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Sob o manto da guerra

Acusados de colaboração com o inimigo, armênios foram exterminados pelo Império Otomano - num dos maiores crimes já cometidos contra a humanidade

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h21 - Publicado em 30 abr 2008, 22h00

Texto Eduardo Szklarz

Cerca de 1,5 milhão de mortos. Esse não foi o resultado de uma das sangrentas batalhas travadas durante a 1a Guerra Mundial, mas o saldo de um dos mais assombrosos delitos já cometidos contra a humanidade: o genocídio armênio. Muitos acreditam que a matança promovida pelo Império Otomano a partir de 1915 foi apenas um crime de guerra. Em parte, tem razão quem defende esse argumento. Afinal, o governo turco alegava que, durante o conflito, os armênios estavam traindo o império e se aliando à Rússia, uma inimiga declarada. Hoje, no entanto, especialistas afirmam que a real intenção das autoridades otomanas era simplesmente exterminar esse povo. A guerra serviu apenas para mascarar o extermínio.

“Se o problema era retirar os armênios de certos territórios para que não se aliassem aos russos, isso poderia ter sido feito. Mas, quando analisamos as rotas de deportação, vemos que o objetivo era eliminá-los”, diz a advogada Mariela Bondar, representante legal da comunidade armênia na Argentina. Mariela teve acesso aos arquivos diplomáticos de EUA, França, Espanha, Alemanha, Vaticano, Áustria, Inglaterra e Bélgica. Segundo a advogada, os documentos analisados provam que a Alemanha, aliada dos turcos na 1a Guerra, não apenas deixou o genocídio acontecer mas também o incentivou. “Oficiais alemães estiveram presentes nas rotas de deportação, ao lado de altos oficiais do Império Otomano.”

O povo do livro

Durante séculos, os armênios foram tolerados pela maioria muçulmana em território otomano justamente por serem cristãos. Eram chamados de “o povo do livro”. Mas nunca deixaram de ser tratados como cidadãos de segunda classe. No século 19, a situação piorou sensivelmente. Com as derrotas sofridas pelo islã nos Bálcãs frente às potências ocidentais, ficou difícil manter a tolerância baseada na superioridade religiosa. As minorias não muçulmanas passaram a ser vistas como agentes das mudanças.

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Mesmo assim, os armênios continuaram fiéis às autoridades. Diziam querer apenas autonomia, ou seja, poder exercer livremente sua cultura e sua religião ao mesmo tempo em que continuavam sendo súditos do império. De nada adiantou. No final daquele século, o sultão Abdul Hamid 2o matou cerca de 300 mil armênios, sinalizando o que estava por vir.

Em meio à crise, a ideologia nacionalista do escritor Ziya Gokalp conquistou adeptos fervorosos no movimento político conhecido como Jovens Turcos, que buscava modernizar o país. No início, o partido armênio Dashnaktsutiun se aliou ao movimento, acreditando que, assim, as perseguições de Hamid cessariam. Mas o tiro saiu pela culatra. Em 1913, a facção mais radical dos Jovens Turcos derrubou o sultão e instaurou um regime que buscava acabar com a diversidade étnico-religiosa no império. No jargão dos extremistas, essa idéia era chamada de “panturquismo” e significava a exclusão de todas as minorias. Dito e feito: em 1915, teve início o extermínio. “Foi o primeiro entre os genocídios modernos ideologicamente motivados”, afirmam o historiador Frank Chalk e o sociólogo Kurt Jonassohn no livro The History and Sociology of Genocide (“A História e a Sociologia do Genocídio”, sem tradução para o português). O massacre só terminaria em 1923.

Assassinos impunes

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Os métodos utilizados na matança eram variados. Muitos armênios morreram de fome, sede, doenças ou frio durante extensas caminhadas. Outros foram fuzilados, enforcados ou espancados até a morte. Aqueles considerados subversivos eram degolados e tinham a cabeça exposta em praça pública.

“As potências aliadas escreveram aos líderes otomanos dizendo que os Jovens Turcos seriam responsabilizados”, diz Mariela. “Nos rascunhos dessas cartas aparecia a expressão ‘crimes contra a cristandade’. Depois, o termo ‘cristandade’ acabou sendo substituído pela palavra ‘humanidade’.’’

Em 1921, Kemal Ataturk – veterano da 1ª Guerra Mundial e fundador da República Turca – promoveu um julgamento em ausência contra os Jovens Turcos, sentenciando seus líderes à morte. Mas eles já haviam fugido. O genocídio armênio continua impune até hoje – e segue negado pela Turquia.

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