José Francisco Botelho e Eduardo Lima
Erro – Incentivar o nascimento de grupos fundamentalistas islâmicos e ignorar que eles poderiam se virar contra o Ocidente.
Quem – A CIA e os serviços secretos da Arábia Saudita e do Paquistão.
Quando – Décadas de 1980 e 1990.
Consequência – Criação da Al-Qaeda, a maior rede global de terrorismo, responsável pelos ataques do 11 de Setembro e por vários atentados à bomba em diversos países da Europa, da África e da Ásia.
Em 1979, a União Soviética invadiu o Afeganistão e fez subir os termômetros da Guerra Fria. Os EUA temiam que o país montanhoso da Ásia Central fosse o primeiro passo para uma expansão comunista por todo o Oriente Médio. No início dos anos 80, o presidente americano Ronald Reagan decidiu agir: forneceu armas e dinheiro para milhares de guerrilheiros voluntários árabes, os mujahedin, que lutavam contra a ocupação.
Extenuada, a URSS se retirou do Afeganistão em 1989 e implodiu dois anos depois. Os EUA ficaram tão exultantes com a vitória que demoraram a perceber o monstro que haviam criado. A agência de inteligência americana – CIA – abandonou o Afeganistão à própria sorte, sem se preocupar com o exército de fanáticos que ajudara a treinar. Para os mujahedin, o islã tinha expulsado os comunistas, independentemente da ajuda americana. E agora, obtida a primeira vitória, estavam dispostos a atacar a outra superpotência infiel: os EUA. Seu líder era um tal de Osama bin Laden.
A CIA demorou a reconhecer a ameaça que Bin Laden representava. Primeiro, ignorou a criação da Al-Qaeda, em 1988. Depois, subestimou o crescimento da rede no início dos anos 90. Quem confessa isso é ninguém menos que Richard A. Clarke, então chefe do Conselho Nacional de Segurança dos EUA. “O nome de Osama bin Laden começou a aparecer frequentemente nos informes secretos de 1993 e 1994, mas a agência continuava se referindo a ele como um meninão abastado que apenas distribuía cheques a grupos terroristas”, escreve Clarke no livro Contra Todos os Inimigos (Ed. W11).
Quando a ficha da CIA finalmente caiu, em 1996, a Al-Qaeda já era a principal rede global de terrorismo. E até hoje ela está por aí, ameaçando e semeando o pânico pelo mundo – embora Bin Laden agora esteja morto.
Cabeçadas da CIA
O combate no Afeganistão começou fácil para a URSS. As balas afegãs rebotavam-se na couraça dos helicópteros Hind-D, usados pelos soviéticos para bombardear os acampamentos dos mujahedin. Em meados dos anos 80, contudo, os guerrilheiros muçulmanos viraram o jogo, graças aos mísseis portáteis Stinger fornecidos pela CIA. Cerca de 270 aeronaves foram derrubadas.
“A ação clandestina se ampliou no segundo mandato de Reagan”, diz Clarke. “O investimento passou de 35 milhões de dólares em 1982 para 600 milhões em 1987.” Segundo o ex-chefe do Conselho de Segurança, a CIA não negociou diretamente com os mujahedin. Ela entregava o dinheiro e as armas para os serviços de inteligência do Paquistão, que os redistribuía aos combatentes. Foi um erro, pois os americanos não puderam estabelecer laços de lealdade com os guerrilheiros nem cooptar informantes.
A Arábia Saudita também acabou participando do esquema porque não queria perder a oportunidade de doutrinar os militantes segundo sua ideologia extremista, o wahhabismo. Foi nesse Afeganistão conturbado que o jovem saudita Osama bin Laden começou a botar suas manguinhas de fora (leia mais no quadro à esquerda).
Com a retirada da URSS, em 1989, os afegãos mergulharam numa guerra civil. EUA e Paquistão decidiram apoiar a facção religiosa dos talibãs – acreditando que, assim, conseguiriam colocar alguma ordem no caos. Mais um equívoco. Os talibãs agradeceram instaurando um regime extremista e dando refúgio à Al-Qaeda. Nos anos 90, o Afeganistão se transformaria num polo exportador de terroristas para a Bósnia, a Chechênia, a Somália e vários outros países em conflito. E os atentados da Al-Qaeda começariam a pipocar em todo o planeta.
Filhinho de papai
Nascido na Arábia Saudita em 1957 e filho de um bilionário da construção, Osama bin Laden começou a passar uma rasteira nos EUA ainda no início dos anos 80, quando recebeu do serviço secreto de seu país a missão de doutrinar os mujahedin que enfrentariam a invasão soviética. Em 1988, já bem experiente, fundou a Al-Qaeda. Seu objetivo era erguer um califado mundial, espécie de império baseado numa leitura radical da sharia, a lei islâmica (leia mais na reportagem da pág. 59). Dessa intenção nasceram atentados terroristas que entram para a história, como o 11 de Setembro. Bin Laden foi morto em seu esconderijo no Paquistão.
Como criar um monstro
Israel deu apoio ao fundador do Hamas, que hoje controla a Faixa de Gaza e quer riscar do mapa o Estado judeu
Nos anos 70, Israel travava uma guerra nas sombras contra a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Liderado por Yasser Arafat, o grupo sequestrava aviões para chamar a atenção do mundo a sua causa e perpetrava atentados seguidos contra civis israelenses. Em 1972, por exemplo, o Setembro Negro – uma facção extremista do partido Al-Fatah, de Arafat – matou 7 atletas israelenses durante os jogos olímpicos de Munique, na Alemanha.
Para tentar conter a OLP, Israel estimulou um movimento palestino rival: o Mujama al-Islamiya. Seu líder, Ahmed Yasin, era um sheik paraplégico e quase cego que criticava o caráter laico da Fatah e defendia a instauração de um regime baseado numa leitura radical da lei islâmica. Aos olhos dos israelenses, os discípulos de Yasin pareciam focados na religião, não em questões políticas. Assim, em 1979, Israel reconheceu o Mujama al-Islamiya como organização de caridade, o que lhe permitiu construir escolas, clubes e mesquitas.Em meados dos anos 80, contudo, os agentes israelenses encontraram estoques de armas nas mesquitas de Yasin, e descobriram que tinham ajudado a criar um monstro. Em 1987, o sheik fundou o Hamas – um misto de milícia, partido e instituição de caridade que pregava a destruição de Israel. Nos anos 90, enquanto a OLP abria mão do terrorismo, o Hamas promoveu uma série de ataques suicidas em Tel-Aviv e outras cidades. Desde 2005, os discípulos de Yasin controlam a Faixa de Gaza – e, de lá, disparam mísseis contra cidades israelenses. “Quando olho para trás, vejo que cometemos um erro”, declarou David Hacham, ex-especialista em assuntos árabes do Exército israelense, ao periódico americano The Wall Street Journal. “Mas, naquela época, ninguém imaginava que o resultado poderia ser esse.”