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Desmatamento nos Eua: …e a serra (quase) levou

Como os Estados Unidos estão lutando para preservar o que resta de suas florestas.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h06 - Publicado em 31 ago 1994, 22h00

Carlos Eduardo Lins da Silva, de Washington

Consciência planetária, desenvolvimento sustentado, ambientalismo. Até bem pouco tempo, os governos do mundo não ligavam para isso. Mesmo os Estados Unidos, país que hoje se destaca na vigilância ecológica, quase dizimaram suas matas originais. Agora, ainda não descobriram a melhor maneira de preservar o que resta.

No ano que vem, a Lei das Espécies Ameaçadas nos EUA vai caducar. Terá que ser ratificada por mais 22 anos. Em vigor desde 1973 e considerada em todo o mundo modelo de legislação de defesa da vida selvagem, ela sempre sofreu cerrada oposição empresarial.

Com o objetivo de facilitar sua ratificação, o presidente Bill Clinton anunciou medidas para suavizar o conteúdo da lei. Aí, quem não gostou nada foram os ecologistas. Muitos consideram as suavizações mais uma traição.

A chapa Bill Clinton-Al Gore foi eleita em 1992 com o apoio integral dos ambientalistas. Afinal, nenhum político importante no país se identificou tanto com eles quanto Al Gore. Hoje, recomendam ao vice-presidente que releia os seus próprios livros. Depois da posse, os ambientalistas viram que, se ganharam acesso ao poder com o novo governo, perderam terreno na prática. Muitas decisões ambientais tomadas por Clinton são parecidas com propostas rechaçadas pelas entidades ecológicas nos governos de Ronald Reagan e George Bush. Em especial no que se refere à preservação de florestas. As principais matas nativas do país, na costa oeste do território continental e no Estado do Alasca, estão sendo destruídas mais agora do que antes. Elas são o pouco que restou das densas florestas que cobriam quase metade do país quando a colonização inglesa começou em 1607: cerca de 5% do que existia na época. Os ambientalistas acham essencial mantê-las. Inclusive porque, sem elas, os EUA perdem autoridade moral para cobrar de outros países, como o Brasil, a manutenção das matas.

O biólogo americanco Thomas Lovejoy, um dos maiores especialistas em Amazônia do mundo, diz que do ponto de vista científico os processos de destruição florestal nos EUA e no Brasil são muito diferentes porque as matas dos dois países têm pouca similaridade entre si. “É muito mais fácil recompor as florestas norte-americanas do que as brasileiras”, avisa o biólogo.

Mas ele vê semelhanças no terreno político: o governo subsidiando industriais para derrubarem as florestas. Lovejoy acha particularmente parecidos os processos que ocorrem na Amazônia e no noroeste dos EUA, onde a Lei das Espécies Ameaçadas desde 1990 proíbe a derrubada de árvores para proteger uma espécie de coruja em extinção mas, ainda assim, os madeireiros continuam agindo.

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Quando, no século XVI, os europeus começaram a colonizar o território que hoje constitui os Estados Unidos havia 445 milhões de hectares de florestas. Em 1994, restam menos de 5% dos bosques originais: pouco mais de 22 milhões de hectares (lembrando que o territírio total dos EUA é de 936 milhões de hectares). Mas a destruição ou substituição por florestas artificiais ou homogênas prossegue ao ritmo de pelo menos 159 000 hectares por ano (uma extensão um pouco maior que o município de São Paulo, que tem 149 000 hectares).

O ambientalista norte-americano Fairfield Osborn (1887-1969) fundador da Conservation Foundation, costumava dizer:“A história dos EUA durante o século XIX, no que concerne à utilização das florestas, das pastagens, da fauna, da flora e da água é a mais violenta e a mais destrutiva entre todas as da longa História da civilização.”

A destruição do verde causou, entre outros resultados, a extinção completa de várias espécies de animais. Entre elas, o pombo-migrador Ectopistes migratorius (tourte), o periquito-da-carolina Conuropsis carolinensis e outro pássaro, o Campephilus principalis.

A primeira lei que possibilitou a defesa das matas no país foi votada em 1891. Autorizava o presidente da República a constituir reservas florestais . Em 1905, o Serviço Florestal foi criado. Mas essas e outras medidas foram insuficientes para proteger a flora natural.

Apenas 26% das florestas do país são públicas. o resto pertence ou a fazendeiros ou a empresas que as exploram. Segundo avaliação do Serviço Florestal, apenas de 15% a 20% das matas particulares estão sendo bem administradas do ponto de vista da garantia de sua sobrevivência. Dos 50 Estados americanos, só 10 têm legislação considerada ecologicamente adequada.

