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A economia vai devorar o planeta?

Ressonância da ecologia na teoria econômica, a ecoeconomia propõe que puxemos o freio do crescimento para evitar que a atividade humana destrua o ambiente - e acabe com as riquezas da Terra

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h03 - Publicado em 30 abr 2004, 22h00

Bruno Versolato

Em 20 anos o mundo estará assolado por guerras, fome e epidemias. Milhões morrerão em conseqüência direta do superaquecimento do planeta. Outra parte da população será dizimada em conflitos na disputa por solo cultivável e reservas de água. As regiões do Nilo, Danúbio e Amazonas se tornarão zonas militarizadas. Chuvas torrenciais, secas infernais e ondas de calor insuportável diminuirão a produção de alimentos. A Europa estará, a essa altura, parte congelada e parte submersa. Com a salinidade do mar reduzida pelo derretimento do gelo polar, a corrente submarina que leva água quente à costa da Inglaterra irá parar. A Grã-Bretanha terá um clima como o da Sibéria e os campos da França serão reduzidos a montanhas de neve. A Terra não conseguirá sustentar a população de mais de 6 bilhões de pessoas. Hordas de refugiados ambientais criarão um êxodo jamais visto. Países se armarão na luta pela sobrevivência e a ameaça nuclear voltará.

Esse cenário aterrador não foi pintado por nenhum ambientalista. Trata-se de um estudo do todo-poderoso Departamento de Defesa dos Estados Unidos, obtido pela revista Fortune, sobre o superaquecimento global. Durante anos a maior potência do mundo negou a ameaça ambiental. Em 1989, com a queda do Muro de Berlim, o historiador Francis Fukuyama, então um desconhecido funcionário da administração Bush pai, previu que a derrota do comunismo pela economia de livre mercado e pelas democracias liberais representaria o fim da história. Agora, o Pentágono descobre que a história não parou. Pior: que o próximo capítulo a ser escrito pode ter um tom menos brilhante levado justamente pelo “modelo ocidental” que tanta bonança trouxe ao mundo capitalista, segundo ambientalistas como Lester Brown, fundador do Worldwatch Institute e autor do livro Ecoeconomia, Construindo uma Nova Economia para a Terra.

Para Brown, na origem de todo o problema estão os sistemas econômicos que simplesmente ignoraram durante anos o fator ambiental de seus cálculos. “A teoria econômica e os indicadores econômicos não explicam por que o gelo do mar Ártico está derretendo”, diz. Como saída para a Terra e para a espécie humana, ele propõe que os princípios ecológicos ecoem na economia mundial, numa reforma urgente que foi batizada de ecoeconomia.

Economia ecológica

Nascido entre as décadas de 1960 e 1970, o conceito de economia ecológica afirma que a economia mundial é um subsistema do meio ambiente e só pode crescer dentro dos limites físicos da Terra. “Alguém ainda vai ganhar um Nobel por lembrar que a Terra é uma caixa de sapato em que não cabe mais de um par”, afirma Hugo Penteado, autor de Ecoeconomia: Uma Nova Abordagem. O alvo da crítica de Hugo é “a falta de lógica e racionalidade”, amparada por uma legião de economistas e teorias econômicas que vêem o crescimento como algo que torna as coisas mais abundantes para todo mundo. Essa visão, diz o economista, criou uma economia fora de sincronia com o ecossistema do qual depende.

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Historicamente, as teorias econômicas não falam sobre os limites físicos ao crescimento infinito. No livro Macroeconomia, de Rudiger Dornbusch, Stanley Fischer e Richard Startz, há uma única passagem sobre o meio ambiente – e ela desdenha a tese de que o crescimento da economia mundial é limitado. “É verdadeiro que o crescimento econômico exponencial esgotará o estoque fixo de recursos? Bem, sim, é verdadeiro. Contudo, isso parece mais uma preocupação da astrofísica, ou talvez, da teologia, do que da economia”, diz o trecho. “Antes do baby boom pós-Segunda Guerra, poucas pessoas consumiam uma quantidade enorme de recursos. Portanto, o esgotamento dos recursos naturais de que se fala é um fato relativamente novo e ainda não mensurado para ser absorvido pelas teorias econômicas”, diz Leonardo Trevisan, professor de história da economia da PUC de São Paulo.

