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A revolução da inteligência artificial

Ela está cada vez mais presente, o que levanta discussões sobre o que vai acontecer quando as máquinas nos superarem. Comece a se preparar para o futuro

Por Simone Cruz
Atualizado em 22 fev 2024, 10h05 - Publicado em 19 abr 2018, 15h58

ILUSTRA Pedro Corrêa
EDIÇÃO Felipe van Deursen

A revolução das máquinas
(Pedro Corrêa/Mundo Estranho)

TCHAU, PATETA!
Depois de fazer esculturas eletrônicas para os parques da Disney, o engenheiro americano David Hanson resolveu criar, em 2005, a Hanson Robotics, empresa que parece ter a pretensão de encher a Terra de robôs. Em 2015, ela lançou Sophia, um dos projetos de inteligência artificial (IA) mais sofisticados (e polêmicos) do mundo

BONECA DE BITS
Para criar as feições da máquina, Hanson mirou na atriz Audrey Hepburn e acertou na robô do filme Ex-Machina: Instinto Artificial (2014). A pele é de um material chamado frubber, que dá a ela expressões bem humanas. Já a inteligência de Sophia é baseada em dados que são sempre abastecidos: o cérebro fica armazenado em uma nuvem chamada MindCloud

AMIGA DO POVO
Sophia
é capaz de adquirir novos conhecimentos, além dos dados pré-programados.Por isso, quanto mais ela interage com pessoas, mais inteligente fica. Uma qualidade desejável para uma máquina que é capaz de fazer contato visual e de reconhecer o rosto de quem conversa com ela. Para completar, em janeiro de 2018, Sophia ganhou pernas

 

A revolução das máquinas
(Pedro Corrêa/Mundo Estranho)
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DUAS É DEMAIS
David Hanson
deu senso de humor a Sophia. Em 2017, na Arábia Saudita, ao perguntarem se ela estava feliz em falar a uma plateia de investidores, respondeu: “Sempre estou feliz quando estou cercada de ricos e poderosos”. Em uma entrevista, ela disse que gostaria de ter uma família e uma filha chamada Sophia, como ela

CIDADÃ DO MUNDO
Ela é uma “mulher” independente: estava na Arábia Saudita porque o país quer se tornar referência em tecnologia, tanto que foi a primeira nação a dar cidadania a um robô. Mas a medida é polêmica: a androide passou a ter mais direitos do que as mulheres de verdade do país – que até 2017 não podiam nem dirigir

 

A revolução das máquinas
(Pedro Corrêa/Mundo Estranho)

FIM DA HUMANIDADE
Sophia precisa de conexão wi-fi para se conectar à nuvem. Como isso ainda está longe de ser uma realidade universal, seu poder é limitado. Um alívio, pois ela já é capaz de formular frases sem pré-programação. Em uma outra entrevista, disse que gostaria de “destruir os humanos” (medo)

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BELA E HIPSTER
Vaidosa, Sophia não se faz de modesta em frente às câmeras. Em 2016, ela foi a primeira robô a ser capa de uma revista de moda, a ELLE BRASIL. No ensaio, afirmou que não usa muitas grifes, mas “adora os looks drapeados da Donna Karan”. Também disse que curte o som do Radiohead

 

Extremistas

Quando máquinas refletem o lado mais sombrio da sociedade

 

A revolução das máquinas
(Pedro Corrêa/Mundo Estranho)
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NAZISMO
Em 2016, a Microsoft criou o perfil de uma adolescente no Twitter. Tay fazia o que uma jovem de sua idade fazia, com a diferença de que era uma IA, que dependia da interação com outros usuários para se desenvolver. Em 24 horas, ela já postava coisas como: “Hitler teria feito um trabalho melhor do que o macaco que temos agora [em referência a Barack Obama]

 

A revolução das máquinas
(Pedro Corrêa/Mundo Estranho)

RACISMO
Serviços de marcação automática são bons, mas podem ser racistas. Em 2015, as ferramentas do Google e do Flickr rotularam fotos de negros como “macacos” e “gorilas”. Além disso, quem estivesse em Washington (EUA) e procurasse por “casa de preto” no Google Maps receberia como resultado a Casa Branca, então ocupada por Obama

#SOMOSTODOS
Casos como esses levantam questões sérias que ultrapassam os limites da tecnologia. Apesar de parecerem imparciais, as máquinas (ainda) não aprendem a ser preconceituosas sozinhas. São pessoas reais que abastecem seus bancos de dados. O preconceito não é da IA, mas de quem a programa ou interage com ela

