Sigmund Freud
Ele foi capaz de identificar a mente inconsciente mais de um século antes de a ciência ter como comprovar sua existência
Não deve ter sido fácil ser neurocientista no fim do século 19. Freud bem que tentou, mas logo viu que não poderia obter resultados muito satisfatórios naquelas circunstâncias. O que não o impediu, contudo, de buscar verdades maiores sobre o maior dos mistérios: a mente humana.
A busca inicial pela rota científica mais concreta possível para compreender os estados mentais fazia sentido para ele. Embora se considerasse judeu, Freud jamais se viu atraído pela religião. Curiosamente, mais tarde, ele fundou uma linha de pensamento que beirava o dogmatismo.
Nascido na Áustria em 1856, de família humilde, ele sempre foi muito bem nos estudos. Aos 17 anos, foi para a Universidade de Viena, em princípio para estudar direito, mas acabou seduzido pelo curso de medicina. Passou a praticar psiquiatria por conta própria em 1886, depois de passar cinco anos na clínica do Hospital Geral vienense.
Seria em seu consultório, observando seus pacientes, que Freud desenvolveria o que ele chamou de psicanálise. Muitas ideias controversas – algumas refutadas, muitas em disputa – formam o arcabouço da teoria que ele formulou. Contudo, o fundamento mais básico foi um acerto fantástico: a compreensão da mente passava necessariamente pela existência do inconsciente.
SALTO CONCEITUAL
As primeiras defesas de Freud do inconsciente apareceram em 1896, quando ele discutiu um dos processos que ele julgava fundamentais na formação da personalidade: a repressão de memórias traumáticas. O conceito foi mais elaborado nos livros A Interpretação dos Sonhos (1899) e Piadas e Sua Relação Com o Inconsciente (1905).
Hoje, finalmente a neurociência chegou ao ponto que Freud queria mais de um século atrás e alguns experimentos demonstraram conclusivamente a existência da mente inconsciente. Graças à capacidade de monitorar a atividade cerebral em tempo real, com aparelhos de ressonância magnética, pesquisadores conseguiram identificar o momento exato da tomada de decisões motoras e constataram que ele acontece no cérebro alguns instantes antes que o próprio voluntário tome ciência dela. Ou seja, há uma parte de nós que decide as coisas antes que nós conscientemente achemos que as decidimos.
Só o fato de Freud ter conseguido antecipar essa constatação em mais de 100 anos já é fantástico. Mas ele fez mais que isso: com suas ideias, ele obteve uma legião de seguidores (até hoje há quem trate como simples “negação” qualquer posição que divirja da ideologia freudiana) e encorajou como ninguém as discussões sobre os mecanismos internos da mente.
“Freud tinha a rara capacidade de dizer o melhor que podia ser dito no momento sobre um assunto e então seguir em frente sem olhar para trás”, diz Stanley Palombo, psiquiatra americano especialista em sonhos e processos criativos. “Ele nunca deixou as limitações da ciência ou da filosofia de seu próprio tempo o impedirem de gerar ideias novas que as ajudasse a compreender as coisas. Estamos todos cientes de que Freud cometeu erros, mas seus erros foram motivados inteligentemente.”
Alguns nem tanto, como o entusiasmo por uma substância que, segundo ele, tinha os mais diversos usos medicinais: a cocaína. Freud defendeu durante anos que ela podia servir como antidepressivo, analgésico e até mesmo tratar a dependência em morfina. Foi um usuário constante durante muitos anos e especula-se que muitas de suas ideias iniciais sobre psicanálise tenham sido desenvolvidas sob o efeito da droga.
Mas logo Freud se deu conta do engano e, antes mesmo da virada do século, parou de recomendá-la e usá-la. Apesar disso, outro vício o acabou levando à morte mais tarde – o tabaco. O famoso psicanalista, sempre entusiasmado com os charutos, foi vítima de um câncer de boca. Uma vez constatado que não haveria mais o que fazer, em setembro de 1939, seu médico e amigo Max Schur o ajudou a cometer eutanásia. Duas doses de morfina em dois dias. No terceiro, Freud estava morto. i
FUMO FÁLICO
Um dos pilares centrais da psicanálise era a importância dos símbolos com conotação sexual no funcionamento da mente. Mas, quando mencionaram seu insistente hábito de fumar, ele respondeu: “Às vezes um charuto é apenas um charuto”.