Sinais de estresse

Do começo da agricultura à deflagração da revolução industrial, o clima na Terra manteve-se estável. A partir daí, toneladas de carbono foram introduzidas na atmosfera. O resultado disso foi o aquecimento progressivo da atmosfera: desde 1866, quando as medições começaram, os 14 anos mais quentes ocorreram a partir de 1980. Há ainda a superpopulação: somamos 6,2 bilhões de pessoas hoje. Para 2050, a previsão varia entre 7,9 e 10,9 bilhões de pessoas. A maioria dos bebês abrirá os olhos na Índia, na China ou em algum país muito pobre, onde os recursos hídricos e alimentares para manter um padrão mínimo de vida já se encontram sob esgotamento. Com o crescimento das economias mundiais e das populações, o mundo enfrenta ainda a maior onda de extinções em 65 milhões de anos. No final de 2000, um quarto dos mamíferos, 12% das aves, 25% dos répteis, 21% dos anfíbios e 30% dos peixes estavam ameaçados de desaparecer.

Ainda assim, a maior parte das previsões sobre o meio ambiente feitas nas últimas décadas não se concretizou de forma tão catastrófica. Há até quem defenda que nada está errado com o planeta. Uma dessas vozes vem do estatístico dinamarquês Bjorn Lomborg, ex-militante do Greenpeace e co-autor do livro O Ambientalista Cético. Para ele, “todas as previsões apocalípticas são exageradas”. Em suas contas, a demografia possui seu próprio mecanismo de auto-regulação, com o ritmo de nascimentos reduzido na medida em que o nível de vida melhora. O mundo está mais quente sim, admite ele, mas isso é bom – reduz despesas com a calefação. E o desaparecimento das geleiras diminuirá as enchentes provocadas pelo degelo. Para livrar o mundo do risco da poluição, basta enriquecer, aconselha. A maior extinção desde o fim dos dinossauros também não está a caminho. Apesar de as florestas americanas terem sido reduzidas a 1% ou 2% do que eram há um século, só foi notado o desaparecimento de uma única espécie de pássaros, diz ele.

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O que pode ser mudado

Opiniões como a de Lomborg são minoria. Para a maioria dos ecologistas, o impacto das atividades humanas sobre a natureza é real. A salvação do planeta passaria necessariamente pelo fim do crescimento de economias e populações, além da adoção de uma economia ecológica – com a reforma dos sistemas de produção de alimentos, materiais e energia. Uma economia ambientalmente sustentável seria movida por fontes renováveis de energia: eólica, solar e geotérmica. A eletricidade eólica seria usada para produzir hidrogênio. As estruturas atuais de gasodutos fariam o transporte do gás que moveria a frota de automóveis. Nesse sistema, a indústria da reciclagem e reutilização substituiria em grande parte as atividades extrativistas.

Para se alcançar esse estágio, os sistemas tributários mundiais precisariam ser reformulados de modo a oferecer subsídios à reciclagem e à geração de energia limpa e renovável e taxar atividades insustentáveis, como o uso de combustível fóssil. “Ao comprar gasolina, o usuário paga pela extração do petróleo, refino e entrega ao posto. Mas não paga pelo tratamento de doenças respiratórias nem pelos custos da perturbação climática”, diz Brown, que defende a incorporação de tais custos.