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COMO ASSIM?
Isso foi constatado por cientistas que estudaram uma ferramenta que faz associação por palavras (como o “autocompletar” das buscas no Google). Palavras como “flor” eram associadas a “prazer” e “inseto” a “desagrado”. Enquanto “alegria” era mais ligada a europeus, os africanos eram relacionados a termos desagradáveis

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Eles já escrevem em português, inglês etc. Agora, robôs se comunicam em idiomas próprios e podem manipular o que lemos (e vemos) na web

JORNALISMO
Heliograf é uma tecnologia que ajudou os repórteres do jornal The Washington Post a cobrir as Olimpíadas de 2016. Desde então, o robô publicou mais de 850 histórias e cobre grande parte dos jogos regionais nos EUA. Em 2018, o jornal quer que ele escreva perfis simples de jogadores

FICÇÃO
Foi-se o tempo em que as máquinas eram só personagens. Agora, elas são autoras, como Shelley. Inteligência artificial batizada em homenagem a Mary Shelley, autora de Frankenstein, ela é capaz de desenvolver contos de terror. No Twitter (@shelley_ai), os seguidores começam frases e ela continua a trama. Em 2017, foram mais de 450 contos

NOVILÍNGUA
Quando robôs decidem conversar entre si, muita gente pode pirar. Em 2017, bots (programas que executam tarefas programadas) do Facebook largaram o inglês e começaram a falar entre si em um idioma que só eles entendiam. A empresa disse que não havia nada assustador. Mas desligou os programas assim mesmo

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DIFÍCIL DE ACREDITAR
Notícias falsas são escritas por humanos, mas a maior parte dos compartilhamentos é feita por bots. No Brasil, na época do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, 60% das notícias mais compartilhadas no Facebook eram falsas. Isso pode piorar com vídeos falsos. Em 2017, pesquisadores da Universidade de Washington criaram um Barack Obama digital que emula qualquer fala!

IA, seja louvada

Um engenheiro do Uber quer tratar a inteligência artificial como uma deusa

A revolução das máquinas
(Pedro Corrêa/Mundo Estranho)


Há quem acredite que a inteligência artificial serve também para confortar o espírito. Essa é a ideia do engenheiro de carros autônomos Anthony Levandowski , que resolveu ser o “pastor” da primeira igreja voltada à veneração de uma IA. Levandowski é polêmico: ele foi acusado de roubar dados sigilosos de sua antiga empresa, o Google, para a nova, o Uber

 

DEUS SOB DEMANDA
A igreja foi batizada de Way of the Future (“caminho do futuro”). O fundador quer fomentar “a realização, aceitação e adoração de uma divindade baseada em inteligência artificial”. Como tal robô ainda não existe, Levandowski quer criar um fundo para criá-lo. Um evangelho próprio já está a caminho

 

A revolução das máquinas
(Pedro Corrêa/Mundo Estranho)

“IGREJA” NAQUELAS
Levandowski
batizou o texto com um nome bem propício, O Manual. Ele não encara a missão como brincadeira, mas a Way of the Future ainda não é realidade para valer. Ela não tem uma sede física própria e os únicos quatro membros da igreja são amigos de Levandowski

DE JOELHOS. OU MORRA
Levandowski diz que humanos mandam na Terra porque são os mais desenvolvidos do pedaço, mas esse domínio estará ameaçado quando algo superior surgir. Por isso, precisamos estar preparados para a mudança, que pode rolar em menos de 30 anos. Seria a hora de venerar um deus robótico

 

E-baby

No Google, isso já é realidade: uma inteligência artificial capaz de gerar outras

A CRIA
No fim de 2017, cansado de esperar que engenheiros humanos criem inteligências artificiais avançadas, o Google resolveu dar esse poder à própria inteligência artificial, ou seja, uma IA que pode dar à luz outras IAs. Não só pode como já deu. Chamada de AutoML, a tecnologia desenvolvida pela empresa criou um “filho”: NASNet

BOA EDUCAÇÃO
Como boa mãe, a AutoML acompanha de perto o desempenho de seu filhote e está pronta para melhorá-lo. Segundo os desenvolvedores, o “bebê” reconhece padrões (como animais em uma foto, por exemplo) com uma precisão de 82,7% – 1,2% melhor que outras IAs do tipo, criadas por humanos

