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Covid-19: o que se sabe da variante encontrada na Califórnia até agora

Estudos preliminares apontam que ela seja bastante perigosa. Mas ainda é cedo para colocá-la no mesmo nível que outras variantes preocupantes, como a B117.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 25 fev 2021, 19h39 - Publicado em 25 fev 2021, 19h24

Uma variante do vírus Sars-Cov-2 identificada pela primeira vez em dezembro de 2020 na Califórnia, Estados Unidos, chamou a atenção da comunidade científica na última semana após notícias de que ela poderia ser mais transmissível e mais letal que as versões anteriores do vírus.

Batizada de B.1.427/B.1.429, essa nova variante (que, na verdade, consiste em duas linhagens com pequenas diferenças entre si) já foi encontrada em outros 45 estados americanos e até outros países, mas só se tornou dominante, por enquanto, na Califórnia, o estado mais populoso do país.

Apesar da existência dessa variante já ser reconhecida há algum tempo, não se sabia se ela era de fato preocupante. Agora, uma nova análise preliminar dos pesquisadores da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF) mostrou que a cepa se espalhou rapidamente no norte do estado. Em setembro de 2020, não havia indícios dela na cidade de São Francisco; em janeiro de 2021, ela já era responsável pela maioria dos casos de Covid-19 na região.

Os cientistas também descobriram que as pessoas infectadas com a variante continham cerca de duas vezes mais vírus em seus narizes, o que pode indicar que a transmissão é maior. E, em laboratório, vírus modificados geneticamente para carregar uma mutação fundamental encontrada na variante foram melhores do que os vírus do grupo controle quando a tarefa era infectar células humanas.

Um outro estudo separado, feito pela mesma equipe da UCSF, indicou que pacientes infectados com tal variante podem ter 4,8 vezes mais chance de ser internado na UTI e até mais de 11 vezes mais chance de morrer do que os infectados por outras cepas virais. Os resultados foram calculados com base nos dados de 324 pacientes tratados no centro médico da universidade e ajustados para fatores como idade, sexo e etnia.

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Os números são impressionantes, mas calma: muitos especialistas pediram cautela nas conclusões baseadas neles.

Limitações dos estudos

As pesquisas estão em estágio de pré-publicação, ou seja, não passaram pela revisão de outros cientistas para serem publicadas em um periódico científico – e sequer foram disponibilizadas na internet. Além disso, as amostragens no estudo da letalidade não são tão representativas do ponto de vista estatístico: entre os pacientes infectados com a variante californiana, menos de 10 morreram e menos de 10 foram levados à UTI, de acordo com a revista Science.

Os próprio autores admitem que não dá para colocar a letalidade aparentemente maior na conta do vírus. Isso porque, no período analisado pelo estudo, havia um outro fator importantíssimo que interfere nesses: o sistema hospitalar. Todos os pacientes infectados pela tal variante e que morreram foram tratados entre 22 de dezembro de 2020 e 28 de janeiro, quando a área passava por um grande surto de infecções e o sistema de saúde estava sobrecarregado.

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Sobre a transmissibilidade, é possível que a variante seja mais eficaz em se propagar do que outras cepas, mas talvez não tanto a ponto de competir com outras variantes mais preocupantes. Aqui, é bom lembrar como a evolução do vírus ocorre: desde que o Sars-Cov-2 surgiu entre humanos, ele começou a passar por mutações em seu genoma. Esse processo é natural – e cria “variações” do vírus baseado nas mudanças. Só que a maioria das mutações não tem importância para nós, uma vez que não altera características da infecção ou da doença.

Após muitos meses de uma pandemia descontrolada em algumas regiões, porém, a seleção natural começou a selecionar mutações vantajosas para o vírus (e perigosas para nós). Foi assim que surgiram as variantes preocupantes, ou VOC, da sigla em inglês “variant of concern”. Atualmente, há três que se encaixam nessa categoria, de acordo com o consenso científico: a B.1.17, a primeira a ser identificada no Reino Unido; a B.1.351, descrita na África do Sul; e a P1, originada na cidade de Manaus.

Essas três variantes são consideradas preocupantes porque há evidências suficientes para afirmar que elas possuem mutações ligadas a uma maior transmissibilidade, gravidade da doença ou evasão parcial da resposta imunológica dos infectados. No estudo, a equipe de São Francisco sugere que a variante da Califórnia seja considerada igualmente preocupante e analisada na mesma proporção, com base em seus dados preliminares.

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Conclusões precipitadas

Outros especialistas, contudo, afirmam que essa classificação pode ser precoce demais. “Estou cada vez mais convencido de que ele está transmitindo mais do que outros localmente ”, disse ao The New York Times William Hanage, epidemiologista da Universidade Harvard e que não participou da pesquisa. “Mas não há evidências para sugerir que está no mesmo ritmo da B.1.1.7.”

Um dos pontos que reforçam essa ideia é o fato de que essa variante surgiu em junho no sul da Califórnia, e só no começo de 2021 se transformou dominante na região de São Francisco. Outras variantes preocupantes, como a B.1.1.7, tornaram-se dominantes muito mais rápido em áreas afetadas – isso aconteceu, inclusive, quando ela chegou aos EUA.

Além disso, como esse fenômeno não foi observado em nenhum outro local onde a variante foi identificada, é possível que a transmissão maior não seja uma característica inerente do vírus, mas sim resultado de aglomerações específicas da região em uma determinada época.

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Outro fator importante é que os números da pandemia na Califórnia estão gradualmente melhorando após pioras significativas no final de 2020 e começo de 2021, ao mesmo tempo que a nova variante avança. E, por fim, a B.1.427/B.1.429 não carrega muitas das mutações que tornam as outras VOCs mais perigosas (como a N501Y ou a E484K). Sua mutação mais preocupante é a chamada L452R, que talvez possa ter um impacto na neutralização do vírus por parte dos anticorpos. No entanto, as evidências até agora para isso são fracas.

Ou seja: ainda é muito cedo para afirmar que a variante da Califórnia é tão preocupante quanto a britânica, a sul-africana e a brasileira. Novos estudos e um sequenciamento em massa contínuo das áreas afetadas poderão confirmar ou não essa hipótese.

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