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Cana: a planta que pode revolucionar a indústria

No auge dos carros flex, em 2008, o Brasil foi apontado como a futura superpotência da energia alternativa, a Arábia Saudita verde. Mas a cana vai além do álcool do posto (e do açúcar, da cachaça...)

Por André Bernardo
Atualizado em 10 fev 2017, 12h16 - Publicado em 12 nov 2014, 22h00

Álcool de palha

No Brasil, o etanol comum é obtido a partir do caldo da cana-de-açúcar. Essa produção gera resíduos, como bagaço e palha, que raramente são aproveitados. Isso pode mudar com o chamado etanol de segunda geração. Etanol 2G é aquele feito de açúcares extraídos da celulose da planta. Ou seja, ele pode ter diversas fontes, como madeira e sorgo, ou a palha e o bagaço da cana. A qualidade é a mesma do álcool comum, mas com vantagens para o produtor: a mesma área plantada pode render até 50% mais combustível. “Você não precisa plantar mais para ter mais etanol”, diz Robson Freitas, diretor de novas tecnologias do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC). A novidade deve chegar aos postos em 2015, prevê a empresa GranBio. A meta da companhia é inaugurar uma usina 2G por ano até 2020. “A capacidade de produção hoje é de 82 milhões de litros por ano. Queremos chegar a 1 bilhão”, diz Alan Hiltner, vice-presidente da GranBio.

Mas o custo de produção do etanol 2G é 30% maior, porque uma enzima necessária na fabricação é importada. Isso não deve durar muito: o preço da enzima caiu 78% entre 2008 e 2012. “A produção é viável economicamente”, diz Hiltner. “O custo deve cair à medida que a produção ganhe escala comercial.”

50% a mais de combustível um canavial pode produzir ao adotar o etanol 2G

Cana flex: bagaço elétrico
(iStock | Magone)

Bagaço elétrico

Maior produtor mundial de açúcar, o Brasil gera, todo ano, 140 milhões de toneladas de bagaço de cana. Essa montanha de resíduos tem um potencial energético enorme. Mas, para isso virar biomassa, ou seja, matéria orgânica que gera energia, as usinas de cana precisam se adequar – e isso é caro: em média, R$ 120 milhões para trocar turbinas, geradores e caldeiras, entre outros custos. Por isso, só 170 das 389 usinas produzem energia para a rede elétrica – o que já ajuda, mas ainda é pouco.

Em janeiro, por exemplo, o nível dos reservatórios de água ficou muito baixo, e termelétricas precisaram ser acionadas. Só que elas funcionam a diesel, o que aumentou a importação do combustível em 40%. Um custo que podia ser evitado.

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Se todas as usinas de cana do País produzissem energia, o Brasil poderia gerar cerca de 22,1 mil MWm (medida que calcula eletricidade gerada num período de tempo). É o equivalente a duas usinas de Itaipu, diz Zilmar de Souza, gerente de bioeletricidade da União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (Única) e professor da Fundação Getúlio Vargas. Em ano de pouca chuva e risco de apagão, a bioeletricidade da cana pode ser uma alternativa viável. “Não estaríamos tão dependentes de térmicas caras e poluentes”, diz Souza.

Como transformar bagaço em energia

1. O caldo da cana gera açúcar e etanol. O bagaço e a palha alimentam as caldeiras da usina.
2. As caldeiras geram vapor, que movimenta turbinas de geração de energia elétrica.
3. Parte dessa energia é usada para abastecer a própria usina.
4. A outra parte é vendida para o sistema elétrico nacional, por meio de leilões. E mais: essa mesma usina ainda pode fabricar etanol 2G.

Cana flex: plástico verde
(iStock | UroshPetrovic)
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Plástico verde

Ele está em frascos, embalagens, sacolas, baldes, telhas, chinelos, caixas d¿água, caiaques, brinquedos, placas de sinalização e até nos assentos do camarote do Estádio do Morumbi, em São Paulo. O polietileno verde, plástico feito a partir do etanol da cana, é uma alternativa ao polietileno derivado do petróleo. No Brasil, a pioneira foi a água Crystal, da Coca-Cola, que em 2010 lançou uma garrafa com 30% de origem vegetal. Paulo Villas, gerente de embalagens da Coca, diz que agora a empresa cogita usar também bagaço de cana para fazer garrafinhas verdes.

Mas não é só a cana que gera plástico. Outras fontes vegetais, como milho e trigo, também. A diferença é que é a produção usando cana é mais barata, diz Antônio Morschbacker, diretor de tecnologias renováveis da Braskem. A fábrica da empresa em Triunfo (RS) faz 200 mil toneladas de plástico verde por ano.

Empresas que já usam

Electrolux – Lavadora de roupa
Estrela – Banco Imobiliário
Tetra Pak – Embalagens cartonadas
Faber-Castell – Estojos ecológicos

Cana flex: álcool ou diesel
(iStock | PhotoTalk)
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Álcool ou diesel?