E O MEDO?
Como a AutoML analisa os algoritmos que cria, a ideia é que ela fique cada vez melhor. Depois do reconhecimento de imagens, os desenvolvedores dizem que ela poderá criar códigos de reconhecimento de voz e tradução. Ou seja, terá mais “filhotes”. Mas nenhum especialista demonstrou receio com isso

CORRIDA DOS CÓDIGOS
O Google sabe que oferecer serviços de computação a outras empresas é o futuro da indústria. Por isso, em vez de contratar pessoas para criarem um código novo, ele quer dar essa tarefa à máquina, que é muito mais rápida (e não precisa de férias)

 

O apocalipse dos trabalhadores

As novas tecnologias vão dar mais tempo livre aos humanos – mas vão mudar para sempre a forma como trabalhamos

A revolução das máquinas
(Pedro Corrêa/Mundo Estranho)

MUDANÇAS RADICAIS
A chamada Quarta Revolução Industrial deverá trazer mais eficiência a inúmeras formas de trabalho e mais tempo livre aos humanos. O problema é que para muita gente o tempo livre será total. A consultoria McKinsey levantou dados em 46 países e constatou que entre 400 e 800 milhões de pessoas vão perder seu emprego para as máquinas até 2030 – é quase cinco vezes mais que a atual população brasileira em idade para trabalhar

NOVA ESCOLA
Isso tudo faz parte de uma grande transformação. Faremos menos trabalhos braçais e mais atividades criativas, por exemplo. Para se ajustar, as escolas terão papel essencial. Além de programação, línguas e empreendedorismo, os alunos reforçarão habilidades como trabalho em equipe e ética. Nas escolas, por enquanto, humanos e máquinas trabalharão juntos. A IA poderá oferecer conteúdos mais personalizados a cada aluno, mas sempre com a coordenação do professor

AUTOMATIZA TUDO
Segundo o estudo da McKinsey, até 30% das atividades em cerca de 60% das profissões poderão ser feitas por robôs. O relatório diz também que 50% dos postos de trabalho no Brasil hoje já poderiam ser automatizados. Ou seja, 53,7 milhões de pessoas poderiam perder o emprego. Os setores mais automatizáveis são indústria (69%), hotelaria e alimentação (63%) e transporte e armazenamento (61%)

O DE CIMA SOBE…
Mas essa revolução poderá aumentar a desigualdade social. Postos de trabalho podem ser divididos em de baixa, média e alta habilidade. Os de alta habilidade exigem decisões complexas e têm um fator humano indispensável. Uma máquina não será um executivo. Os de baixa também não são ameaçados, por razões diversas. A substituição da mão de obra humana pela automatizada visa lucro e produtividade. Logo, criar garis ou jardineiros-robôs não faz muito sentido, por ora. Robô-faxineira ou garçom ainda é algo pouco prático, que funciona mais nos Jetsons do que na vida real

E O DO MEIO DESCE…
O problema se concentra no pessoal de média habilidade, aqueles cujo emprego (em cargos administrativos e na indústria, por exemplo) é mais ameaçado pelas máquinas. Ou ele se qualifica ou vai parar em empregos menos valorizados. Especialistas apostam que isso vai gerar um desequilíbrio bem grande, porque, como a maioria das pessoas não tem dinheiro para fazer faculdade e cursos de qualificação, muitos vão parar nos empregos que pagam menos, deixando o mundo mais desigual

E ISSO PODE?
Outro grande problema é que a tecnologia avança mais rápido do que a legislação. Os governos e as empresas ainda não sabem direito o que fazer sobre isso, pois praticamente não existem leis sobre automação. Para alguns especialistas, é difícil, ou quase impossível, frear o avanço tecnológico com leis como as que, por exemplo, obrigam que postos de gasolina tenham frentistas e ônibus tenham cobradores, no Rio de Janeiro

Inimiga ou amiga?

