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Testemunha de Deus

Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, não vê ameaça na ciência. Ao contrário: a cada avanço, ela só revelaria a genialidade do Criador

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h35 - Publicado em 18 fev 2011, 22h00

Dom Odilo Scherer é o cardeal arcebispo de São Paulo, nomeado pelo papa Bento 16 em março de 2007. Ocupar essa posição na hierarquia da Igreja Católica significa assumir uma imensa responsabilidade. São Paulo é a 3ª maior arquidiocese do mundo, com mais de 6 milhões de católicos a ser “pastoreados” pelo arcebispo. Mestre em filosofia e doutor em teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, na Itália, dom Odilo sempre figurou na lista dos prováveis candidatos a esse posto – segundo analistas, por ser jovem e muito bem relacionado no Vaticano. É autor do livro Justo Sofredor – Uma Interpretação do Caminho de Jesus e do Discípulo (Edições Loyola), em que discute “a figura paradigmática do Jesus que se humilha e expia os pecados do mundo”. O arcebispo de São Paulo acredita que religião e ciência não se excluem, embora também não se identifiquem. “São duas formas diversas de abordagem e tematização da realidade”, diz dom Odilo. “Uma não é assimilável pela outra.” Por e-mail, ele concedeu a seguinte entrevista:

Deus existe? Qual é a prova mais contundente de que Ele existe ou não?
Sim, Deus existe. Mas é muito difícil falar em provas, no sentido científico. A afirmação ou a negação de Deus não está sujeita a isso, pois Ele não é objeto de ciência experimental, mas de outro tipo de conhecimento. Nossa razão e a razoabilidade das coisas requerem a existência de Deus. Dessa forma, podemos dizer que ela é evidente e se impõe por si mesma sobre a nossa razão.

A Teoria da Evolução não é uma prova da inexistência de Deus?
Não, absolutamente. Nem Darwin quis afirmar isso. A evolução das espécies não se opõe à existência de Deus.

Apesar da ciência, ainda é possível acreditar no sopro divino – o momento em que o Criador deu vida até ao mais insignificante dos micro-organismos?
Claro que sim. Estaremos falando sempre que, em algum momento, começou a existir algo, para poder evoluir em seguida. O ato criador precede a possibilidade da evolução: só evolui algo que existe. Do nada, nada surge nem evolui. Uma vez existindo algo, a evolução é possível. Ela não explica a existência, mas pode explicar os modos de existência.

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Deus é a explicação mais fácil para o que o homem não consegue compreender?
Deus certamente é a mais convincente. A ciência pode explicar o modo de existir das coisas, mas a existência é objeto apenas de hipóteses. Eu não afirmaria que Deus é uma hipótese fácil ou cômoda para explicar tudo. A inteligência humana não fica impedida nem desestimulada de buscar outras explicações. Mas, ao lado de muitas hipóteses para explicar o mundo, a existência de Deus é, no mínimo, uma possibilidade convincente.

Acreditar em Deus é bom ou ruim para a humanidade? Por que tanta gente acredita? E qual é o futuro da crença?
Já houve quem colocasse a seguinte alternativa: “Ou Deus, ou o homem” – como se Deus rivalizasse com a humanidade. Entendo que essa alternativa decorre de uma compreensão insuficiente de Deus e também de formas inadequadas de manifestar a fé em Deus. A fé verdadeira é boa para a humanidade. Muita gente continua a crer em Deus porque compreende, de maneira acertada, que não se pode atribuir a Ele a origem dos males que afligem a humanidade. Cometer atos de violência em nome da fé é uma aberração – um ato do homem, não de Deus. E o conhecimento científico não precisa ser visto como ameaça. Pelo contrário: a ciência vai mostrando a sabedoria de Deus e a beleza daquilo que lhe deve a existência. É um mito a ideia de que a ciência vai acabar com a fé.

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Como seria a humanidade se a crença em Deus simplesmente não existisse?

Se não houvesse Deus, nem estaríamos fazendo esta entrevista. Nada existiria. Encontrar a fé em Deus não é sempre fácil e pode demandar muita busca, até angústia. Mas é certo que ela traz paz e conforto quer à inteligência, quer ao espírito humano. A fé faz a gente encontrar o próprio lugar diante do grande Tu, que dá sentido e valor à existência.

O senhor admite a hipótese de estar errado em suas convicções?
Tudo seria muito absurdo sem Deus… Teríamos de colocar algo no lugar Dele, algo que fosse exatamente como Ele.

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As religiões mudaram bastante nos últimos 100 ou 200 anos. Por quê?
Porque elas são fenômenos culturais e manifestam suas convicções de fundo com expressões culturais. A cultura muda e as religiões também. Mas a verdade que dá origem às religiões permanece inalterada: a busca pelo Tu misterioso que interpela o coração humano.

Por que as pessoas recorrem a Deus nos momentos de dificuldade, mesmo aquelas que não demonstram qualquer religiosidade no dia-a-dia?
A descrença em Deus também pode ser um fenômeno cultural. Numa cultura que faz pouco caso da religião, é fácil que as pessoas não liguem muito para a ela e, talvez, nem sintam falta. Mas, na angústia, quando a pessoa experimenta seu limite, ela vai em busca de sentido, de superação. Poderíamos dizer que o homem não é descrente por natureza. Ao contrário, ele tende para Deus.

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Dom Odilo Scherer

• Tem 59 anos. Nasceu em Cerro Largo, no Rio Grande do Sul – filho de Edwino Scherer e Francisca Wilma Steffens Scherer, imigrantes alemães da região do Sarre.

• Ordenou-se padre em 1976, no Paraná. Assim como dom Cláudio Hummes, seu antecessor no comando da Arquidiocese de São Paulo, é considerado moderado.

• Foi oficial da Congregação para os Bispos (1994 a 2001), bispo-auxiliar de São Paulo (2002 a 2007) e secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (2003 a 2007).

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