São Paulo tem 400 ônibus rodando com 10% de diesel de cana misturados ao diesel convencional. O Rio tem 20 veículos do tipo, com 30% de diesel de cana. Diferente do álcool comum, esse combustível é obtido com leveduras transgênicas, que geram um óleo em vez de etanol.

O diesel de cana que abastece as frotas é produzido pela empresa de biotecnologia americana Amyris. Segundo Adilson Liebsch, diretor comercial da companhia no Brasil, não é preciso fazer nenhuma adaptação no veículo para usar o diesel de cana. “Não há diferença no desempenho nem no consumo”, garante.

Além do diesel, a cana também contribui com etanol para os ônibus. Desde 2012, São Paulo tem 60 veículos do tipo. Segundo Suani Coelho, coordenadora do Centro Nacional de Referência em Biomassa (Cenbio), da USP, o etanol emite 80% menos CO2. A diferença é tanta que, se a frota de 15 mil ônibus de São Paulo fosse substituída por veículos a etanol, a poluição gerada equivaleria à de 3 mil coletivos. Isso reflete na saúde. Um estudo da USP revela que a troca de diesel por etanol representaria uma economia de cerca de R$ 300 milhões por ano em custos médicos, afastamento do trabalho e morte prematura.

O problema é que o ônibus a etanol é cerca de R$ 40 mil mais caro que o modelo a diesel. Por isso, o diesel de cana leva vantagem, já que dispensa adaptações. São Paulo planeja substituir, até 2018, toda a matriz energética de sua frota por combustíveis renováveis. E o diesel da cana deve chegar às bombas dos postos até 2016.

80% menos CO2 é o que um ônibus a etanol emite em relação a um a diesel

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Cana flex: jato de cana
(iStock | narvikk)

Jato de cana

O Ipanema é a primeira aeronave do mundo a usar etanol. Ele é fabricado pela Indústria Aeronáutica Neiva, subsidiária da Embraer, e é líder no mercado de aviação agrícola no Brasil. Em nove anos pulverizando plantações e espalhando sementes, o Ipanema evitou a emissão de 20 toneladas de CO2 na atmosfera.

Por enquanto, o etanol só pode ser usado em aviões pequenos. “Ele tem poder energético menor que o querosene de aviação”, explica Mauro Kern, vice-presidente de Engenharia da Embraer. “Isso reduz a capacidade de alcance da aeronave, que não voa a grandes altitudes e limita seu uso em rotas longas.” Segundo Kern, para ser usado na aviação comercial, o biocombustível deve ter as mesmas especificações técnicas que o combustível tradicional, sem que seja preciso mexer nos aviões – assim como já acontece com o diesel de cana nos ônibus.

Com isso, a Embraer quer substituir o querosene, derivado do petróleo, pelo bioquerosene, feito a partir de fontes renováveis. O uso de combustível verde na aviação brasileira já acontece em caráter experimental. No primeiro voo-teste, em 2012, um Embraer 195 da Azul voou com uma mistura de 50% de bioquerosene da cana.

Mas, de novo, existe o problema do preço. “O bioquerosene ainda é até quatro vezes mais caro porque é produzido em escala reduzida. A expectativa é que, com o passar do tempo, o preço se torne mais competitivo”, acredita Adilson Liebsch, da Amyris, que produziu o bioquerosene usado no voo da Azul.

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Cinza-concreto

Em uma usina, cada tonelada de cana produz cerca de 175 quilos de açúcar, 80 litros de etanol, 800 litros de vinhaça e 250 quilos de bagaço. O açúcar vai para o mercado, etanol vira biocombustível, vinhaça é fertilizante e bagaço vira energia (já a produção de cachaça é um processo diferente). Sobram 25 quilos de cinzas, que geralmente vão para aterros sanitários. Em vez disso, elas poderiam ser usadas como substitutas da areia na fabricação de concreto e argamassa. Quem garante é o engenheiro Almir Sales, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “O concreto feito com cinza é 15% mais resistente do que o produzido com areia”, diz. A técnica reduz o impacto ambiental no leito dos rios, de onde é extraída a areia empregada na construção civil. Mas isso ainda está em fase de pesquisa. Faltam testes para simular o desgaste do concreto em condições naturais e verificar se o material é capaz de evitar a corrosão das estruturas de aço. A ideia é que o concreto ecológico seja usado em calçadas, bancos e sarjetas.

Cana flex: nova caninha
(iStock | LeszekCzerwonka)

Nova caninha

A fórmula básica da cerveja (água, malte, lúpulo e levedura) ganhou um companheiro na Wäls, de Belo Horizonte. Tiago e José Felipe Carneiro, donos da cervejaria, criaram a Saison de Caipira, primeira cerveja do mundo com caldo de cana. “A cervejaria artesanal do País pode ter bons produtos com ingredientes típicos”, diz Tiago. No primeiro lote, de 2 mil litros, 700 quilos de cana foram usados. A ideia é aumentar a produção e exportar para os Estados Unidos.

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