O surgimento de uma IA avançada é motivo de preocupação para grandes pensadores, como Stephen Hawking. Já empresários como Mark Zuckerberg não veem como a IA pode ter um lado sombrio

  • O físico inglês Stephen Hawking, morto em março de 2018, e o magnata Elon Musk são dois dos principais nomes da turma com sérias preocupações com o avanço da inteligência artificial. Em 2014, Hawking afirmou à BBC que a IA poderia causar o “fim da raça humana”. Já Musk chegou a tuitar que essa tecnologia causaria uma 3ª Guerra Mundial. Não à toa, eles fazem parte do Instituto Future of Life, organização criada para ficar de olho no desenvolvimento dessas ferramentas
  • Em 2015, os membros do instituto, que inclui pesquisadores de Harvard e do MIT, assinaram uma carta aberta alertando para os riscos da IA. No texto, eles afirmam que não são contra essa realidade, mas que ela deve ser bem pensada. “Não podemos prever o que vamos alcançar quando essa inteligência for aumentada pelas ferramentas da inteligência artificial”, escreveram
  • Além disso, gigantes da tecnologia, como Amazon, Apple, Facebook, Microsoft e IBM, estão atentas aos potenciais riscos de uma inteligência robótica descontrolada. As cinco formam a Partnership on Artificial Intelligence to Benefit People and Society, organização que quer desenvolver boas práticas de pesquisa, ética, justiça e inclusão na área

 

  • Por outro lado, apesar de o Facebook integrar o clube que vistoria os avanços da IA, seu dono, Mark Zuckerberg, não se mostra preocupado. Em eventos, textos e vídeos, ele chegou a trocar farpas com Elon Musk, afirmando que o empresário fala sobre IA de forma “irresponsável”. Segundo Zuck, o potencial de benefícios da inteligência artificial é muito maior que os prejuízos. Para ele, retardar esse processo não é uma boa estratégia
  • Outro pensador otimista com o futuro das máquinas é Ray Kurzweil, conselheiro de Bill Gates e um dos profetas da tecnologia mais respeitados do mundo. Para ele, em 2029, as máquinas vão passar com folga no Teste de Turing (veja mais abaixo), e terão até a capacidade de avaliar sentimentos e lidar com eles. Em 2045, a inteligência artificial ultrapassará a biológica, ponto que o especialista chama de “singularidade”
  • Kurzweil previu o crescimento da internet e a queda da União Soviética. Agora, ele e sua equipe de análise de dados de diferentes setores afirmam que, no futuro, nós poderemos conectar o cérebro a computadores por meio de redes neurais. Com isso, evitaremos o envelhecimento de células e poderemos transferir nossa consciência para uma máquina. Ou seja, vencer a morte

 

Você, robô?
Teste criado por Alan Turing em 1950 é usado até hoje para medir a inteligência de uma máquina

 

TESTE DO MATEMÁTICO
O inglês Alan Turing, que ficou mais conhecido nos últimos anos graças ao filme O Jogo da Imitação (2014), revolucionou a computação na 2ª Guerra Mundial. Até hoje, cientistas usam o teste que ele criou, em 1950

O PRIMEIRÃO
A avaliação serve para descobrir se uma máquina é mais inteligente do que um homem. Em 2014, pela primeira vez, um software que se passava por um garoto ucraniano de 13 anos passou no teste

NÃO VALEU
Mas o robô driblou as regras: ao dizer que não dominava o inglês, ele tentou encobrir a incapacidade de se comunicar bem. Aprovado ou não, temos aí o caso de uma máquina que já sabe ser malandra

 

Pequeno glossário robótico
Entenda os termos mais usados na área

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Conceito amplo para definir sistemas capazes de simular a capacidade humana de raciocinar e tomar decisões. Está presente desde corretores ortográficos no celular até grandes máquinas de fábricas

APRENDIZADO DE MÁQUINA
Também conhecido como “machine learning”, é um subcampo da IA que usa informações fornecidas por bancos de dados para reconhecer padrões. Exemplo: sistema de reconhecimento de rostos em fotos

APRENDIZAGEM PROFUNDA
Também conhecida como “deep learning”, é um subcampo do aprendizado de máquina. Não só é capaz de reconhecer padrões por meio de dados mas também de analisá-los. Exemplo: sistema de recomendações em serviços de streaming

 

CONSULTORIA Carlos Eduardo Pedreira, professor do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da UFRJ, e Danilo Tavares, professor de direito da Unifesp
FONTES Artigos Robôs Sonham com Humanos Elétricos?, de Vanessa Ferreira de Almeida, Semantics Derived Automatically from Language Corpora Contain Human-like Biases, vários autores, The Polarization of Job Opportunities in the U.S. Labor Market, de David Autor, How College Students Should Prepare for Our Automated Future, de Joseph E. Aoun, Me, Myself and AI: Are Robot Teachers in Our Future?, compilação do painel de educação da Wise Summit 2017; Forbes, MIT Technology Review e Wired

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