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Para piorar tudo, o próprio Serviço Florestal vende árvores para a indústria madeireira a preços tão baixos que muitos empresários preferem comprar das 122 florestas nacionais protegidas, em princípio, pelo governo federal do que desenvolver o negócio em suas próprias terras. O subsídio dessas transações é tamanho que o governo perde com elas cerca de U$ 600 milhões por ano.

Hoje a maiores florestas naturais dos EUA estão localizadas na costa oeste do país, ao longo dos Estados de Washington, Oregon e Califórnia e, fora do território continental, nos Estados do Alasca e do Havaí. As maiores florestas recuperadas estão na costa leste, na região da Nova Inglaterra. Algumas delas renasceram de maneira espontânea em fazendas abandonadas durante e logo após a Guerra Civil, em meados do século passado. Todas elas enfrentam agora um novo inimigo: a chuva ácida, resultante da poluição.

Desde meados da década de 60 se observa o efeito desses agentes sobre as florestas, em especial as das montanhas dos Apalaches, desde a Carolina do Norte até a região da Nova Inglaterra, as da Califórnia e as do nordeste do país. O pinheiro e o bordo são os dois tipos de árvores mais sensíveis à queima de combustíveis fósseis nos grandes centros industriais.

No Alasca, a poluição dos rios provocada pela atividade madeireira também coloca em risco, segundo os ambientalistas, várias espécies de peixe, inclusive o salmão local, e o teixo do pacífico, um tipo de árvore sempre verde que é a fonte de uma substância química chamada taxol, considerada eficiente tratamento de algumas formas de câncer.

Com 851 milhões de hectares de território, o Brasil é o país com maior quantidade de matas: cerca de 500 milhões de hectares. Os EUA (936 milhões de hectares de área total) vêm em segundo: entre 260 e 295 milhões de hectares de florestas, aí incluídas as artificiais. As planejadas, por melhores que sejam, sempre têm problemas: são vulneráveis a pragas, doenças e incêndios e sofrem com a erosão provocada pelos cortes periódicos. Piores ainda, segundo os ambientalistas, são os “ desertos verdes”. São plantações para exploração ininterrupta: de eucalipto para lenha, de pinheiro para papel, de teca para móveis, de conífera norte-americana para construção civil, etc. O valor ecológico é praticamente nulo.

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Mas há ecologistas que reconhecem a importância de certas experiências em florestas artificiais. Alan Thein Durning, do Worldwatch Institute, por exemplo, elogia os esforços feitos no Estado de Oregon, costa oeste do país. Ali, o corte de árvores é realizado aos poucos, em áreas pequenas. Depois, vem o replantio, de acordo com a estrutura ecológica da floresta. Corredores ao longo dos cursos d’água são poupados para proteger a fauna aquática.

Muitos ecologistas, agora lançam mão de argumentos econômicos. Querem provar que floresta preservada dá lucro. Durning afirma que 40% dos remédios vendidos nos EUA têm ingredientes ativos derivados de plantas, animais ou microorganismos florestais e que a engenharia genética mal começou a avaliar a importância que as cadeias de genes encontradas em florestas poder vir a ter. Ele acha que não será possível salvar as florestas —nem nos EUA nem em qualquer outro país —,se não se apresentarem alternativas viáveis para que possam ser exploradas. “Nós achamos possível conciliar saúde ecológica com produtividade econômica”, resume.

Mas a realidade não tem sido de conciliação. Um dos mais populares adesivos de automóvel nos Estados da costa oeste dos EUA tem a frase: “Salve um lenhador. Mate uma coruja”. O humor negro às vezes é enfrentado com a crueldade pura: no auge de sua disputa com ambientalistas, medeireiros costumavam atirar corujas mortas no quintal dos inimigos.

A guerra começou em 1990, quando a coruja manchada do norte (Strix accidentalis caurina) foi incluída entre as quase 900 espécies consideradas em extinção nos EUA e passou a ser protegida pelo governo federal. Segundo os cálculos oficiais, há seis mil indivíduos dessa espécie remanescentes nas florestas nativas dos Estados de Washington, Oregon e Califórnia. O problema é que esse tipo de coruja precisa de muito espaço para sobreviver: na média, 4 800 hectares para cada casal.

A coruja manchada também necessita de florestas “velhas”, com árvores mortas e troncos caídos, que servem de moradia para esquilos, ratos e outros mamíferos pequenos — a base de sua dieta alimentar. Ela pode viver entre 12 e 15 anos, mas não resiste a mudanças no seu habitat. Ela também se reproduz pouco: um ou dois filhotes por ano, dos quais só 20% são capazes de chegar à vida adulta.

