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Tradutor de hieróglifos decifra novo calendário maia

Um especialista em Arqueoastronomia da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais, anuncia a surpreendente descoberta de um novo e exótico calendário maia.

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Atualizado em 31 out 2016, 18h14 - Publicado em 30 jun 1993, 22h00

Cadu Ladeira

Por Cadu Ladeira

Embora tenham sido a maior civilização pré-colombiana do continente, são poucos os vestígios deixados pelos maias dessa grandeza. Além de seus monumentos arquitetônicos, tudo que existe hoje são quatro códices — pergaminhos com calendários e narrativas dinásticas — guardados a sete chaves em museus da Alemanha, França, Espanha e Estados Unidos. Um quadro desolador, mas que recentemente proporcionou inesperada novidade: a decifração de um calendário, escrito em linguagem secreta, nos escassos e antigos documentos. Mais surpreendente ainda é que o responsável pelo feito, apesar do nome e sobrenome germânicos, vive entre nós. Chama-se Franz Joseph Hochleitner, é austríaco da cidade de Salzburg e, como o presidente da República, o baiano Itamar Franco, fez de Minas Gerais sua terra do coração. Aos 77 anos, 45 deles no Brasil, ele atualmente chefia o Setor de Arqueoastronomia e Etnologia Americana da Universidade Federal de Juiz de Fora. Especialista numa rara disciplina que estuda o domínio que civilizações mortas tinham dos astros, Hochleitner recebeu SUPERINTERESSANTE para falar do que desvendou. Ora consultando cadernos abarrotados de cálculos sobre as posições dos planetas, ora manejando cópias dos códices, ele explicou pacientemente por que, se sua teoria estiver correta, o novo calendário não só revela que os maias conheciam o céu melhor do que se imaginava, como também vai possibilitar a datação precisa de dois dos quatro documentos que restaram dessa cultura centro-americana.

SUPER — O senhor diz que decifrou um novo calendário maia. Que significa isso exatamente?

Hochleitner — Até agora, nós sabíamos de seis tipos de calendários maias, quatro circulares e dois lineares. Entre os circulares, os mais conhecidos são o que se repete a cada 52 anos e outro, chamado de curta contagem, que recomeça a cada 260 anos. Dos lineares, parecidos com os nossos, o mais famoso é o de longa contagem, que começa por volta de 3100 a.C. O que eu descobri é um sétimo calendário, que batizei de chuen, intermediário entre os de longa e curta contagem.

SUPER — E no que ele difere dos outros?

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Hochleitner — Em primeiro lugar, na finalidade. O circular, de 52 anos, era mais voltado para datas de cerimônias religiosas e coisas assim. Os de longa e curta contagem traziam os grandes feitos dinásticos. O novo calendário que decifrei é uma espécie de registro do movimento dos planetas para informar os astrônomos maias sobre datas de eventos celestes.

SUPER — Seria, então, um calendário astronômico?

Hochleitner — Eu não diria tanto, já que eles não separavam astronomia da religião. Astrônomos e sacerdotes eram a mesma coisa. Além disso, os outros calendários também trazem muitas informações astronômicas. O que me faz acreditar que o chuen tem um caráter mais exclusivo, que era reservado aos sacerdotes-astrônomos, é o fato de ter sido escrito em uma linguagem secreta.

SUPER — Como assim, “uma linguagem secreta”?

Hochleitner — Os três calendários antes decifrados usam símbolos maias universais para representar o tempo. Só para citar os principais, há o hieróglifo kin para os dias, o uinal para meses de vinte dias, o tun para anos de 360 dias, o katun, que equivale a vinte anos tun, e o bactun, representando 400 anos ou vinte katun. Pois bem, quando eu digo que o novo calendário era secreto é porque nenhum desses símbolos aparece nele, mas apenas o hieróglifo chuen. O que eu fiz foi decifrar o significado desse hieróglifo, que nada mais é do que o katun, ou 20 anos, escrito de forma diferente.

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SUPER — Podemos dizer, então, que ele não tinha sido decifrado até hoje por causa desse caráter secreto de sua linguagem?