No entanto, sem estacionar a população mundial, nenhuma mudança terá realmente efeito. Mais pessoas requerem mais comida, mais água, mais espaço, bens, serviços e energia. Ocorre que deter ou até mesmo reduzir o crescimento da população mundial não é tão simples. O tamanho das famílias, em muitos países, está ligado à maneira como os casais encaram o sexo e a virilidade. O bom exemplo vem de Bangladesh, um dos países mais populosos do mundo. Apesar de extremamente pobre, o país conseguiu desenvolver programas extensos de planejamento familiar que reduziram a taxa de natalidade pela metade entre 1996 e 2000. O programa conta com apoio popular. Mesmo assim, com 3,3 filhos por casal, a população de Bangladesh ainda cresce – para que ela estacionasse, essa proporção deveria estar próxima de dois.

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Em escala mínima, todas essas idéias já vigoram na Dinamarca. O país tem população estacionária e proibiu usinas a carvão e o uso de garrafas descartáveis. Cerca de 15% da energia consumida é produzida pelo vento e a rede de transportes urbanos foi reestruturada. Hoje, 32% dos percursos em Copenhague são feitos de bicicleta.

O futuro ao homem pertence

O problema é que o mundo não é a Dinamarca e, infelizmente, nem todas as cidades são como Copenhague. O tamanho e a complexidade dos sistemas mundiais tornam a adoção da ecoeconomia uma tarefa gigantesca e muito distante de ser realizada. O aumento da temperatura global, a superpopulação e a contaminação dos ecossistemas mundiais estão por toda parte: somente podem-se corrigir os efeitos que eles criam com medidas de alcance global. Pequenas substituições e correções de rumo em alguns setores não constituem uma solução. Com 6 bilhões de pessoas no mundo, até metas mais óbvias, como deter o nível de desflorestamento, parecem distantes.

Para passar ao estágio da economia ecológica, a humanidade teria de assumir os riscos de falência em massa, crises de governos e dos sistemas financeiros. Com a redução da natalidade, os governos não conseguiriam pagar aposentadoria à crescente população idosa e os sistemas previdenciários também entrariam em colapso.

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A reforma de todo o sistema mundial é uma idéia radical e seus efeitos colaterais dificilmente serão aceitos. Mas o modelo vigente também não oferece prognósticos mais alentadores em termos puramente econômicos. Mesmo que as previsões do Pentágono não se concretizem e o clima permaneça inabalável diante das toneladas diárias de carbono jogadas na atmosfera, em poucas décadas a tendência de crescimento infinito poderá levar o planeta ao declínio econômico generalizado. Basta a China começar a consumir como os norte-americanos.

Por ano, a população chinesa aumenta em 15 milhões de pessoas (a população da Grande São Paulo). Dentro de poucos anos, a China precisará de 300 milhões de toneladas de grãos ao ano para alimentar a população. Mais do que a soma de todas as exportações de grãos do mundo. A demanda atingirá principalmente soja e trigo, o que poderá levar o preço do pãozinho, por exemplo, às alturas. “A questão não é se vamos conciliar o crescimento econômico com o meio ambiente e sim como evitar que a economia seja solapada pelo descuido com a natureza”, diz o economista Hugo Penteado.

Diante disso fica a questão: o homem mudará o rumo de um desastre ambiental e econômico? Ainda na década de 1970, um dos pais da ecoeconomia, o romeno Nicholas Georgescus-Rogen, se fez a mesma pergunta e concluiu o seguinte: “Talvez o destino da humanidade seja ter uma vida curta, mas ardente, extravagante e excitante, em vez de uma vida longa, uma existência vegetativa. Talvez seu destino seja deixar outras espécies – as amebas, que não possuem nenhuma ambição espiritual – herdar a Terra ainda banhada plenamente em raios solares”. O Sol, pelo menos por enquanto, está fora do raio de destruição do homem.

Para saber mais

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Na livraria:

Ecoeconomia: Uma Nova Abordagem, Hugo Penteado, Lazuli, 2003

Marcoeconomia, Rudiger Dornbusch, Stanley Fischer e Richard Startz, McGraw-Hill Interame, 2003

O Ambientalista Cético, Bjorn Lomborg e Nils Petter Gledistch, Campus, 2002

Na internet:

Ecoeconomia, Construindo uma Nova Economia para a Terra, Lester Brown, Download em https://www.wwiuma.org.br

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