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A convivência dos lenhadores com a coruja manchada é impossível. Mesmo que não cortem todas as árvores de algumas áreas, eles sempre vão remover as maiores, mais cheias de ramos, justamente as mais usadas pelo pássaro para fazer seus ninhos e se proteger. A indústria madeireira argumenta que seis mil corujas valem muito menos do que 140 000 homens. Sua estimativa é de que em 15 anos esse será o número de desempregados, caso ela não possa mais explorar as florestas do noroeste do país.

Os ambientalistas contestam tais números. Dizem que no máximo 106 000 empregos de lenhadores serão perdidos e argumentam que 43 000 outros serão criados para levar adiante a tarefa de proteger as florestas, o que reduz a cifra para 57 000 empregos. Também afirmam que a automação está cortando vagas na indústria madeireira e que os empresários omitem esses dados.

Os ecologistas argumentam ainda que a coruja manchada não é a única espécie ameaçada pelos lenhadores. Outros 200 vertebrados podem ser extintos se as florestas desaparecerem, inclusive o acor do norte e a águia careca. Uma outra ave dessas flores-tas, a alca-torda mármore, foi declarada oficialmente espécie em extinção no mês de abril de 1994. O presidente Bill Clinton baixou um decreto com o objetivo de agradar a todos. Mas desagradou a quase todos. Ele permite que até 40% das florestas sejam exploradas pelas madeireiras desde que cumpram determinadas exigências para proteger as corujas e diminuam o ritmo da atividade para permitir o replantio. Nem os ecologistas nem as madeireiras gostaram. Um acordo ainda parece distante.

Para saber mais:

A Terra vive

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(SUPER número 8, ano 2)

As verdades do verde

(SUPER número 7, ano 3)

O futuro enfrenta o presente (SUPER número 11, ano 5)

As florestas da fome

(SUPER número 3, ano 6)

Assim fenece o verde do Alasca

Troncos seculares “viram papel higiênico” no Japão

A Floresta Nacional de Tongass, uma densa mata úmida com 6,3 milhões de hectares (mais de 20% do que sobrou de florestas nativas nos EUA), fica no Alasca, na fronteira com a província de Yukon, no Canadá. É a maior mata americana e enfrenta problemas. Uma das fórmulas concebidas pelo general Douglas MacArthur, o interventor militar americano no Japão logo após a Segunda Guerra, para ajudar a desenvolver aquele país, foi conceder a uma empresa japonesa, a Alaska Pulp, monopólio da exploração de Tongass até o ano de 2011. “Árvores seculares de 70 metros de altura estão virando papel higiênico no Extremo Oriente”, protesta George Frampton Jr., da Wilderness Society.

O negócio é excelente para os japoneses. Como Tongass é administrada pelo Serviço Florestal dos EUA, toda a infraestrutura é fornecida por ele. Para cada dólar gasto pelo Serviço Florestal na operação madeireira, os japoneses devolvem U$ 0,28, segundo Frampton. O resto é prejuízo.

Por isso, em abril deste ano, o Serviço Florestal cancelou o contrato firmado por MacArthur. O governo Clinton, para perder menos dinheiro, deciciu que a Alaska Pulp vai ter que entrar em concorrência pública: irá explorar a floresta a empresa que oferecer mais. Os japoneses recorreram à Justiça contra a decisão. Dizem que seus direitos são legais. O governo do Alasca e a bancada estadual no Congresso apóiam os japoneses.

Outra derrota recente dos ambientalistas no Alasca foi a lei 310, aprovada pelo Senado em maio e remetida à Câmara com grandes chances de sucesso. Ela ameaça outros 6 milhões de hectares de florestas nativas no vale do rio Tanana, na região central do Estado. A lei autoriza a exploração de cerca de metade da área por madeireiras nos próximos 40 anos.

Mas nem tudo são más notícias. O Alasca é o Estado que faz a maior despesa percapita em prol da natureza. São 44,26 dólares anuais por habitante para proteger recursos florestais, mais 147,30 para preservar a vida selvagem, outros 23,49 para administrar terras e 5,93 para pesquisas geológicas. Um dos frutos desses investimentos é a possibilidade de o falcão peregrino da região, uma espécie que há 25 anos está na lista das ameaçadas de desaparecimento, vir a ser retirado da lista em breve. Desde 1974, o número de indivíduos da espécie no Alasca triplicou para 600 . Eles vêm sendo ajudados por um projeto de alta tecnologia. Alguns estão portando microtransmissores e sendo monitorados. Com isso, os pesquisadores podem conhecer suas rotas de migração pelo mundo todo e, assim, estudar fenômenos ecológicos tão diversos quanto a contaminação por mercúrio em rios brasileiros, a poluição industrial na Rússia e a destruição de florestas na China.

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