandou o Corpo de Tanques dos EUA ao lado de batalhões britânicos e destacou-se na Batalha de Cambrai, em 1917. Utilizando pombos-correio e uma equipe de soldados corredores, ele avançava na linha de frente mantendo comunicação com a retaguarda. Sempre ficava exposto à artilharia inimiga e acabou ferido por uma bala na perna.

2ª Guerra – Consagrou-se como o general mais importante do Exército americano. Depois de liderar operações no norte da África, comandou brigadas na Sicília e na França e botou os nazistas para correr na Bélgica, Alemanha, Áustria e Checoslováquia. Morreu num acidente de carro na Europa, em 1945, apenas um dia antes de retornar como herói para os EUA.

WINSTON CHURCHILL

1ª Guerra – No cargo de primeiro lorde do Almirantado britânico (ministro da Marinha), planejou a conquista da península turca de Gallipoli usando combatentes australianos e neozelandeses. Milhares deles morreram na desastrosa operação. Em 1921, já como secretário para as colônias, ajudou a criar o Iraque, a Jordânia e a Palestina nas terras do extinto Império Otomano.

2ª Guerra– Churchill tornou-se primeiro-ministro em 1940 e desempenhou um papel fundamental na condução da Grã-Bretanha durante o conflito. Sua estreita relação com o presidente americano da época, Franklin D. Roosevelt, garantiu o apoio necessário para a vitória dos Aliados sobre Hitler. Suas memórias sobre a guerra lhe valeram o Nobel de Literatura.

BERNARD MONTGOMERY

1ª Guerra – Integrou um regimento de infantaria britânico na França. Quando estava perto da fronteira belga, levou um tiro no pulmão direito, que o deixou à beira da morte. Recuperado, Montgomery voltou ao front ocidental em 1916 e lutou na Batalha do Somme, uma das mais sangrentas da história, com aproximadamente 1,2 milhão de mortos, feridos ou desaparecidos.

2ª Guerra – Indicado pelo então primeiro-ministro, Winston Churchill, para comandar o 8º Exército britânico no norte da África, liderou os soldados na Batalha de Al Alamein, em 1942. Foi a primeira vitória contundente dos Aliados na guerra, acabando com os planos do Eixo naquela região. Também liderou operações de desembarque na Itália e na França.

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