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Coronavírus pode causar diabetes em pessoas saudáveis, apontam estudos

Associação ainda não está totalmente clara, mas cientistas suspeitam que o vírus pode, em casos raros, destruir células do pâncreas que produzem insulina.

Por Bruno Carbinatto
30 jun 2020, 19h58

Como se já não bastasse uma longa e crescente lista de sintomas, a Covid-19 vem desafiando médicos e cientistas pelo mundo por apresentar sinais inesperados em diferentes pacientes. Os sintomas respiratórios são os mais clássicos da doença, mas já sabemos que outros órgãos podem ser afetados, como o cérebro, o coração, rins e fígado. Agora, uma série de evidências mostra que o coronavírus também pode causar diabetes em pacientes saudáveis em casos raros – mas novos estudos ainda precisam ser feitos antes de cravar a associação com mais certeza.

Primeiro, vamos relembrar o que é diabetes. Em um corpo saudável, a glicose (um tipo de açúcar) que ingerimos na alimentação é regulada no sangue pela insulina, um hormônio produzido pelo pâncreas. Em pessoas diabéticas, algo dá errado nesse processo, e a glicose não consegue ser absorvida apropriadamente e fica no sangue – quadro conhecido como hiperglicemia.

Há dois tipos de diabetes: a tipo 1 é uma doença autoimune e acontece quando o pâncreas perde a capacidade de produzir insulina porque o sistema imunológico do próprio paciente acaba destruindo as células beta do órgão, responsáveis pela tarefa. Não se sabe exatamente o que causa esse ataque do próprio sistema imunológico ao pâncreas.

O tipo 2, responsável por 90% dos casos totais de diabetes, é influenciado pela genética e também por fatores comportamentais, como sedentarismo e má alimentação, e ocorre porque as células do corpo criam resistência à insulina gradualmente. Neste caso, o pâncreas até cumpre sua tarefa e produz insulina, mas os órgãos não conseguem utilizá-la com eficiência, o que faz com que o corpo produza ainda mais o hormônio para tentar consertar o problema. Se o quadro persistir, as células beta do pâncreas se desgastam e, eventualmente, de funcionar de vez.

Já é bem estabelecido que a diabetes é uma doença pré-existente que pode agravar casos de Covid-19; pessoas diabéticas são consideradas grupo de risco e têm mais chances de morrer se infectadas pelo vírus. Mas, agora, um grupo crescente de cientistas acredita que a própria Covid-19 pode desencadear quadros de diabetes em pacientes que antes não tinham a doença, embora não se saiba o quão comum isso seja, nem se é algo permanente ou temporário.

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A hipótese vem após relatos de casos em vários países de pacientes que desenvolveram diabetes repentinamente depois de serem infectadas pelo novo coronavírus, bem como de pessoas diagnosticadas com Covid-19 que apresentavam altíssimos níveis de açúcar no sangue – e, também, níveis anormais de cetonas. Substâncias conhecidas como corpos cetônicos são produzidas pelo corpo quando há falta de insulina e não é possível utilizar a glicose como fonte de energia. Então, utiliza-se os estoques de gordura (que é degradada e absorvida por meio das cetonas). Ou seja, um alto nível de cetonas no sangue indica um quadro diabético.

Isso levou cientistas pelo mundo a se perguntar se as duas doenças não teriam algum tipo de relação. Não foi um mero chute: já se sabe que outras infecções virais podem levar a quadros de diabetes porque os vírus atacam e destroem as células beta do pâncreas, responsáveis pela produção de insulina, gerando um quadro parecido com o da diabetes tipo 1.

Esse tipo de sintoma foi inclusive observado em um estudo de 2010 com o coronavírus causador da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), que se comporta de maneira semelhante ao vírus da Covid-19. Uma das hipóteses mais fortes sobre a diabetes tipo 1, inclusive, é que a resposta imunológica que destrói as células do pâncreas seja sempre ativada por uma infecção viral, embora isso ainda não seja totalmente estabelecido e outras causas também possam estar por trás.

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Além disso, as células beta (e outras envolvidas no processo de controle do açúcar no sangue) de fato expressam em sua superfície a proteína ACE2, que é bem conhecida por ser a “porta de entrada” do vírus em nossos tecidos – ou sejam, são suscetíveis a infecção do parasita. Portanto, há sim evidências que explicam um possível mecanismo por trás da associação entre diabetes e Covid-19.

A mais recente evidência vem de um estudo que utilizou um organoide de pâncreas – um “mini órgão” cultivado em laboratório a partir de células humanas – para testar como o coronavírus se comporta no órgão.

A pesquisa mostrou que o vírus tem sim a capacidade de infectar células beta no órgão, bem como as células-alfa, que são responsável por produzir um outro hormônio, o glucagon. No processo de infecção, muitas células acabam morrendo. Mas, além disso, a equipe demonstrou em laboratório que o vírus também consegue atrair uma resposta imunológica agressiva para a região, o que poderia fazer com que o próprio corpo do paciente acabasse matando as células do pâncreas para lutar contra o vírus.

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Isso significa que o coronavírus de fato causa diabetes? Ainda não sabemos com certeza, mas há evidências o suficiente para chamar a atenção da comunidade científica.

No começo desse mês, um grupo internacional de pesquisadores enviou uma carta pública à revista The New England Journal of Medicine, uma das mais prestigiadas do ramo, para alertar cientistas de todo o mundo sobre a importância de se estudar mais a fundo o assunto, citando essas e outras evidências no texto.

O grupo também lançou uma plataforma internacional para coletar mais dados relacionando casos de Covid-19 com diabetes e embasar pesquisas em todo o mundo sobre a possível relação entre as doenças. O objetivo é descobrir se de fato ela existe, e, se sim, quais os detalhes do mecanismo, do tempo de duração dos sintomas, da intensidade em diferentes pacientes e outras informações que permanecem, até agora, no escuro.

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