Hochleitner — De certo modo, sim. Desde a descoberta dos códices maias, o calendário estava lá, junto com os outros. Mas nunca se soube para que aquilo servia. O que sempre me chamou a atenção para os símbolos chuen é que eles só apareciam acompanhados de números. Quando os números vêm juntos com o hieróglifo tun, você sabe que eles são números de anos. Como ali esse símbolo nunca vem escrito, não se entendia o porquê dos números. Hoje, eu sei que eles representam os anos, mas sem a presença do hieróglifo, o que era mais uma forma de dificultar a leitura do calendário. Por exemplo. Cinco símbolos chuen significam cinco vezes vinte anos, ou 100 anos. Se aparece em seguida o número oito, embora não venha acompanhado pelo hieróglifo tun, mesmo assim você deve ler 108 anos.

SUPER — E como é que o senhor pode provar que está correto?

Hochleitner — Se pegarmos o Códex de Madri, onde o calendário chuen aparece sessenta vezes, eu posso provar matemática e astronomicamente que em cada um deles está registrada a data de um fato muito especial do céu. Tome como exemplo uma das passagens. Nela, existem dois símbolos no alto que todos conhecem. Um representa Saturno, o outro Júpiter, e estão colados um no outro, indicando a conjunção dos planetas. Logo abaixo, aparece um deus da chuva, indicando que havia uma grande precipitação naquele momento. Para eles, quando Saturno e Júpiter se aproximavam, era sinal de chuva. Usando meu método, pode-se ver que o calendário chuen ao lado do deus marca com exatidão o dia, ano e século em que Júpiter e Saturno estiveram mais próximos um do outro, separados somente por algo em torno de 1 grau. Um fenômeno muito difícil de ser observado e que só se repete a cada 59 anos. No caso dessa passagem, eu garanto que ela se refere ao dia 26/4/729 d.C.

SUPER — E como o senhor chegou a essa conclusão?

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Hochleitner — Falando de forma bem simplificada, o que eu fiz foi estabelecer as datas possíveis da trajetória de aproximação dos planetas. Depois, apliquei valores hipotéticos aos símbolos do calendário até chegar àqueles que poderiam ser usados indistintamente em todos os sessenta e apontassem como resultado fenômenos precisos. Tão precisos que uma mínima alteração no valor de quaisquer dos símbolos do calendário inviabiliza sua leitura.

SUPER — Mas o que garante que essa conjunção de Saturno e Júpiter de que o senhor está falando não aconteceu 59 anos antes ou então 118 anos depois? O que garante que não aconteceu séculos antes ou depois?

Hochleitner — Justamente isso. Se você, por exemplo, usar como parâmetro o bactun da cronologia maia, avançando ou recuando no tempo os 400 anos que ele representa, a data nunca coincidirá com o fenômeno. O mesmo vale para os 59 anos ou os 118. Com meu método, as sessenta datas do Códex de Madri levam a eventos celestes específicos e raros. É mais fácil você acreditar que eu estou certo do que imaginar uma coincidência se repetindo sessenta vezes.

SUPER — É com base nesta precisão que o senhor diz que vai poder datar os códices de Madri e de Paris?

Hochleitner — Exatamente. Dos quatro códices que existem, dois já foram datados. O grande problema do Códex de Madri e do de Paris é que o primeiro não tem o calendário de longa contagem. O outro, de Paris, tem, mas ele está tão danificado que não conseguimos lê-lo. Com isso, todas as tentativas de datação até hoje eram apenas especulações, com defasagens de séculos entre uma e outra. Com o meu calendário, que traz informações de fenômenos celestes extremamente precisas, posso garantir uma datação segura para os dois. O de Madri foi escrito entre os séculos VIII e IX. Quanto ao de Paris, onde o calendário chuen aparece quatorze vezes, eu já tenho a chave da datação e pretendo divulgá-la em breve.

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Para saber mais:

O mais rico tesouro da América

(SUPER número 2, ano 3)

Os primeiros brasileiros

(SUPER número 4, ano 3)

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O último escriba dos faraós (SUPER número 7, ano 6)

Encontro de civilizações

(SUPER número 10, ano 6)

Prazo de validade, 7 000 anos

(SUPER número 1, ano 11)

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